O paradoxo do catolicismo brasileiro

Eram quase 17 horas quando cheguei na Catedral Imaculada Conceição, em Franca. Estou em viagem de trabalho e mesmo assim dou meu jeito de conseguir ir na missa de domingo. Um ponto positivo é que me dá uma perspectiva melhor sobre diferenças em estilo na condução do culto pelos diversos padres, mas não sobre isso que gostaria de falar.

O que me chamou atenção mesmo é que a Igreja estava cheia, coisa que tem sido comum. A única exceção foi a missa que assisti em Stanz, na Suiça. Uma catedral lindíssima, uma missa muito bonita, mas pouca gente numa manhã de domingo, e quase todos idosos. Não é o que tenho visto no Brasil.

Será que estamos vivendo um movimento diferente por aqui? Quando olhamos para o IBGE, a porcentagem de católicos tem caído, mas já ouvir que isso se deve principalmente porque praticamente todo mundo se declarava católico no país, mesmo que não tivesse nenhuma devoção verdadeira. Com o avanço das igrejas evangélicas, claro que foi deste pessoal que saíram os novos protestantes.

Só que muito católico tem descoberto a própria fé e se tornado assíduo nas missas, inclusive demandando confissão. É um fenômeno no mínimo interessante.

Acredito que isso tem muito a ver com o caos em que estamos vivendo. Não podemos nos enganar nisso, o Brasil é um país caótico. A Igreja é um refúgio, uma resistência da ordem e por que não dizer, de beleza. O homem precisa de ordem em sua vida e não vai ter isso em muitos lugares em nosso país, basta ver a feiura que tomou conta de nossas universidades.

Observo este fenômeno com atenção e otimismo. Muito do que acontece hoje no Brasil é porque sabem se aproveitar de um catolicismo fraco que professamos no dia a dia. Os políticos dominam a arte de manipular cristãos de mentirinha. Agora, se estes cristãos se tornarem mais concientes, mais ligados a própria fé, a coisa vai mudar de figura.

Um último ponto. Parece que quanto mais tradicional for o rito, maior a audiência. Não significa voltar a missa em latim, que por sinal é belíssima, mas de tirarem os exageros que foram colocando no culto, bem na linha do que o papa Bento XVI alertava. Menos cantoria, menos gente no altar e mais momentos solenes. Isso agrada. Para escutar moda de viola, o lugar é outro.

Lendo a Bíblia: uma (big) dica

Muita gente tem enorme dificuldade de ler a Bíblia porque comete alguns erros básicos, como tentar lever do início ao fim sem ter idéia de como aquelas partes se conectam. É preciso entender em primeiro lugar que a Bíblia é um conjunto de livros, ou seja, uma pequena biblioteca. E o que temos numa biblioteca? Livros de diferentes gêneros, como na Bíblia.

Ou seja, vamos encontrar livros de história, poesia, sabedoria, aventuras, cantos, lamentações, leis e por aí vai. Uma consequência é que você fica um tanto perdido sem entender como uma coisa se liga na outra.

Pois eu tenho uma boa dica para você, mas advirto que aproveitará muito melhor quem sabe inglês. Você pode ler a Bíblia em português, mas sabendo inglês vai entender bem melhor o que está lendo e, sobretudo, vai ter um sentido para a história toda.

É isso que Jeff Cavins e Tim Gray fizeram no livro Walking With God, que precisa ser traduzido com urgência para o português. Neste livro, eles explicam didaticamente como a Bíblia tem uma grande história que pode ser dividido em 12 partes principais. A história, claro, é a da salvação, mas ela passa pela queda do homem e sua redenção, pela aliança que Deus faz com um homem (Adão), um casal (Adão e Eva), uma família (Noé), uma tribo (Abraão), uma nação (Moisés) e, por fim, com a humanidade (através do Cristo).

Esta timeline do livro mostra um pouco disso. Detalhe que ela indica os livros principais da narrativa e a relação com os livros secundários. Por isso o livro de Jó, por exemplo, deve ser lido junto com o Gênesis, o que implica que não se lê a Bíblia do Início ao fim. Este projeto que eles criaram de ler a Bíblia chama-se The Great Adventure Bible. Eles nos convidam a ler a Bíblia como uma grande aventura.

Só que tem mais, o Padre Mike Schmitz tem um projeto de ler a Bíblia inteira em um ano, baseado na divisão proposta por Cavins e Gray. Para isso ele criou um podcast (tem no spotify e apple) em que ele faz a leitura dos capítulos do dia e um breve comentário sobre a interpretação. O próprio Jeff Cavins faz um participação especial no podcast sempre que vai mudar de um período histórico para o outro. Os podcast são de 15 a 20 minutos. Ou seja, é tudo que precisa para ler a Bíblia inteira em um ano. É o podcast mais acessado nos Estados Unidos hoje.

E se eu não souber inglês?

Bem, pode se cadastrar no site do projeto e receber a lista de leitura (não precisa começar no 1 de Janeiro pois ela é numerada do dia 1 ao 365). E ler por contra própria a partir desta lista, embora não tenha a ajuda do livro base de Cavins e Gray e dos comentários do Padre Mike, mas é melhor que nada, não é mesmo?

Ah, para terminar, como eu faço? Eu me cadastrei e recebi a lista. Tenho o livro do Cavins, inclusive físico. Leio sobre o período que vai começar e todo dia quando acordo faço as leituras indicadas, na Bíblia em português mesmo. Hoje marquei o tempo, levou 10 minutos. Depois escuto no podcast só os 5 minutos finais, quando o Padre Mike faz seus comentários. Total do processo: 15 minutos.

O resultado é que não só estou relendo a Bíblia inteira em um ano, como estou entendendo muito melhor o que estou lendo. E usando 15 minutos do meu dia para isso! Vale a pena para você?

Esta é a grande dica de domingo. Espero que aproveitem!

Plano de leitura para o natal

Iniciamos novembro e este ano vou começar a me preparar para o natal mais cedo, para dar bastante tempo para as leituras. Eis minha lista:

  1. O Homem Eterno (Chesterton) – capítulos 1 ao 8. Não é possível entender a importância do natal sem antes entender o que era o mundo pagão. A primeira parte do fabuloso livro de Chesterton, intitulado A Criatura chamada Homem, é não só uma refutação à visão cientificista do mundo, como uma senhora reflexão de que o cristianismo seguiu o que era melhor do paganismo, Roma, que era insuficiente. É neste ambiente do triunfo de Roma que nasce Jesus Cristo. A partir de hoje, cada domingo e feriado farei a releitura de um capítulo.
  2. O Homem Eterno (Chesterton) – capítulo 9. A parte dois do livro, Do homem chamado Jesus, é para ler na semana do natal. Retrata o nascimento de Cristo e como este acontecimento foi extraordinário.
  3. A Infância de Jesus (Bento XVI). Apesar do título, o livro trata praticamente do nascimento do Cristo. Os dois primeiros capítulos vão tratar da origem e do anúncio do nascimento e os outros dois do nascimento propriamente dito. Livro para começar a releitura no início de dezembro.
  4. Um Conto de Natal (Dickens) – Outro livro sensacional para que relembremos o espírito do natal e o impacto que Jesus trouxe para o mundo.
  5. Apologia de Sócrates (Platão) – outro livro que retrata o mundo pré-cristão. Sócrates representa até onde a filosofia conseguiu chegar sem a revelação que foi feito aos judeus. Sua morte tem semelhança com a do Cristo e acredito que foi necessária como uma preparação para a vinda de nosso Senhor. Ele levantou as perguntas que Jesus é a resposta.
  6. O anjo anunciador (Bruno Tolentino) – poema que retrata a anunciação do anjo a Maria. Um dos textos mais belos em língua portugesa.
  7. Evangelhos: especificamente os capítulos que tratam da anunciação e nascimento do Cristo.

Que tal? Esqueci alguma coisa? Alguém tem alguma sugestão para esta pequena lista?

Notas sobre a felicidade

Estou relendo as Confissões, de Santo Agostinho.

No Livro X, ele faz algumas considerações sobre o problema da felicidade. Fiz as seguintes notas no meu diário, para refletir:

  1. O homem só é realmente feliz na verdade.
  2. No entanto, frequentemente odeia aquele que tem a verdade (a verdade gera o ódio).
  3. Isso acontece porque não deseja estar enganado e por isso quer que o que ama seja a verdade.
  4. Como não quer ser enganado, não se quer convencer que está no erro.
  5. Assim, odeiam a verdade por causa do que amam em vez da Verdade.
  6. Amam quando a verdade os iluminam e a odeiam quando os repreendem.
  7. Porém a própria verdade os castigará, denunciando todos os que não quiserem ser manifestados por ela.

Comentário meu: na base de tudo está a identificação da Verdade com Deus. Como Deus e a Verdade são o mesmo, a revolta contra a Verdade é a revolta contra Deus e vice-versa.

Será feliz quando, libera de todas as moléstias, alegrar-se somente na Verdade, origem de tudo que é verdadeiro.

Santo Agostinho

Bergman, silêncio II

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Assisti o segundo filme da trilogia Silêncio, do Ingmar Bergman. Trata-se de Luz de Inverno (1962). O tema é um dia na vida de um padre que perdeu a fé, e por isso mesmo se torna incapaz de ajudar sua paróquia. O Padre Tomás se angustia com o que ele considera o silêncio de Deus, que não responde suas súplicas. Ele tem um romance com uma professora, motivo de fofoca na pequena cidade em que vive.

Minhas notas:

  1. Por mais que esteja confuso, e seja um pecador, seus sacramentos continuam válidos. É um dos mistérios da Igreja que ela não depende da santidade de seus sacerdotes para prosseguir em sua missão.
  2. Seu coração esvaziado reflete a comunidade ao seu redor ou é o contrário? A Igreja vazia é um símbolo do vazio interior do pobre Tomás.
  3. De todos os personagens, ninguém é mais enfadado com tudo aquilo do que o organista da igreja.
  4. O sacristão deficiente físico, que no início do filme aparece como um incômodo para os demais, no final aparece como o verdadeiro cristão, que a despeito de tudo reflete sobre as escrituras e tenta buscar uma orientação de como interpretá-las corretamente.
  5. O casal que busca auxílio para a depressão do marido com o padre é a representação das pessoas comuns, que sofrem os problemas da existência humana. Recorrendo a platitudes inicialmente, e depois desabafando seus próprios problemas, o padre é incapaz de ajudá-lo.
  6. A esposa é a representação da mulher pragmática, que leva um lar a frente a despeito de todas as dificuldades.
  7. A depressão e o suicídios provocam danos irreparáveis a quem fica. Principalmente os que realmente amam.
  8. Luz de inverno. Ela é rara, mas quando surge ilumina com força. Essa é a metáfora para a resposta de Deus no mundo. Creio que Ele age principalmente através das pessoas. É no outro que vamos encontrar as respostas que procuramos.
  9. Quando Padre Tomás resolve rezar a missa exclusivamente para Marta, que é tratada como ninguém pelo organista, ele se coloca realmente como um instrumento de Deus. Trata-se de um ato de amor.
  10. Não seria a fala do sacristão uma resposta de Deus a Tomás?
Afinal, o que disse o papa?

Afinal, o que disse o papa?

Papa

Leiam as matérias da grande mídia sobre o papa ter afirmado que era melhor ser ateu do que um católico hipócrita. Elas possuem um padrão, em nenhuma delas você vai encontrar um parágrafo inteiro da homília do papa Francisco. Basicamente eles pegam um parágrafo, dividem em várias frases e colocam comentários entre eles induzindo o raciocínio do leitor. Isso é o jornalismo brasileiro.

Afinal, o papa disse que era melhor ser ateu?

Não. Ele criticou sim a hipocrisia de muitos católicos, como Cristo fez com os judeus do seu tempo. Mas não fez comparação nenhuma com o ateísmo. Pelo contrário, ele disse que:

“Quantas vezes ouvimos dizer: ‘Ser católico como aquele, melhor ser ateu’. O escândalo é isso. Destrói. Joga você no chão”

Ele não disse que era melhor ser ateu, ele disse que o mau comportamento de muitos cristãos induziam a que dissessem que era melhor ser ateu, o que é muito ruim para a Igreja. Ou seja, ele disse o exato oposto ao que estão atribuindo a ele. O raciocínio do papa é simples: achar que ser ateu é melhor que ser um mau católico é um erro. O próprio comportamento dos maus católicos induzem a esse tipo de raciocínio. Logo, deve-se criticar esse tipo de comportamento. O escândalo é dizer que “ser católico como aquele, melhor ser ateu“.

Foi isso que o papa fez.

Ademais, em princípio todo católico é um mau católico porque somos imperfeitos. Cristo veio justamente para nos salvar porque somos todos pecadores. Até os santos pecaram, e muito!

Mas o jornalismo militante viu a oportunidade de tirar a frase do papa do contexto, picotá-la e inverter o sentido do que ele disse.

Raça de víboras! Até quando teremos que suportá-los?

Rogue One: 5 elementos espirituais

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Qualquer que seja a obra de arte, ela vai falar com você de alguma forma e o filme Rogue One não é diferente. Você pode analisar como uma aventura, pelo caráter político, pela filosofia, pela economia e etc. Eu prefiro analisar pelo aspecto espiritual, pois foi este que mais me chamou atenção.

Você pode se divertir apenas assistindo o filme, que é muito bem feito, mas acredito que refletir um pouco sobre ele, buscando outras camadas de entendimento, tornam a experiência mais enriquecedora. No novo Star Wars, cinco elementos espirituais me chamaram atenção. São eles:

1. Sacrifício. Rogue One é mais que um grupo de renegados com uma missão. É um grupo que entendem que a única chance que possuem é o espírito de sacrifício; que não podem buscar a satisfação pessoal. Não há glória esperando, nem recompensa. Em determinado momento fica claro que não sobreviverão. Ao invés de se agarrar a uma tênue chance de se salvarem, tratam de esquecer das próprias vidas e buscam cumprir a missão que se propuseram. É preciso perder a vida para conquistá-la. Procurem no Livro, está lá.

2. Ordem. O personagem do Diretor Krennic diz a Galen Erso na primeira cena que é preciso restaurar a ordem na galaxia. Erso retruca, o que Krennic chama de ordem é outro nome para violência. Ele sabe que a ordem do Império não é a ordem da existência, pois não se baseia na verdade. Apesar a estética da limpeza e da padronização nas bases militares, o produto do Império é o caos, é o que Jedha se tornou. A rebelião quer restituir a ordem verdadeira, a que se origina na liberdade.

3. Fé. No universo Star Wars, a força é o símbolo da fé e da religião. Ao contrário dos outros filmes, a força está um tanto ausente. Um templo em ruínas e dois velhos guardiões, um cego e um céptico, duas testemunhas de um tempo que se foi. A devoção do cego é vista como uma esquisitice, mas aos poucos se torna inspiradora. A força começa a se espalhar e culmina com a conversão do céptico, um dos grandes momentos do filme.

4. Esperança. Chesterton costumava dizer que o impossível está na essência da esperança. Você precisa acreditar quanto tudo indica que não adianta, que a causa está perdida. Rogue One dá o melhor de si para, contra todas as possibilidades, entregar mais que um disco com informações secretas, entregar esperança para uma rebelião prestes a se desintegrar e aceitar a derrota. No fim, é a esperança que derrotará o Império.

5. Amor. Afinal, o que querem os integrantes do Rogue One? Vingança? Sim, no início era isso, mas em certo instante tudo mudou. Eles não querem a glória, sentem que não irão sobreviver. No entanto, continuam. Querem a justiça, querem restaurar a paz, querem o bem das pessoas que nem conhecem. O amor verdadeiro é isso, querer o bem sem esperar nada em troca. O cristianismo chamou esse tipo de amor de “caritas”.


Entender as várias camadas de uma obra de arte nos enriquecem. Com um pouco de prática, e cultura, vai ficando cada vez mais fácil. Veja mais análises da cultura em meu canal do youtube: