A Beleza Salvará o Mundo?

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Vivemos uma época de guerra cultural, de conflitos ideológicos entre visões de mundo contrastantes, todas pretendendo  representar a verdade e a bondade. Por isso é tão difícil discutir na atualidade; não há um terreno comum para que se busque convergências e se entenda a divergência. Tudo é uma guerra de conversão, seja de infiéis ou ignorantes.

Para Gregory Wolfe, essa guerra não será resolvida pelo poder da argumentação ou pela imposição da realidade. A única possibilidade de salvação desse conflito sem tréguas é através de uma dimensão que foi rebaixada à auxiliar destas forças em conflito, a dimensão da beleza. Por isso, Wolfe foi buscar na frase de Dostoievsky a insipração de sua tese: “a beleza salvará o mundo”.42962974

Wolfe parte de dois pontos de partida interessantes para desenvolver sua argumentação. O primeiro foi a teoria do padre jesuíta John O’Malley expressa no livro “Four Cultures of the West”. Há quatro grandes culturas em permanente iteração no ocidente: a cultura profética dos religiosos,  a cultura acadêmica/profissional dos intelectuais e cientistas, a cultura humanista de escritores e poetas, e a cultura artística de pintores, escultores, e etc. Essas culturas possuem pontos de contato e muitas vezes se completam; mas muitas vezes travam batalhas.

A segunda teoria apropriada por Wolfe é a dos três transcendentais da filosofia clássica, especialmente em Aristóteles. São três os bens supremos: o bom, o belo e a verdade. Mais que isso, são expressões de uma mesma realidade. Os três transcendentais orientam a vida humana. São bens em si mesmos, não são caminhos para obter outro bem.

Wolfe faz então a conexão das duas teorias: a cultura profética relaciona-se com o bom; a acadêmica/profissional com a verdade; a humanística e artística com o belo. Uma sociedade será harmônica à medida que estas três dimensões (e quatro culturas) também o sejam.

E o que vemos na modernidade? Ideólogos, à esquerda e à direita, que se colocam como profetas da bondade ou donos do conhecimento, relegando o belo a uma função auxiliar nas guerras culturais que promovem. Trata-se de um rebaixamento da arte.

Apesar de sua origem conservadora, Wolfe se afastou do movimento conservador norte-americano por entender que este se desconectou com a realidade ao declarar que qualquer arte ou literatura contemporânea é inferior e desprezível. Eles se fecharam ao belo e transformaram a cultura em um museu, esquecendo que a posição conservadora é de uma cultura viva, sempre se renovando.

Wolfe dedica-se a entender o humanismo e a arte a partir de sua relação com as religiões tradicionais, particularmente a cristã, retomando o entendimento do humanismo cristão. Ele não faz apologia de autores e obras que se limitam a fazer pregação, repetindo o erro da ideologia. A arte deve ser uma expressão da condição humana, relacionando-se como o bom e a verdade, mas mostrando o homem em sua realidade. Um humanista cristão mostrará os paradoxos e as dúvidas existenciais de uma realidade que o homem não compreende totalmente mas é convidado a aceitar.

A partir dessas idéias, Wolfe apresenta pequenos ensaios sobre escritores, poetas e artistas que expressam essas ligações entre os três transcendentais e as culturas correspondentes. Ele apresenta uma alternativa para as engessadas fórmulas de crítica, a maioria oriunda das universidades, que dominam a cultura a ponto de sufocá-la. Entender a arte como expressão do belo, mas conectada ao bom e à verdade é a chave para contemplar a beleza e seu papel fundamental para o desenvolvimento da imaginação, uma faculdade do espírito essencial para compreender a realidade. Como ressalta Wolfe:

Padre O’Malley me ajudou a ver porque me tornei um defensor da beleza como um agente necessário para tornar os apelos da verdade e bondade significativos.

Para concluir, vale a pena reproduzir um trecho de um poema de Milosz, que Wolfe usa para terminar seu preciso livro:

E quando as pessoas deixarem de acreditar que há bem e mal,

Somente o belo os chamará e salvará,

Para que ainda saibam como dizer: isto é verdadeiro e aquilo não.

Czeslaw Milosz

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