Conseguiram. O linchamento moral, que inclui inclusive perda de renda e até mesmo da profissão, está aceito na sociedade, inclusive com proteção jurídica. Há determinados temas que não se pode questionar, falar, emitir opinião. A quantidade de pessoas, inclusive próximas, que aplaudiram a demissão do jogador, e possivelmente seu encerramento de carreira, me entristece mais do que o fato em si. Maurício está tendo sua vida destruída, e sob aplausos.
O que ele fez? Matou alguém? Roubou? Traficou drogas? Nada disso. Ele emitiu uma opinião sobre um quadrinhos. Uma opinião inclusive que é compartilhada por boa parte da população deste país. Nada disso importa. Ele deve ser afastado para que sua opinião não seja contagiosa. É preciso matar o mal pela raiz.
Não é um caso isolado, mas um bem representativo deste momento. O mundo se divide entre os Maurícios e seu apedrejadores.
Não por muito tempo. Logo seremos todos Maurícios.
Há alguns dias participei de um jantar de encerramento de um evento. O ponto alto foi um show de luzes iluminando um prédio próximo. O que chamou minha atenção foi que a grande maioria das pessoas, na hora do show, sacou o celular no bolso e passou a filmar o evento.
Fiquei observando a cena e pensando que a forma como estavam vendo o evento não diferenciava em nada de quem visse o vídeo depois. Fui um dos poucos a ver o fenômeno com os olhos que Deus me deu.
É próprio de uma civilização materialista reduzir tudo à matéria. Nada é mais revelador desta impressão que a frase usada para explicar a eleição de Bill Clinton: “é a economia, estúpido”. É apenas a versão moderna do núcleo do pensamento de Karl Marx, que rejeitava toda a transcendência e reduzia o homem ao seu componente econômico.
Não é de hoje que o Brasil está mentalmente preso nesta concepção. No debate público, as poucas questões que fogem ao econômico são relegadas a segundo plano, como se fossem luxo. Analisamos nossos políticos sempre pela lente do dinheiro: quanto ganham, quanto gastam, quanto custa um mandato, qual o valor dos projetos, etc. Há uma perspectiva quase geral que o nosso principal problema é de enriquecimento. Quando se fala em desenvolvimento, tudo se resumo ao econômico.
Eu não acredito nisso. Em contrário, creio que o principal problema é cultural. Um povo precisa ter as idéias no lugar para produzir riqueza. Precisamos de um choque de cultura. Aqui cabe uma importante distinção, não falo de alta cultura teórica, mas da cultura do senso comum, das idéias eternas de solidariedade, colaboração, dedicação, busca do crescimento pessoal e tantas outras. Entender, por exemplo, que para qualquer sistema econômico funcionar há uma base de moralidade que deve existir. A confiança entre as pessoas é uma das condições necessárias para o verdadeiro desenvolvimento.
Não quer dizer que eu endosse a idéia que tudo é educação. Ao contrário, com essa educação que temos aí, que aliás nem deveria ser chamada de educação, este sistema de ensino, cada real a mais colocado e um real perdido. O seu grande produto é matar nas crianças a capacidade natural de perguntar, imaginar e ser criativo. Tem vezes que acho que toda minha vida tem sido uma grande jornada de destruir os hábitos que a escola me ensinou e substituí-los por uma verdadeira cultura, uma cultura com base no que é eterno.
Em resumo, não acredito que o Brasil possa se desenvolver de fato sem cultivar as idéias corretas primeiro. Acho até que já fomos longe demais com o pouco que temos e qualquer ganho que se possa ter sempre será marginal. Ou seja, estamos condenados à estagnação. A internet abriu espaço para que idéias possam circular livremente, mas até isso está ameaçado. Não faltam filo-totalitários, togados ou não, querendo suprimir a liberdade de expressão para nos manter prisioneiros do conformismo, esta matrix brasileira que nos reduz a um imenso rebanho. O que o Brasil precisa é de uma conversão cultural, um voltar-se para as verdadeiras idéias do espírito, abandonando de vez as ilusões materialistas. O grande desafio é como despertar este sentimento em uma quantidade de pessoas que possam liderar este esforço de mudança. O que não faltará nunca são os agentes do caos, conscientes ou não, capazes de tudo para matar nos homens a liberdade de pensar.
Estou lendo A Arte de Pensar, de Ernest Dimnet. Que livro!
Dimnet nos mostra que com a quantidade absurda de livros que temos à disposição (isso em 1928!) torna fácil que nos percamos em distrações inúteis. Chegou ao ponto que não devemos mais ler os bons livros, mas apenas os melhores.
O problema, nos diz ele, é que classificar um livro como clássico é praticamente sepultá-lo. É automaticamente torná-lo inacessível, considerá-lo entediante.
A culpa maior estaria no sistema educacional moderno. A combinação de trabalhos maçantes, discussões estéreis e, principalmente, professores pedantes, levam à ojeriza dos alunos em relação aos grandes livros. Na mesma linha de Chesterton, Dimnet considera que as crianças têm uma aptidão natural para o questionamento, o pensamento profundo, a filosofia. É a vida que destrói este sentimento natural, nos levando ao conformismo e busca do prazer que distrai. A educação moderna é um destes instrumentos de destruição da imaginação criativa.
Eu não vejo como um professor de literatura, ou de cultura, não ter pelos livros que apresenta outra relação que não seja de entusiasmo. Ele deve passar aos alunos todo seu maravilhamento com a obra, suas impressões mais profundas e sinceras, suas próprias dúvidas.
É isso que encontramos na prática? Usamos os livros para expressar a condição humana no que temos de mais profundo ou para ilustrar teses abstratas sobre sociologia, psicologia, economia e tudo mais?
Por isso, talvez, um grande sábio tenha dito que precisamos ser como crianças para entrar no reino dos céus.
Não sei se é de hoje este desejo que quase todo mundo tem de mandar em todo mundo. Ou simplesmente que as pessoas façam o que achamos que devem fazer.
O que é novo são os instrumentos. A tecnologia avança vigorosamente em direção ao controle total. Distopias vão se tornando realidade, vamos perdendo nossa liberdade, sempre em favor de um “bem maior”.
O problema, que poucos vêem, é que este tal “bem maior” é definido por elites burocráticas no mundo todo, com as melhores intenções, lógico.
Chegará o dia que não saberemos nem quem está movendo as engrenagens.
Com Senjutsu o Iron deu forma final para o som que o moldou ao longo dos últimos 20 anos, especialmente desde a vota de Bruce para a banda. Sim, eu adoro a fase anos 80, com a pegada mais vigorosa, riffs alucinantes e toda energia que a banda trouxe para o rock pesado.
Só que Steve Harris e cia devem ter percebido com os trabalhos do início dos anos 90 que não tinham mais para onde ir, que estariam condenados a se repetirem com cada vez menos criatividade e aquela sensação de esgotamento. A saída meio traumática do Bruce reforçou este pensamento.
Com Blaze na banda, experimentaram o que seria a forma musical para o que viria a seguir. Peças mais longas, quase pequenas sinfonias de rock, uma espécie de cruzamento do heavy metal, progressivo e música clássica. As músicas passaram para a faixa de 10 minutos, com muitas transições, climas e construções cuidadosas. Há geralmente uma introdução e movimentos distintos, claramente inspirados nas sinfonias clássicas. Blaze foi fundamental para dar a liberdade que precisavam para experimentar e o preço quase foi alto demais. Ficaram a um passo de acabar com o Iron Maiden.
Bruce retorna nos anos 2000, mas não fazendo o que faziam quando saiu; agora já havia um novo projeto, que aliás encaixaria como uma luva para o talentoso vocalista que tinha tudo a ver com grandiosidade e performances teatrais. Bruce nasceu para grandes palcos. O Iron passou a mesclar essas pequenas sinfonias com músicas mais diretas, na faixa dos 5 minutos mas são justamente estas músicas mais longas que acho bem mais interessantes. Lembro que Rime at the Ancient Mariner com seus 13 minutos era considerada quase como uma extravagância. Hoje é praticamente a norma.
Senjutsu é o melhor album desta fase progressista-sinfônica da banda, que mais que uma fase, talvez seja o que Harris construiu cuidadosamente ao longo de mais de 40 anos. A primeira fase Dickinson foi a preparação, Blaze a experimentação e depois veio a realização a partir do Brave New World.
Sobre o album em si, trato em outro texto. Só adianto que é um baita trabalho. Digno dos melhores momentos do Iron Maiden.
Por grande parte da minha vida, meu segundo esporte favorito foi o basquete, como acontece com bastante gente que conheço. Foi assim até 2013, ano que morei nos Estados Unidos. Foi ali que me apaixonei pelo baseball.
Não foi amor à primeira vista, confesso. Eu sabia alguma coisa das regras por jogar no computador nos anos 90, mas como quase todo mundo, achava chato. Fui num jogo do Yankees, em NY. A experiência não foi muito boa. Caiu um temporal, jogo foi interrompido. Mais de duas horas para reiniciar, com boa parte do público já tendo deixado o estádio. Nem ficamos para o final. O próprio jogo em si foi ruim, quase nenhuma rebatida. Terminou 2 x 0 para o Yankees.
Por incrível que pareça, comecei a gostar mesmo foi num jogo da “série B”. Por uma coincidência, a primeira vez que passamos alguns dias em Memphis, que era perto de onde eu morava, no Mississippi, ficamos em um hotel ao lado do estádio do Redbirds, um time afiliado do Cardinals, de St Louis. Quando vi ingresso a 5 dólares, perguntei-me por que não? Fomos eu e meu filho. Esposa e filhas ficaram no hotel.
Com 10 minutos, liguei para elas.
__ Podem descer, compra o ingresso e te espero na entrada.
__ Como assim?
__ Pode vir, vão se divertir. Tem brinquedos para as crianças, comida, show de mascotes, é bem legal.
Foi assim que descobri que o baseball é o esporte da família americana. Lembro que tinha um espaço que não era arquibancada, mas um gramado onde as pessoas esticavam toalhas de picnic e assistiam o jogo tranqüilamente. Outra coisa que me chamou a atenção: a arquitetura. Que coisa linda aquele estádio, com tijolinhos aparente, estilo clássico. Boa parte dos estádios são assim.
Estádio do Redbirds. Detalhe para a “arquibancada em gramado”
A partir deste momento resolvi dar uma chance para o esporte. Comecei a assistir os jogos. Escolhi o Red Sox para torcer porque achava bem legar aquela história de ter ficado mais de 80 anos sem um título dando origem ao que ficou conhecido como a maldição bambino (recomendo o filme Amor em Jogo). Naquele ano, inclusive, o Sox foi campeão. Lembro do grand slam batido pelo Napoli. Estávamos em um hotel, acho que em Nova Orleans, e gritava feito louco no quarto. Este negócio de jogo chato já tinha ficado para trás.
Napoli, em 2013
A principal característica do jogo para mim é a tensão. Não tem nada igual. É como se fossem 3 horas de disputa de penaltis. Tem horas que não consigo assistir, juro. Saio da sala, volto com a jogada terminada. Impressionante.
Outra característica é a plasticidade. É um jogo muito bonito. Não se trata apenas rebatidas. As defesas, os movimentos, a busca do corredor, o ritual do arremessador, a concentração do rebatedor, tudo é muito artístico. Tem defesas que deixariam os goleiros pasmos. Detalhe: tem que pegar a bolinha no ar, sem que ela toque no chão. Nada de espalmar.
Enfim, tudo isso para dizer que começaram os playoffs e o desacreditado Red Sox (temporada anterior foi horrorosa) conseguiu se classificar. Venceu o maior rival, os Yankees em jogo único e agora enfrenta, em melhor de 5, o excelente time de Tampa. Perdeu feio o primeiro, “goleou no segundo” e amanhã faz o jogo 3, em casa. Tampa é o favorito, mas se chegamos até aqui, por que não sonhar?
Outro dia, durante um jantar, um empresário me disse:
__ Sabe, a esta altura da vida, passando dos 60 anos, eu cheguei a duas conclusões. A primeira é que não processo mais ninguém. Chega de brigar, não quero mais confusão. A segunda é que não quero mais ter razão. Se a pessoa começa a discutir comigo eu declaro logo minha derrota e abandono qualquer argumentação. Esse mundo tá muito chato, todo mundo quer ter razão sobre tudo. Eu não quero mais isso para mim. Você fica com sua razão e me deixa em paz. Eu quero ser feliz no meu tempo que resta.
Um dos meus temas favoritos de estudo são os mitos. Acho que na modernidade ninguém os entendeu melhor que Eric Voegelin. O mito é uma forma compacta de uma verdade.
Vejam o mito de Cassandra, aquela linda donzela que recebeu de Apolo o dom de prever o futuro. Só que ela não cedeu a suas investidas e deus, furioso, a condenou ao eterno descrédito. Ou seja, ela via o futuro, mas ninguém acreditava em suas previsões.
O que o mito quer dizer? Que saber da verdade não significa que irão acreditar em você. Muitas vezes o mundo inteiro vai virar de costas e ignorar algo que lhe parece absolutamente óbvio. A posse da verdade não significa que serás capaz de convencer alguém, pode até ser um motivo de descrédito.
O mito de Cassandra foi criado para ser ensinado para as crianças gregas na escola, para que desde cedo aprendessem as verdades de uma cultura de que eram herdeiras. E o que é a educação hoje? Treinar crianças para executarem políticas públicas e serem obedientes às autoridades (do estado, claro. Os pais não merecem esta reverência).
Só poderíamos ter o mundo infantilizado que temos hoje.