Anti-americanismo e o verdadeiro problema do mundo contemporâneo

Um dos assuntos que me despertam o interesse é o anti-americanismo, principalmente aqui no Brasil. Reinaldo Azevedo costuma dizer os americanos são mais odiados em São Paulo do que Bagdá. De certa forma é por aí.

Na verdade se confunde muita coisa, é muito lugar-comum e desinformação. Palavras de ordem substituem o pensamento; pouco se reflete apenas seguem-se correntes. Costumam personalizar tudo que é ruim, ou considerado ruim, nos norte-americanos. Será?

A primeira coisa que associam é com o capitalismo selvagem. Como se eles o tivessem criado e exportado pelo globo. Não é verdade, o capitalismo foi criação européia, assim como sua forma mais perversa, onde se passou do mercantilismo para a capitalismo através da industrialização. O momento em que pode-se dizer que o capitalismo foi realmente selvagem foi na industrialização européia, particularmente na inglesa. Foi este capitalismo que foi criticado por gente como Dickens e o próprio Marx, embora este não tenha sido capaz de visualizar que o sistema poderia evoluir e eliminar muitos de seus males.

Ortega Y Gasset afirmava ainda na década de 20 que os Estados Unidos não traziam nada de novo; sua cultura é essencialmente européia. Foi construído pelo que transbordou da Europa.

Outra associação é com o consumismo. Também não foi criado lá e imposto pelo mundo, mais uma vez é uma criação européia. Foi fruto do extraordinário avanço da ciência no século XIX e com a técnica que cresceu junto com a revolução industrial. A Europa foi o berço do extraordinário aumento das possibilidades do homem, também descritas por Gasset. Antes dos Estados Unidos alcançarem a posição hegemônica que teria a partir da guerra fria, o pensador espanhol já denunciava o consumismo europeu. O DNA do “Americam Way of Life” é europeu, e não o contrário.

A  maior criação americana foi a filosofia do pragmatismo e sua moral utilitarista. Isso os afastou de buscar as verdades absolutas e da tradição clássica de Aristóteles e Platão. Depois de 100 anos seguindo uma teoria que coloca o interesse apenas no que é útil não é surpresa descobrir que o americano tornou-se um ser vazio, sem valores que seja capaz de defender. E aí está o verdadeiro problema do mundo atual. Os próprios europeus seguiram o exemplo e se afastaram de sua própria tradição baseada no tripé formado pela filosofia grega, direito romano e na tradição judaico-cristã.

Não é o capitalismo ou o consumismo em si que resultam no quadro atual, é a perda dos valores morais mais elevados que levam ao consumismo e a procura do enriquecimento ilícito e imoral. O capitalismo é um sistema em que vigora a liberdade das pessoas que realizam transações comerciais de qualquer espécie. Não é o capitalismo que está doente e precisa ser reformado, são as pessoas! Sócrates, Platão, Aristóteles, Jesus, Gandhi, todos esses alertaram sobre o mesmo ponto: é preciso reformar-se intimamente.

Muitos defendem que isso é impossível, uma utopia. Pois digo o contrário, impossível é tentar tornar o mundo mais justo sem que as pessoas mudem. Isso não se dá por leis ou pela força cada vez maior do estado, mas pelo convencimento, pela educação, pela reflexão.

O problema do mundo não são os americanos, chineses, ou seja lá o que for. O problema são as pessoas, estas precisam ser reformadas, mas por si mesmas, intimamente. Já tentaram várias vezes fazer esta reforma por coação e o resultado foram verdadeiras catástofres sociais. É trabalho para gerações, mas primeiro devemos nos afastar dos falsos profetas, aqueles que dizem ter as soluções para tornar o mundo mais justo.

A solução está em cada um de nós.

3 pensamentos sobre “Anti-americanismo e o verdadeiro problema do mundo contemporâneo

  1. Bom, o capitalismo pode ter sido inventado na Europa, mas os americanos o aperfeiçoaram 🙂 O consumismo americano não se compara ao europeu; está anos-luz à frente. Ortega y Gasset escreveu na década de 20; o continente mudou muito depois da segunda guerra. As pessoas tiveram que se unir para reconstruir a Europa depois da guerra e cuidar de sua gente, tornando o continente bem mais socialista do que a américa do norte.

  2. Não nego que o consumismo americano pode ter sido aperfeiçoado do europeu; já achar que está anos-luz na frente acho um exagero. O consumismo estará em todo aquele que não possuir valores que o oriente para um caminho correto. Aristóteles já dizia: a virtude está no justo meio. O consumismo está justamente no exagero do gasto com o supérfluo, na falta de uma medida para as coisas. Isso não é privilégio dos norte-americanos, é universal. Podem até ser mais consumistas que os outros na média, mas por ter abraçado com mais vigor o pragmatismo e se afastado da tradição que sustenta toda a civilização ocidental. Há uma tendência de se colocar nos Estados Unidos a culpa por tudo que acontece de errado no mundo, acho simplista demais. Todos os povos possuem suas próprias culpas por seus infortúnios.

    Quanto ao Ortega Y Gasset muito cuidado. Escreveu seu livro sim na década de 20, mas é de uma atualidade impressionante. A todo momento tinha que me lembrar de quando foi escrito pois a sua descrição da sociedade da sua época caía como uma luva para a atual, sendo esta um exagero do que já estava se vendo. Mostra que Ortega captou mais do que o retrato de sua época, captou uma tendência que observava e que infelizmente se confirmou.

  3. Reconstruir com o dinheiro Americano e sob a proteção daquele país, diga-se.

    Mas o Europeu não “consome menos” por apego a princípios socialistas, e sim porque, graças ao socialismo, isto é, à carga tributária, resta ao povo menos dinheiro e liberdade para o tal “consumo”, independente do grau de socialismo e aderência ao mesmo de cada indivíduo.

    Você resumiu bem as questões. Espero poder exercer tal capacidade de síntese eu mesmo.

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