O resultado da superterça está noticiado na imprensa. Do lado republicando, está quase definido o nome de John McCain para tentar suceder Bush. No lado democrata, Hilary e Obama estão em disputa acirrada, ainda sem definição, mas com liderança da sra Clinton.
Interessante esta pré-disputa pela indicação dos partidos. Nada lembra a brasileira. Só para ficar em 2006, um jantar envolvendo três eleitores decidiu pelo candidato do PSDB à presidência. A situação era tal que uma disputa aberta, como a americana, causaria um racha no partido. Não é privilégio dos tucanos. No PT só em 2002 teve uma prévia, mesmo assim de mentirinha, envolvendo Suplicy e Lula. A do PMDB nem se conta, acaba sempre em cadeiradas e disputa na justiça.
Voltando mais ao norte, na época em que não prestava muita atenção à política, eufemismo para alienado, tinha uma simpatia pelos democratas. Por que? Porque a mídia sempre retratou o partido com mais simpatia do que o partido republicano. Hoje já vejo o porquê. Cheguei até mesmo a torcer para o bestalhão, e agora esperto, Al Goore. Nas últimas cravei democrata novamente, felizmente perdi. Por pior que Bush tenha sido, e não foi tão ruim quanto a imprensa o vende, pior seria um democrata que inventava estórias para se vender como ex-prisioneiro de guerra.
Por que fico com os republicanos? É uma questão que vai além de nomes, chego aos princípios. Ortega Y Gasset cita em sua obra magistral, A Rebelião das Massas, o seguinte pensamento de Dupont-White: “A continuidade é um direito do homem; ela é uma homenagem a tudo que o distingue do animal.” O francês queria dizer que o rompimento completo com a tradição era um negócio muito perigoso, que não podia se dissociar de alguns séculos de evolução no pensamento humano, enfim da tradição com que o ocidente se formou.
A humanidade não é perfeita, longo disso, mas é inegável que evoluiu muito dos tempos das cavernas para cá. Essa estória de bom selvagem do Rosseau não me convence, não é a sociedade que perverte o homem, mas seus próprios atos. Sócrates e Cristo deixaram bem claro: a verdade está em cada um de nós.
Portanto desconfio sempre do Estado organizado, o Leviatã de Thomas Morrus. Não creio em uma superioridade moral do estado sobre os indivíduos, ainda acho o liberalismo a mais natural das políticas. Baseia-se na liberdade de troca das pessoas envolvidas; não acho que o estado se envolvendo como ator nesta troca faça o mundo melhor do que é.
Hoje o politicamente correto surge como uma força que sobrepõe à consciência individual. Não basta que eu aja dentro de determindas regras da sociedade, querem meu pensamento também. Cada vez sobra menos espaço para a liberdade de ser, cada vez o estado é mais presente e ameaçador.
Este é o lado do partido democrata, o fortalecimento do estado e sua presença cada vez maior em toda a sociedade. O mundo é injusto, cabe aos políticos, através do estado, corrigi-lo. Pois acho que a tradição, os valores que servem de esteio para o mundo ocidental, não podem ser abandonados como estão sendo. A destruição da família, a cada vez maior fragilidade de seus laços, nada disso torna a humanidade melhor.
Os republicanos ainda falam destes valores. Posso discordar de algumas posições, com a pena de morte, mas reconheço a importância de que se defenda valores. Não vejo isso nos democratas, pelo contrário, vejo a constante deterioração e desprezo por estes valores, a busca de um futuro ignorando a herança do passado. Um futuro em que não me reconheço, onde a sociedade disciplina o cidadão, e não sua própria consciência.
Nenhum dos dois partidos estão livres dos demagogos, dos aproveitadores, dos incopetentes. Ao contrário do Brasil, os políticos não são absolutos em relação aos partidos e estes partidos possuem seus ideais. Pois fico com os valores e não ao novo mundo possível. Ainda acho que o problema da humanidade está em cada um e não em uma sociedade a ser reformada.
Eu não acho que o Estado organizado seja necessariamente um monstro. Infelizmente o Estado que vc conhece é realmente um monstro que não desempenha seu papel. Eu acredito que o Estado deve se manter de fora da economia mas acho que tem que garantir o bem-estar social (welfare) e saúde de qualidade para sua população. E nada disso vai de encontro a valores tradicionais como a defesa da família que eu vejo mais ameaçada por uma política puramente liberal onde pelo Estado não interferir em nada, vc acaba tendo a situação de a mulher não ter licensa maternidade ou a família perder tudo o que construiu ao longo dos anos para pagar pela enfermidade de um dos membros da família já que o seguro de saúde privado que ele tinha foi cancelado por alguma tecnicalidade pq a empresa seguradora não queria pagar o tratamento. Eu acho que existem dois extremos o capitalismo/liberalismo e o comunismo/socialismo. Ambos são igualmente nocivos e criam sociedades inerentemente injustas. Eu acredito em um meio termo onde todos temos as mesmas oportunidades, somos valorizados como individuos mas ao mesmo tempo temos consciencia que contribuímos para o bem-estar comum. Onde a economia é livre mas o Estado vela pelo bem-estar da população. Vivi em dois países com esse sistema (Canada e Espanha) e posso garantir que há mais coisas boas do que ruins. Eu acredito no welfare state, que não é a mesma coisa que o ‘state run economy’….
Infelizmente ainda não conheci um republicano com quem eu concordasse. A Hilary ganhou muitos pontos comigo quando defendeu a criação de um seguro de saúde universal para toda a população, isso ainda no governo de seu marido. Infelizmente a coisa foi totalmente dinamitada pelo lobby the industria privada americana que explorou o horror americano a qualquer coisa que tenha um leve odor a socialismo…
Essa é uma discussão bem interessante, com bom disposição acho que nós dois podemos crescer com ela. Aristóteles dizia que para debater qualquer assunto, ambos os debatedores deveriam estar prontos a abandonar qualquer de suas idéias se a lógica o convencesse que um argumento de seu oponente era melhor do que eu seu, ou seja, que estavam em busca de verdades, e não de vencer uma discussão. É nesse espírito, de não ser dono da verdade, que coloco minha opinião. Não sou dono da verdade, para ser sincero estou tateando bastante neste assunto, conto com você para me colocar um pouco mais de luz no caminho. Esta é a dialética na visão do grande filósofo.
Vamos ao problema ideológico. Você colocou o liberalismo e o socialismo entre dois polos opostos, como dois males, um por excesso e outro por escassez. Na visão clássica do estagirita seria aplicável sua máxima: “a virtude está no justo meio”, o que leva ao seu pensamento de social democracia, como um meio termo entre as duas. Foi isso? Pode me corrigir, estou realmente querendo entender melhor este assunto.
Mas aí que tenho uma dúvida: seria o liberalismo realmente uma antítese do socialismo, seriam termos intercambiáveis? Veja bem, o liberalismo não é uma ideologia, ao contrário do socialismo. Em outras palavras, o liberalismo nunca pretendeu construir uma sociedade perfeita. Como doutrina, surgiu com Adam Smith. Este, quando escreveu Riqueza das Nações, comparou uns países com os outros e procurou identificar, na economia, os traços em comum entre os mais ricos, tentando extrair recomendações para o enriquecimento de uma nação.
Quem discutiu bem este assunto foi o filósofo Jean François Revel, no livro A Grande Parada. Segundo ele “o liberalismo não é o socialismo ao contrário, não é um totalitarismo ideológico regido por leis idênticas àquela que o critica”. Em nenhum momento ele afirma que o capitalismo traz igualdade, mas que de tudo que se viu até hoje, é o melhor caminho.
Portanto, sempre será fácil achar falhas no liberalismo econômico, a grande questão é: as injustiças que ocorrem são por causa do liberalismo ou por distorções no próprio sistema? Veja que quando empresas se juntam para fazer um monopólio e praticar preços irreais, estão indo contra um dos princípios capitalistas, o livre comércio. Não é o capitalismo que provoca um monopólio, mas sim sua falta.
Acrescento também outra questão, esta fruto da experiência. Até onde uma injustiça é realmente injustiça? Muitas vezes, ao nos aproximarmos de uma questão, percebemos que não é realmente assim. Um exemplo: ano passado, quando dava aula para concurso público, tive um aluno que era bancário. Tinha mais de 10 anos no Banerj. Com a privatização do banco, perdeu o emprego. Tem uma família, filhos. Um rápido olhar mostra um drama humano, uma pessoa que ao sair da tutela do estado ficou desamparado.
Pois ao longo das aulas percebi que ele possuía grande dificuldade com números, mesmo uma regra de três era um grande sacrifício. Sempre me dizia que estava destreinado, que desde que passara no concurso do banco não estudava, que agora tinha que reaprender a matemática.
Como pode uma pessoa trabalhar 10 anos em um banco e ser incapaz de fazer uma regra de três? Ser um profissional que não possui o menor interesse em se aprimorar? Não foi o capitalismo que o demitiu, mas sua própria incapacidade fruto dos anos como funcionário público aguardando ansioso pela aposentadoria.
Este é só um exemplo, mas bem emblemático. Como pode o estado ser mais eficiente do que a iniciativa privada? Isto não é só no Brasil, a França já é o país europeu que menos cresce na Europa. Já se sabe que no ritmo que ia as contas públicas explodiria um dia. Por isso elegeram Sarkosky, por isso apoiam sua reforma. O mesmo aconteceu no fim da década de 70 com Margaret Thachter.
O capitalismo não é incompatível com a proteção social, aliás os grandes avanços em termos de legislação neste sentido foram nas maiores nações liberais, os EUA e a Inglaterra.
Você me deu mais um motivo para não apoiar Hilary. criação de um seguro universal de saúde para toda a população nos EUA? Quanto custaria? Com que qualidade? Quem pagaria a conta? Concordo que seria maravilhoso a saúde universal fornecida pelo estado com qualidade, mas é possível? O estado não produz dinheiro, retira da população por meio de impostos. Será que o estado, por melhor que seja, é melhor para gerir recursos do que a própria sociedade? Tenho minhas sérias dúvidas.
Ah… parece que o Michael Moore fez um filme agora sobre o sistema de saúde nos Estados Unidos comparando-o com a Inglaterra. Claro que o primeiro não presta e o segundo é mostrado como a perfeição na terra. Sabe quem reclamou do filme? Os profissionais da rede pública inglesa. Segundo eles a situação lá está deteriorando a cada dia, o estado não é mais capaz de manter o serviço, muito menos garantir qualidade. Reclamam que o filme atrapalha a própria luta deles para salvar o sistema.
Sabe o que lembro ao pensar nos Clinton? Lembro do protocolo de Kyoto. Ele assinou no último mês de seu mandato, apesar de ter ficado alguns anos estudando-o. Só assinou porque sabia que não havia a menor chance do acordo passar no Congresso. Fez seu nome e deixou a bomba para o seu sucessor. Foi o congresso americano, com votos democratas e republicanos, que vetaram o acordo. A conta é colocada no colo de George Bush. Pode até se argumentar, mas a maioria dos votos foram dos republicanos! Sim, mas aí que vejo toda a falsidade dos democratas. Eles poderiam ter liderado a aprovação do acordo, não o fizeram. Garantiram os votos para rejeitá-lo, mas tendo o cuidado de manter bastante voto no outro lado e fazer demagogia barata. Se você nunca viu um republicano que concordasse, eu talvez nunca tenha visto um democrata que confiasse. Já os republicanos tem a estranha mania de fazer exatamente aquilo que falam, mesmo que seja impopular.
Não minha cara, cada vez me convenço menos do welfare state, por um princípio básico: não acho o estado melhor do que as pessoas, aliás acho o contrário. Não defendo que o estado deva abandonar a saúde e educação, não chego nem perto deste ponto, mas deve provê-lo para efetivamente que precisa e não para quem quer. Por isso questiono o universal.
Depois respondo os outros pontos mas queria comentar a parte em que vc diz: “criação de um seguro universal de saúde para toda a população nos EUA? Quanto custaria? Com que qualidade? Quem pagaria a conta? Concordo que seria maravilhoso a saúde universal fornecida pelo estado com qualidade, mas é possível? O estado não produz dinheiro, retira da população por meio de impostos. Será que o estado, por melhor que seja, é melhor para gerir recursos do que a própria sociedade? Tenho minhas sérias dúvidas.”
Sim, é possível. Todos pagamos por isso. Se 30 milhoes de canadenses podem fazê-lo, pq não os mais de 200 milhoes de americanos? No Canadá não existe sistema de saúde privado. O sistema é de qualidade e todos os cidadãos têm acesso ao mesmo tratamento. Isso não quer dizer que há desperdício. Muito pelo contrário. Como os recursos têm que ser optimizados, os médicos não deixam pessoas como a mãe, por exemplo, pedir exames caros e desnecessários. O paciente também não pode ir a um especialista sem antes passar por seu clínico geral que o encaminhará ao profissional indicado. Isso evita que pessoas que tenham simplesmente problemas com gases marquem consultas com cardiologistas que poderia estar tratando alguem com um problema de coração.
O sistema é apreciado não só pelos usuários do sistema, mas também pelos próprios médicos que não têm que recusar tratamento por causa de dinheiro e podem se concentrar no paciente e seus problemas de saúde.
Quando ao serviço público, ele pode ser de qualidade também. Basta que o Estado aplique as mesmas normas administrativas usadas na iniciativa privada na hora de contratação e na avaliação de seus funcionários. Aqui não existe concurso. Para se habilitar a um cargo público a pessoa tem que mandar seu CV e provar que é a pessoa mais capacitada para exercer a função. Tenho alguns amigos que trabalham pro governo e eles têm que se manter sempre em dia, fazendo cursos de reciclagem, etc. E se não desempenham sua função, podem sim ser mandados embora.
A diferença aqui é que o Estado paga o mesmo que a iniciativa privada. Ou seja, não é uma “boca boa” ser funcionário público. Quem quer ser funcionário público é pq quer realmente ser funcionário público. A maioria prefere trabalhar no meio privado. Uma diferença aqui é que as pessoas monitoram os gastos do estado pois têm uma consciencia clara de onde vem o dinheiro. Uma amiga minha em Montreal ligou pra prefeitura pra reclamar que via sempre o caminhão de recolher neve andando pra baixo e pra cima quando não tinha nenhuma neve pra recolher. Ela achava um desperdício de combústivel. A prefeitura teve que explicar o que exatamente o caminhão estava fazendo na rua quando não tinha neve…
E o fato de ser um welfare state não quer dizer necessariamente que o Estado seja inflado. Muitos dos serviços oferecidos pelo welfare state são de certa forma “terceirizados” para a iniciativa privada e orgaos não-governamentais…
Outra coisa, o problema em limitar os serviços sociais pra quem precisa é que isso leva à depreciação do sistema. Explico: eu também não acho que o Estado é moralmente melhor do que qualquer indivíduo, longe disso. Eu acho que os sistema público de saúde funciona pq todo mundo só tem essa opção o que faz com que a parte da população que é educada, os formadores de opinião, a classe média, etc, fique de olho no sistema e exija uma atitude do Estado se a qualidade diminue. Pois se há um problema, ele afeta a todos. Quando existe dois sistemas, um público e um privado, as pessoas que podem simplesmente se mudam pro privado e só quem fica no público é quem não tem opção mesmo. E se o sistema não é o que deveria ser, a voz dos pobres que utilizam o serviço não é tão estridente nem tem tanto peso politico…
Segue um artigo de um médico canadense sobre o sistema de saúde:
http://www.thestar.com/comment/article/169042
Olha, sempre desconfio de sistemas perfeitos, isso é algo raro, se é que existe, na humanidade. Lembro que quando assisti o filme Invasões Bárbaras, canadense, o hospital retratato lá parecia com o SUS brasileiro. Outro dia o Reinaldo Azevedo lembrou do mesmo fato, tratava do deslumbramento do ministro da saúde brasileiro com o filme do Michael Moore. O sonho dele é o sistema inglês implantado no Brasil. Veja o que disse Azevedo:
“Mas medicina socialista é sempre assim: fila e espera, não tem jeito. Quem duvida que assista ao filme canadense As Invasões Bárbaras, em que, em todos os hospitais, os pacientes ficam internados em macas, nos corredores, como na Baixada Fluminense. Fiquei tão perplexo com o que vi que achei que fosse ficção. Liguei para amigos que moram lá, e eles me disseram que, sim, aquilo era verdade: todo o serviço médico é estatal, e paciente em maca no corredor é coisa comum. Isso no Canadá. Na campanha eleitoral da Irlanda, em 2006, um candidato, em outdoors, prometia: “Vou acabar com pacientes internados nos corredores, deitados em macas”! Lá, também a medicina é socialista. Não tem jeito. Esse é o ônus.”
No mesmo post, tem a transcrição de um artido do Sunday Times comentando o filme de Moore e o sistema inglês, se quiser pode ler aqui(http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2008/02/temporo-precisa-comear-ver-filme-para.html)
Quer dizer que um cidadão não tem a opção de procurar uma alternativa ao estado? Isso eu não sabia, e é uma idéia que me amedronta porque me atinge como individuo. Por que não posso escolher a forma de tratar minha saúde? Por que não posso ter uma opção? Sempre que o individuo perde uma opção e fica refém de um único caminho acho que fica diminuído. A vida é baseado do livre arbítrio, não reconheço autoridade no estado, e muito menos em uma maioria, de tolher a opção da minoria. Isso para mim vai contra a própria noção de democracia.
Sobre a aplicabilidade do sistema universal estatal nos Estados Unidos ainda fico com minhas dúvidas. Você mesmo disse, são 200 milhões de habitantes. É bem mais fácil aplicar um sistema semelhante em um país imensamente rico, com 30 milhões, do que em outro com 200. Volto a um ponto, por mais eficiente que seja um estado, ele não possui a mesma capacidade da iniciativa privada em produzir riquezas. Me parece que uma hora este sistema estatal entra em estagnação, como acontece agora na França, e ao que parece começa a aparecer também na Inglaterra.
Posso dizer que só conheço o sistema brasileiro, e acho que colocar toda a população sob proteção do estado só causaria o caos. Vale dizer, mesmo nos sistemas públicos, existem diferenças no tratamento do paciente. Isso fica patente, por exemplo, nos hospitais militares. No Brasil haveria, como há, duas classes de pacientes, os públicos Silva e os públicos com dinheiro. Estes sempre teriam prioridade.
Cuidado com a fé que coloca no estado, por melhor que possa parecer, ainda o acho um mal necessário. Acho que deveria ter como principal foco a segurança em todas as suas formas: jurídica, militar, pública. Garantir a lei do país, não transformar a sociedade e resolver os problemas. Esse eu acho que um problema intransferível da própria humanidade.
O lance das filas de espera é relativo. O que existe é uma falta de educação em relação a como usar o sistema de forma eficiente. Aqui existem hospitais, óbvio, e clínicas chamadas drop-in clinic onde vc pode aparecer sem hora marcada e clínicas normais, onde vc marca hora com seu medico. Segundo o Alan, a emergência do hospital deve ser reservada para emergências de verdade, do tipo que precisa de uma ambulância pra chegar lá. Ou seja, acidentes de transito, ataque do coração, derrame, etc.. Para qualquer outra coisa mais leve como dor de cabeça, torção, gripe, etc, as pessoas devem ir à clínica. Eu nunca tive que esperar mais do que meia hora pra ser atendida aqui. E eu cheguei a quebrar o pé. O problema é que tem muita gente com probleminhas menores que baixam na emergencia do hospital. Bom, esses vão ter que esperar mesmo. Mas não chega a ser como nas cenas do Invasões Barbaras, que foi bem exagerado, assim como o filme do Michael Moore exagera a perfeição dos sistemas no Canada, França e Cuba.
Tenho amigos que tiveram problemas sérios de saúde na família. O pai de uma amiga sofria de diabete e insuficiencia renal e tinha que fazer diálise varias vezes por semana. Fez transplante de rins e depois teve câncer no pulmão. Ele nunca teve que esperar por qualquer tipo de tratamento, visto que os problemas dele eram tão sérios e sempre teve um time de médicos dedicados.
O mesmo aconteceu com outra amiga cujo filho de 10 anos foi diagnosticado com leucemia e teve que morar no hospital durante meses.
O sistema não é perfeito pois, como tudo aqui no Canada, falta mão de obra. Os profissionais da área de saúde estão em alta demanda. São poucas as universidades e a associação dos médicos limita o número de estudantes que podem ser aceitos pelas universidades de medicina. O governo tem tentado negociar para que esse numero aumente e para que programas sejam criados para reconhecer diplomas de medicos estrangeiros de forma mais justa para que possamos atrair médicos de outros países tambem. Atualmente é super difícil para um imigrante da area de saude se regularizar; ele praticamente tem que refazer o curso…
Não é que eu coloque fé no Estado. O problema é que a iniciativa privada é dominada pelos MBAs, que só pensam no “bottom line”, no lucro, e não hesitariam em cortar programas que beneficiam a população ou recusar um tratamento médico pq não gera lucro. E tudo tem um valor monetário. Vc fala de liberdade de escolher o tratamento médico. Pois eu acho que eu tenho mais liberdade aqui pois eu posso ir no médico que for, para fazer o tratamento que seja necessário. Se o sistema é privado, sua escolha é limitada pela sua situação financeira e pelo tipo de seguro que vc tem. Eu não acredito em um sistema onde vc tem que ser rico para realmente ter uma escolha…
Você tem pontos muito bons, mas questiono sua teoria de que é necessário colocar as pessoas mais esclarescidas, mesmo contra a vontade, em um sistema universal de saúde para que este funcione.
O principal motivo da minha dúvida é que não acho que seja este o seguimento da sociedade capaz de influenciar mais as políticas públicas. Pelo contrário, acho que é a massa mais pobre a que mais preciona qualquer governo, é a ditadura das massas narrada por Gassett na década de 30.
E este fenômeno é mais forte ainda nos países mais desenvolvidos, onde a capacidade de verdadeira mobilização, fruto da cidadania avançada, é bem maior do que nos países do terceiro mundo. Se o sistema de saúde americano fosse tão ruim assim a pressão popular seria insuportável. Lembre-se que esta mesma pressão foi capaz de transformar uma vitória militar (Vietnã) e uma grande derrota, vencendo todo o establishment da época.
Outra coisa é a visão de lucro. Não acho que seja um mal. Na maioria das vezes é o que impulsiona a humanidade para a frente. Você está partindo do princípio que todo empresário é um perverso que atropela a tudo em busca de uma maior margem de lucro. Já é um estereótipo retratar qualquer grande empresário como um bandido, o que acho uma simplificação muito perigosa.
A busca do lucro gera riquezas, e gera empregos. Quanto mais competitivo for o mercado, menores os preços e melhores os salários, pois é uma necessidade para sobrevivência da própria empresa ter um produto competitivo, com qualidade; para tal precisa de recursos humanos competentes.
O problema é quando esta competição não existe, quando se forma o monopólio. Aí estaria, ao meu ver, o principal papel do estado em termos econômicos, garantir a existência de um livre mercado competitivo. Se os planos de saúde estão caros, acima de um valor razoável, cabe ao estado tomar medidas para garantir a competição, seja facilitando o acesso de empresas estrangeiras, seja facilitando o surgimento de novas empresas nacionais. A competição levará, inevitavelmente, a uma disputa por qualidade no serviço, principalmente quando a margem para redução dos custos for mínima.
Sua afirmação de que só os ricos recebem bom serviços é um exagero ao meu ver. Vivo num país onde consigo pagar um plano de saúde decente para minha família, e não sou rico. Não sou o único, conheço uma penca de pessoas com salários abaixo do meu que estão no mesmo plano.
Ah… aqui no Brasil nós temos um exemplo de um plano de saúde universal, pelo menos em termos. É o FUSEX. Todo militar é obrigado a tê-lo, e apesar de parecer, não é barato. Até porque não é cobertura total, qualquer tratamento pagamos 25% do valor. Do soldado ao General, todos fazermos parte dele. O resultado? Sorte. Se der sorte terá um bom médico e um tratamento decente, se não, azar o seu. Já fui na emergência da policlínica da Praia Vermelha com a Lorena no colo e o médico me recomendou… procurar um médico, de preferência de um plano de saúde particular.
Foi o que fiz. Fui para um excelente hospital na Lagoa, tive o atendimento de emergência na hora e com qualidade. No FUSEX foram capazes de errar o tipo sanguíneo da Eliene.
Um último ponto, não acredito que uma situação financeira melhor ou pior seja um presente que cai dos céus, ainda mais em um país como o Canadá. Tem muito de dedicação e merecimento envolvido nessa equação.
E nisso vejo uma questão igualmente importante. Não acho possível um tratamento de igual qualidade para toda a população de um país, acho isso uma utopia. Haverá sempre uma diferença, o problema é qual o critério para esta diferença. Colocar nas mãos de um funcionário público, mesmo que seja um bom, esta decisão não me agrada nem um pouco.
Tenho cada vez mais medo de limitar a liberdade de uma pessoa em função da liberdade de outro. Baseado em que critérios? De que forma? Como julgar este limite? Os totalitarimos começam neste ponto, limitar a liberdade do indivíduo em relação à sociedade, ao coletivo. E vimos no que deu.
Reportagem muito interessante:
http://www.ourfuture.org/blog-entry/mythbusting-canadian-health-care-part-i