O que Eric Voegelin teria a dizer sobre o chilique do Lewandoski?

No livro Hitler e os Alemães, em que analisa como o povo alemão aceitou ser governado por um tipo como o Fuher, o cientista político Eric Voegelin utiliza um símbolo criado pelo romancista Robert Musil: o estúpido.

Eric Voegelin (1901-1985)

Não se trata de um xingamento, longe disso; Voegelin sempre utilizava os termos em seus sentidos técnicos. Estúpido remonta à escolástica, do latim stultus, que Santo Tomás utilizava para se referir ao homem que é incapaz de aceitar a realidade. 

Se voltarmos ainda mais, chegaremos no escravo por natureza, de Aristóteles.

Estúpido, portanto, significa não reconhecer a realidade. Há dois tipos, ensina Musil.

O estúpido honrado, que não aceita a realidade por desconhecê-la, como acontece com a maioria de nós.

E há o estúpido inteligente, que recusa a realidade por um ato consciente. O famoso “não quer aceitar a verdade”. 

Voeglin acrescenta que o problema do estúpido é que sua estupidez gera consequências para os outros. Principalmente, se este estúpido for colocado em uma posição que jamais poderia ocupar, passando a ter condições de impor sua visão de mundo aos demais. Neste caso, temos o estúpido criminoso.

Em seu livro, Voegelin, analisa a degradação espiritual de parte significativa da sociedade alemã, que foi capaz de permitir que um estúpido criminoso como Hitler chegasse ao poder. 

Ontem  tivemos uma pequena amostra de um estúpido criminoso no poder.

Se quer saber um pouco mais sobre estupidez criminosa, tem este vídeo que gravei no youtube. 

Hitler e os Alemães

Depois de um longo hiato, estou retomando a série Hitler e os Alemães, do Eric Voegelin, no youtube. 

Acabei de gravar o vídeo sobre como a Igreja Católica alemã aceitou o nazismo. 

Partindo para a edição para soltar ainda esta semana.

Enquanto isso, tem os vídeos anteriores:

Eric Voeglin na veia! 

Eric Voegelin: Uma lição de humildade

Acabei de ler o capítulo de A Mente Naufragada, de Mark Lilla, onde ele trata de Eric Voegelin. Trata-se de um bom resumo da vida e das idéias mestras de Voegelin, mas o que chamou atenção mesmo de Lilla foi uma capacidade rara do cientista político alemão: o de reconhecer os próprios erros e assumir os custos. Ele era capaz, depois de publicar volumes de uma obra, de mudar de idéia e dar-lhe outra direção, porque entendeu que partiu de uma premissa que não se confirmou durante sua investigação. Ele não tinha medo de descobrir que estava errado.

Ou seja, trata-se de um cientista político que anuncia publicamente uma hipótese, publica os estudos resultantes desta hipótese e que, durante a investigação, percebe que estava errado e publica suas novas conclusões, admitindo seu erro, as razões de seu equívoco e a nova direção que vai seguir. Vocês tem idéia do quanto isso é raro? Existe que um intelectual tenha humildade, o que explica porque quase nunca acontece. Nas palavras de Lilla:

Mas talvez seja sua disposição de questionar publicamente seus próprios pressupostos e motivações, de abandonar certas idéias fixas e rever outras, o que mais tem a nos ensinar hoje.

Para Lilla, Voegelin tinha um espírito livre. Isso fazia toda a diferença.

A Segunda Realidade em Hollywood: Florence Foster Jenkins

A Segunda Realidade em Hollywood: Florence Foster Jenkins

Não é segredo  que a vitória de Trump nas eleições de 2016 foi um duro golpe para Hollywood. Da mesma forma que no jornalismo e na academia, a desproporção em favor dos liberais (como os americanos chamam a esquerda) é muito mais acentuada lá do que na média da população. O ator Mark Wahlberg, uma exceção, disse ano passado que Hollywood vivia numa bolha e não tinha noção da realidade do país. Mas, é verdade? Vive realmente Hollywood em uma bolha? Vive uma realidade à parte?

Eric Voegelin e a segunda realidade

O cientista político Eric Voegelin (1901-1985) estudou a fundo o problema da segunda realidade, tomando emprestado um termo criado pelo romancista Robert Musil. Ele identificou o fenômeno em que determinadas pessoas, incapazes de aceitar o mundo em que viviam, seja por revolta ou por tédio, criavam um mundo paralelo baseado em algumas premissas simples, que não poderiam ser contestadas. Peço ao prezado leitor que repare no termo tédio. Voltaremos a ele, em breve.

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Eric Voegelin

O mundo, tal como se apresenta, é a segunda realidade. As pessoas que não conseguem aceitá-lo sobrem de uma doença no nível espiritual, uma doença da alma (pneumopatologia). São doenças que não podem ser tratadas como psicológicas. O método de fazer a pessoa aceitar sua situação real pode ter consequências trágicas, como se verá.

 

O doente escolhe ou cria uma segunda realidade para viver, normalmente mais excitante e que confere um sentido a sua existência. Este fenômeno foi muito melhor descrito na literatura do que por cientistas sociais, que em geral não conseguem enxergar as coisas do espírito. Assim temos obras como O Homem Revoltado, de Camus, o Julien Sorel de O Vermelho e o Negro, e Raskolnikov em Crime e Castigo. Todos exemplos de segunda realidade. Mas é em Dom Quixote que Voegelin mostra o mecanismo em ação.

A Segunda Realidade em Dom Quixote

Don Quixote, entediado com o mundo em que vivia, criou uma segunda realidade em que é um cavaleiro andante. Sancho Pança, seu fiel escudeiro, vive na primeira realidade e enxerga os moinhos de vento enquanto Don Quixote vê gigantes. Sancho tenta fazer uma mediação entre as duas realidade, sem muito sucesso.

donquijoteysanchoEm uma de suas expedições, Don Quixote vai parar em uma corte, onde já sabem quem ele é. Esta corte, entediada, resolve participar do jogo e finge acreditar que ele realmente é um cavaleiro famoso. Ou seja, ela mergulha nas segunda realidade. Um estranho fenômeno então ocorre; a corte se diverte tanto com a segunda realidade que tem cada vez menos desejo de retornar à primeira. Ela mesma começa a acreditar na estória que criou.

A rendição à segunda realidade é simbolizada também pelo próprio Sancho, que acaba por acreditar nas recompensas prometidas por Dom Quixote, como ser governador de uma ilha. Ele descobre que acreditar na segunda realidade é muito mais interessante que viver na primeira.

Então temos o cura. O despropósito de Dom Quixote o atinge pessoalmente. Ao mesmo tempo que consegue ver corretamente a loucura do cavaleiro, falta-lhe a compaixão necessária para lidar com a situação. Como o irmão do filho pródigo, quer ter razão e provar seu ponto. Ele não aceita a felicidade de Dom Quixote e não descansa até mostrar a ele sua loucura. O cura age como o psicólogo moderno, tentando fazer o doente tomar consciência de sua situação. O problema é que a doença é espiritual, algo muito além da ocupação do nosso bom médico.

Dom Quixote finalmente aceita a realidade, mas cai em profunda melancolia e morre. O retorno à primeira realidade não resolveu o problema que o fez negar o mundo na primeira vez. Temos então, na pena de Cervantes, os tipo: Dom Quixote, Sancho, a corte, o cura. Voltemos a Hollywood.

Florence Foster Jenkins

O filme de Stephen Frears conta a estória, baseada em fatos reais, de Florence, uma rica herdeira, patrona da música em New York da primeira metade do século XX. É interpretada por Marylin Streep, um dos símbolos da alienação de Hollywood apontada por Wahlberg.

Apaixonada por música, pianista na infância, ela sofre de sífilis desde os 19 anos, contraída do primeiro marido. Em consequência, perdeu o movimento de uma das mãos e não pode se dedicar ao instrumento, canalizando sua atenção para o patronato. Mas não foi suficiente. Ela toma aulas particulares de canto, sob aplausos de toda uma rede que a protege e a impede de ver sua incrível falta de talento. Há um motivo bem prático para manter a farsa. Ninguém quer que ela se desiluda com a música e feche seu generosos talão de cheques.

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Florence e St Clair

Está criada, então, a segunda realidade, em que Florence é uma talentosa cantora amadora de ópera. Não se trata apenas de interesse financeiro. Como St. Clair, o segundo marido e principal mediador da segunda realidade, afirma ao pianista Cosmo, a vida de Florence é muito mais divertida e excitante. Novamente aparece o tédio como uma das razões para a segunda realidade. Como a corte em Dom Quixote, uma sociedade se forma em torno de Florence, pronta para bajular e aplaudir.

Cosmo é o Sancho Pança da estória. Ele tem perfeita consciência da inadequação da patroa, mas recebe muito bem para manter a farsa. É curioso que ele mesmo é um músico comum, sem talento especial, como exclamam atônitos  os pianistas que aguardavam para um teste em que foram preteridos, sem serem ouvidos, por Cosmo. Florence não só era incapaz de cantar, mas não tinha ouvido para distinguir a boa música da trivial. O mesmo acontecia com a corte que a bajulava.

O padrão se repete. Quanto mais a segunda realidade dura, mas as pessoas acreditam nela. É o que acontece com a loira fútil, que não se aguenta na primeira apresentação de Florence, caindo na gargalhada, mas que aos poucos aceita seu papel e termina condenando o mesmo comportamento  nos soldados que assistem ao espetáculo do Carnegie Hall. A rendição de Sancho se repete em Cosmo, que balbucia após o terrível espetáculo: “eu toquei no Carnegie Hall!”

O cura reaparece como o jornalista do Post, que pretendendo defender a verdade objetiva e faz uma crítica devastadora à Florence e sua corte. Também falta-lhe compaixão e quer apenas ter razão. Ele se julga melhor do que os outros, o que é sempre um grave pecado. Que o cura seja agora um jornalista, mostra a transição da classe intelectual no tempo.

A crítica do jornalista faz Florence retornar à primeira realidade, em que é apenas um velha senhora deformada e sem talento. Como Dom Quixote, ela não suporta a melancolia e morre. O despertar destas pessoas tem consequências trágicas. Como dizia T. S. Eliot, “o homem não é capaz de aceitar tanta realidade“.

Hollywood e o Oscar

O mergulho da segunda realidade de Florence e Dom Quixote se repete em Hollywood e sua corte. Artistas e profissionais do cinema abraçaram a visão liberal do mundo como poucos indivíduos o fazem, e chegam ao extremos de ignorar completamente a realidade econômica, a condição humana e a religiosidade do homem comum. Na segunda realidade de Hollywood, criticar um presidente significa um ato de coragem, milionários defendem o comunismo, abandonar Deus é um progresso e a paz é um problema simples de resolver. Por isso, Wahlberg está certo quando diz que Hollywood perdeu a sintonia com o povo americano. Em sua maioria, atores e diretores, não possuem idéia da realidade do americano comum e só o enxerga por esteriótipos.

89th Academy Awards - Oscars Awards Show

A corte

Tudo isso culmina no Oscar, que é também um mecanismo farsesco de auto-referenciação. Não se premia os melhores, mas uma visão de mundo. Não quer dizer que não vença também filmes conservadores, mas esse conservadorismo tem que estar de alguma forma escondido para que a corte não o perceba. O que, convenhamos, não é muito difícil de fazer levando em conta o nível de compreensão desse pessoal.

 

Hollywood é Florence Foster Jenkins. Ela acha que está representando a américa. Não está e cada vez mais o divórcio é escancarado. Vejam o exemplo de Marylin Streep. Uma atriz talentosa? Sem dúvida!, mas não o suficiente para ter 21 indicações, colocando-a em uma espécie de patamar superior de qualidade, acima de todas as demais. Foi aplaudida de pé no Oscar deste ano. Como Florence e sua corte.

A questão que fica é o que acontecerá ao fim de tudo. Hollywood sobreviverá ao choque de realidade? Terá o mesmo destino de Florence e Dom Quixote? Talvez já esteja acontecendo. Cada vez mais quem realmente tem algo a dizer está migrando para a televisão e a internet. A segunda realidade está se desfazendo e o público das redes sociais seja o novo cura.
Finalizando, fico a pensar se não estamos cometendo o mesmo erro do cura e do repórter. Será que não estamos muito preocupados em ter razão? Será que mais importante do que fazer a pessoas cair na realidade não seria fazê-la ver que a realidade merece ser amada para só então desfazer o feitiço? De que adianta salvar um paciente matando-o?

Hitler e os Alemães

No verão de 1964, Eric Voegelin proferiu uma série de conferências na Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique. O tema foi o problema experiencial central do povo alemão: a ascensão de Hitler ao poder.

Como uma socieade pode aceitar ser liderada por um tipo com Adolf Hitler? Esse é o vídeo de apresentação das conferências e do livro Hitler e os Alemães. Na minha página do facebook,  Paideia, você acompanhará um curso completo sobre o assunto.

 

Hitler e os Alemães

Em 1964, Eric Voegelin proferiu um curso de verão na Universidade Ludwig Maximilian de introdução à Ciência Política. Ao invés de seguir o esquema tradicional de apresentar a teoria, com definições e conceitos, e exemplos de sua aplicação, ele fez diferente. A partir da experiência concreta que os alemães estavam vivendo naquele tempo, ele levanta alguns problemas de ordem política, sendo o principal dele a cumplicidade dos alemães como regime nazista, assunto que considerava longe de estar superado.

Posteriormente, Voegelin transformou esse curso no livro Hitler e os Alemães. Esse livro trata não só do problema da ascensão de Hitler ao poder, mas da problemática da ideologia política. Serve mais do que entender o fenômeno particular de Hitler, mas para entender como um líder estúpido e criminoso chega ao poder, com a cumplicidade de parte da população. 

Pois este tema continua atual. 

Estou elaborando um curso sobre este livro. Em breve, mais novidades.