Colégio Militar: desfazendo mitos

Já que o assunto é Colégio Militar, alguns pontos que gostaria de ressaltar:

1. O Colégio Militar do Exército é diferente dos Colégios Militarizados e de Colégios Militares de Forças auxiliares (Bombeiros e Polícia). A recente matéria do Estadão criticando os custos dos CM trata do modelo adotado no Exército.

2. O pessoal está aceitando o cálculo do custo do aluno do Estadão sem discutir. Esse negócio de calcular custo de aluno e comparar é complicadíssimo. Pode até estar certo, mas a experiência recente mostra que ninguém é menos confiável hoje que o jornalismo tradicional, especialmente quando querem provar uma tese. A matéria do Estadão não diz como foi calculado este custo, simplesmente o joga como dado da realidade. Estranho a parte que diz que o aluno do CM é de renda considerada muito alta. Isso é mentira e basta calcular a renda média familiar nos colégios. A própria matéria diz que a maioria dos alunos são filhos de militares. Desconheço salário de militar que possa ser considerado muito alto. Outra afirmativa distorcida é de que há professores que ganham mais de 10 mil por mês. Provavelmente estão falando de professores militares, que não estão no colégio apenas para dar aula. Eles cumprem expediente, missões administrativas e militares, tem regime de dedicação integral, tudo como os demais militares. Lançar este salário como salário de professor é má fé. Aliás, dez mil por mês só ganha o coronel comandante do colégio. E na risca. Ou seja, pode até ser que o custo do aluno em um Colégio Militar seja superior ao da rede pública, mas não confio na imprensa para apresentar esta comparação.

3. O Colégio Militar do Exército foi criado, e ainda permanece em seu estatuto, até onde eu sei, como um colégio com propósito assistencial para a família do militar. Não podemos perder isso de vista. Ele visa reparar o mal que as constantes transferências causam para a família dos militares que têm o ensino dos filhos descontinuados. Foi assim que estudei 11 anos em 12 colégios diferentes. Os 7 anos dos colégios militares procuram pelo menos reparar esta descontinuidade.

4. Os colégios se situam em grandes cidades, onde o custo de vida para os militares, especialmente praças, é elevado.

5. Eu não sei a proporção, mas uma grande quantidade de alunos são filhos de sargentos. Há críticas que são escolas elitistas. Onde pode ser elitista uma escola que grande proporção dos alunos, talvez até a maioria, é de família de pessoas de nível técnico? Pegando um segundo sargento como média, estamos falando de renda familiar na casa dos 5 mil reais ao longo da carreira. Sim, porque na maior parte dos casos a renda do militar é a renda da família pois as constantes transferências fazem um estrago na vida do conjugue, seja homem ou mulher.

6. Em vez de ficar marretando, devia-se estudar o motivo que levam um aluno do Colégio Militar a ter um desempenho bom quando comparado ao restante do país. Particularmente acredito que este motivo não esteja no fato do colégio ser militar, pelo menos não diretamente. O que conta mais é o fato de existir uma organização para o ensino (diretores de escola deveriam visitar uma seção técnica de um CM para entender o que é planejamento de ensino) e uma preocupação dos diretores de ensino de impedirem a ideologia em sala de aula. Não é fácil. Muitos professores fazem isso na surdina, aproveitando o momento que estão sozinhos em sala, mas a defesa é muito maior que um colégio particular ou da rede pública. É difícil passar determinados livros pelo crivo, como aqueles que exaltam Fidel Castro como exemplo de liderança e democracia, e boa parte dos professores são militares, que tem pelo menos uma cultura anti-ideológica por formação. Também há uma preocupação muito grande de evitar-se os modismos pedagógicos no processo de ensino. Lembro de um colégio no Rio de Janeiro que estava alfabetizando minha filha usando o método Paulo Freire de alfabetização para adultos. Isso não aconteceria num CM. Aliás, Paulo Freire nos CM não é referência, o que já explica muita coisa.

7. Além disso, existe um sistema de valorização do bom aluno, que ostenta símbolos em seus uniformes que o destacam, servindo de exemplo para os demais e quebrando aquela cultura nefasta de se exaltar o mal aluno. Ou seja, procura-se mostrar que o esforço gera resultados e que o mérito é algo positivo. Há uma seção de orientação educacional que procura auxiliar o aluno com dificuldades. Não é perfeito, pois muitos destes colégios estão no limite de suas capacidades, mas existe uma direção geral correta.

8. Se o pessoal acha que aluno de CM é cordeirinho, que fica comportado em sala e não tem iniciativa, estão muito enganados. São crianças como qualquer outra. Fazem bagunça, tentam ser rebeldes, exageram muitas vezes, mas são repreendidos quando se comportam mal, são ensinados a respeitar os professores, inclusive no tratamento pessoal. São questionadores também. Eles não são militares, apenas estudam em um colégio militar. Estão muito mais próximos do modelo ginasial das escolas brasileiras dos anos 60, com inspetor de turma, de corredor, culto ao símbolos nacionais, do que com um quartel. A ordem no colégio se manifesta principalmente pelo cumprimento do horário, presença em sala, coibição de cola, do que pela imagem que se faz de um monte de criança robotizada imóvel em forma. Isso não existe. Aluno do CM entra em forma, mas se mexe o tempo todo (e ainda bem!). Quem quiser ser militar vai ter bastante tempo para ficar imóvel durante a vida.

9. Independente do comportamento, é interessante que praticamente todo aluno tem um orgulho enorme de pertencer ao Colégio. O aluno pode ser um bagunceiro, reclamar de tudo, mas tente falar mal do Colégio para ele. Vai defendê-lo com unhas e dentes. Para isso creio que contribui muito o ambiente limpo, bem cuidado, sem pichações e a arquitetura em geral tradicional, com formas esteticamente bonitas. Visitem os Colégios Militares mais antigos e terão uma boa surpresa.

10. Enfim, não pensem que um colégio militar é um ambiente repressivo ao aluno, que existe castigo físico e etc. Não tem nada disso. Só que tem organização, disciplina, ordem, planejamento e bom disposição de realmente funcionar como escola e não como laboratório de experiências esdrúxulas e fábrica de formação de idiotas úteis.

4 pensamentos sobre “Colégio Militar: desfazendo mitos

  1. Senhor Marcos,
    o senhor diz não confiar na matéria do Estadão que não apresentou cálculos que justificassem os números apresentados na reportagem. Mas também o senhor não apresenta nenhum cálculo que possa desacreditar a reportagem. Nem mesmo cálculos que possam nos servir de informação. Ao contrário do senhor, eu não vejo a matéria como uma espécie de desconstrução dos Colégios Militares. Mas, a matéria mostra que não é assim tão viável a promessa do Messias Bolsonaro. É apenas mais uma promessa demagógica. Os colégios militares, de um modo geral, são bons, têm bons professores e têm alunos mais disciplinados, não por causa de castigos ou coisa que os valha. Na maioria das vezes, a disciplina vem de casa, de pais acostumados com a disciplina militar, com a vida militar e que levam essa disciplina e educação para casa. Outra coisa vazia e equivocada na demagogia do Messias: ele promete um colégio militar, no mínimo, em cada Capital. Mas, o Colégio Militar, não sei se por estatuto ou essência, é para filhos de militares. Não vai resolver o grande problema da educação no Brasil.
    Um abraço.

    • Acho que há algum equívoco. Eu não sou jornalista e nem pretendo calcular quando custo um aluno de uma escola. Eu só notei que o número é jogado pelo Estadão sem uma fonte e manifestei minha descrença com o jornalismo em geral quando se trata de números. Sobre a promessa de Bolsonaro, nem entrei no mérito. O que quis fazer no artigo foi mostrar um pouco do que é um colégio militar e que muitas razões para seu sucesso passa longe de custar mais. Em educação penso que dinheiro não explica tudo.

  2. Parabéns pelo texto, apresentasse uma perspectiva que eu ainda não conhecia e admito que meus preconceitos com Colégios Militares eram injustificadamente maiores. Deixo os meus pontos sobre o assunto:

    1 – Pode ser que a maioria das famílias de militares não tem uma renda elevada, mas a maioria da população brasileira também não. O Brasil é pobre, e exige que nós reconheçamos nossos “privilégios”, mesmo sendo de classe média baixa. Funcionários públicos das três esferas têm renda média superior aos trabalhadores da iniciativa privada. Há famílias no Brasil que vivem com renda domiciliar inferior a um salário mínimo, bem como há municípios que sequer conseguem oferecer água tratada e esgoto para a população. Os Colégios Militares, por estarem localizados nas Capitais com rendas per capta e infraestrutura muito superiores à maioria das cidades brasileiras, naturalmente admitem alunos em maior vantagem que os municípios pobres.

    2 – Pelo menos dois terços do desempenho escolar de um aluno é influenciado por fatores alheios às escolas. Renda dos pais, formação acadêmica e emprego deles, influência de colegas e características individuais de cada aluno são alguns exemplos. Isso mostra que um monte de coisas banais (mas que as escolas não conseguem controlar) podem influenciar no desempenho dos alunos: se homens militares escolhem se casar, em média, com mulheres mais instruídas, isso já é uma vantagem. Se as mães das famílias militares tendem a passar mais tempo em casa com o filho durante a Primeira Infância, é outra vantagem; alimentação regrada e exercícios físicos melhoraram o uso de oxigênio pelo cérebro; etc.

    3 – CMs possuem processos seletivos, isso exclui os alunos que teriam baixo desempenho e concentra os mais preparados, o que consequentemente eleva o desempenho médio dessas escolas em exames como a Prova Brasil e o ENEM. Eles também podem expulsar alunos caso eles comecem a representar um “problema”. Aliás, a maioria das escolas com melhor desempenho no Brasil possuem alguma capacidade de manipular o perfil de seus alunos. As ETECs admitem alunos através de um processo seletivo extremamente rigoroso. Escolas privadas, por cobrarem mensalidades caras, concentram alunos de classes mais altas. Considerando que o ideal seria educação com excelência e equidade, é injusto usar esses modelos de escolas como parâmetro para a educação brasileira.

    4 – O Brasil participa de três em três anos no PISA, um exame aplicado para alunos de 15 anos em diversos países para comparar o aprendizado deles. Desempenho escolar está atrelado ao nível socioeconômico, então alunos de famílias ricas tendem a ter desempenho escolar superior (na média). Ao separarmos alunos por quintil de renda, os brasileiros com maior nível socioeconômico possuem um desempenho inferior aos alunos mais pobres da Coreia do Sul, e comparável aos alunos do quinto quintil de renda do ainda mais pobre Vietnã. Não existe comparação direta entre o desempenho dos alunos das CMs com alunos de outros países, mas considerando que a média dos Colégios Militares no INEP é 6,5 elas não são tão excelentes assim. A comparação entre alunos de CMs com a maioria das escolas públicas brasileiras não me parece uma demonstração de excelência, mas nivelar por baixo.

    5 – O exame do PISA cobra habilidades muito superiores àquelas ensinadas na maioria das escolas brasileiras. Enquanto no Brasil se dá muito enfoque na memorização, as escolas dos países desenvolvidos também enfocam capacidades de síntese, de reflexão, de compreensão, etc. O INEP e o ENEM cobram principalmente memorização de conceitos, não conheço nenhum parâmetro que demonstra como está a capacidade dos alunos de colégios militares nesses outros campos. Já escutei de um professor de Colégio Militar que elas são máquinas para treinar alunos para vestibular.

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