O triunfo da vulgaridade

Um dos problemas do mundo contemporâneo é a perda da noção da própria limitação. É comum encontrarmos com pessoas que bradam a todo tempo sua felicidade e a vida completa que levam. Logo soltam a pérola “não tenho nada que me queixar”. “Então, é uma você é uma pessoa perfeita?” “Claro que não, mas não existem pessoas perfeitas…”.

E ficamos assim, não existem pessoas perfeitas, logo o ponto em que eu cheguei está bom demais.

Ortega Y Gasset já alertava em A Rebelião das Massas:

A característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte.

É fácil de constatar, basta ver a quantidade cada vez menor de pessoas que lêem qualquer coisa que não sejam de seu interesse profissional ou emocional. Livros de auto-ajuda estão sempre liderando as vendas. Mas livro universais, que nos ligam a nossa tradição, que nos abrem as portas da cultura… ah, estes são colocados de lado. São considerados difíceis de ler e pouco práticos. Melhor ainda se já existir o filme…

Um brasileiro colocado no “limbo” pelo mercado editorial brasileiro por ir contra a corrente ideológica que tomou conta a cultura brasileira (ler O Imbecil Coletivo, Olavo de Carvalho) foi Gustavo Corção. Eu nunca tinha ouvido falar nele. Também pudera, pensador conservador e católico praticante, sem chance de ter algum destaque em um país que não admite que o pensamento esquerdista tenha um confronto de idéias. Pois Corção escreveu um artigo em 1970 tratando do assunto.

Retratava um momento de sua juventude quando tentava explicar matemática para um garoto um pouco mais jovem do que ele. O menino fazia um esforço visível para aprender e pedia para explicar devagar porque ela burro. Um gênio! Pois hoje em dia este mesmo menino exibiria sua dificuldade como uma virtude. Vejam este trecho:

“Era efetivamente genial aquele moço de antigamente. Não segui sua trajetória e não sei se ele hoje amadureceu e desabrochou aquele botão de sabedoria em flor, ou se virou idiota e portanto intelectual. O que pude garantir ao meu amigo não-católico é que antigamente a atitude média dos idiotas era tímida, modesta e respeitosa. E isto que se observava nas ruas, nas aulas particulares, nos salões de bilhar e nos clubes de xadrez, observava-se também na Igreja. De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes. Já ouvi e li muitas vezes o termo “mutação” surrupiado das prateleiras da genética e aplicado à história, à Igreja, ao dogma e aos costumes. Dois ou três bispos franceses não sabem falar dez minutos sem usar o termo “um mundo em mutação”.

A modernização da comunicação ajudou neste processo. Cada vez mais as notícias são cada vez mais concisas e rápidas. É o fast-food da informação. Não é surpresa que a educação esteja em grau tão baixo no Brasil; a verdade é que muito pouca gente a considera importante.

Um amigo foi a uma formatura de direito (de direito!) no Rio de Janeiro na semana que passou. Havia uma faixa que dizia “Graças a cola estamos aqui!”. Não era a única, haviam outras parecidas. Não são atitudes isoladas, basta prestar atenção. A cada esquina existe um manifesto contra o saber, uma afirmação do direito à vulgaridade.

Sim, a vulgaridade é muito mais ampla do que uma simples questão de etiqueta ou de gosto. A vulgaridade está na própria expressão cultural, na rejeição do crescimento intelectual.

Uma das razões do desmoronamento da estrutura social que vemos todos os dias é o triunfo da vulgaridade, o não reconhecimento da própria limitação. O homem moderno não vê o sábio com admiração, mas com a vontade de diminuí-lo, de mostrar que no fundo é tão ignorante quanto ele e assim mostrar que a busca da sabedoria é uma inutilidade completa.

Quando Sócrates afirmava que “só sei que nada sei” não era um convite à ignorância, mas exatamente o contrário. Era o reconhecimento que deveria constantemente buscar a sabedoria e se reformar internamente. Jesus trouxe a mesma mensagem ao afirmar que a verdade estava em nós mesmos.

Esta busca exige trabalho e dedicação. Exige mais ainda, exige combater a vulgaridade que ameaça aflorar de nossos corações a cada momento. É o homem especial de Gasset, aquele que muito exige de si mesmo e que sabe reconhece instâncias superiores à nossa própria existência.

Um pensamento sobre “O triunfo da vulgaridade

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