A Universidade Moderna em Platão

Estou relendo o diálogo Protágoras, de Platão. Trata-se de uma reflexão sobre o sofista, uma espécie de profissional que existia nos tempos de Sócrates que ganhava dinheiro ensinando jovens a ganharem discussões públicas, independente da tese que defendessem.

Ou seja, o sofista não tinha compromisso com a veracidade do que ensinava e sim em ensinar o vocabulário para que o aluno apresentasse sua tese como verdadeira e ganhasse um debate.

Não sei porque, mas lembrei da universidade moderna. Até que pontos os professores, principalmente nos curso de pós-graduação, são sofistas?

Olhai se esta passagem não poderia ser um alerta a um jovem estudante que entra para uma universidade?

Mas se não estás, toma cuidado, venturoso amigo, para não por em risco o que te é mais caro numa jogada de dados. Asseguro-te que há um perigo muito mais sério na compra de ensinamento do que naquela de produtos comestíveis. (…) É obrigado, uma vez acertado e efetuado o pagamento, a absorver o ensinamento na tua própria alma, aprendendo-o. E então partirás, prejudicado ou beneficiado.

Mitos são mentiras?

Quando comecei e me interessar por filosofia, uma das primeiras coisas que li foi que a filosofia era a superação do mito. Até o surgimento de Sócrates, o mundo estava tomado por mitos sobre os deuses do Olimpo e suas aventuras, uma evidente mentira típica de um povo crédulo. Um dia vou escrever um livro sobre todas as mentiras que escrevem sobre a filosofia, particularmente para iniciantes.

Essa concepção é fruto de uma visão progressista da história. Tudo que é mais antigo, é inferior. Esquecem que a condição humana é permanente e os antigos viram primeiro a nossa realidade, expressando-a da forma como puderam, ou seja, criando lendas que formaram os mitos.

Só que mito não é um simples produto da imaginação de um poeta imemorial, como Homero. Eles expressam verdades profundas, em uma estrutura compacta, mas nem por isso menos real. É preciso “descascá-los”, ou na linguagem de Eric Voegelin, diferenciá-los. Ao longo da história, os mitos vão se tornando mais claros e não, como se imagina, substituídos por teorias criadas por mentes privilegiadas de intelectuais. Até porque, deveria ser fundamental entender a experiência que gerou o mito, um dos aspectos que os filósofos modernos menos se ocupam.

A título de provocação deixo uma singela constatação: Édipo não tinha complexo de Édipo. (E muito menos Electra tinha complexo de Electra)!

As Seis Doenças do Espírito Contemporâneo: 2- Todetite

Continuando o projeto de releitura do livro do Constantin Noica, neste segundo domingo reli a segunda doença, a todetite.

É a doença causada pela carência do individual, e que pode, chegar até a ausência efetiva “desta coisa aqui” (tode ti, em grego antigo), pela qual deviam realizar-se tanto o geral como suas realizações.

O homem que sofre de todetite tem um sentido geral, mas vive em função dele e ignora a realidade do individual. É a doença da perfeição, pois em função de um sentido geral, o individual sempre está falhando em algum ponto e é recusado. Ou seja, quando o individual não corresponde à teoria, pior para o individual pois a teoria não pode estar errada.

Quase todos sofremos um pouco desta doença na juventude, quando nos guiamos por ideais e queremos mudar o mundo para corresponder a este ideal. O sentimento típico da doença é a inadequação.

É a doença dos ideólogos e idealistas, incapazes de ver no individual os problemas das teorias gerais. Os revolucionários, como os retratados por Dostoievsky em Os Demônios, representam bem esta doença. Assim como o positivismo é uma manifestação no campo cultural.

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6 doenças do espírito contemporâneo: 1. Catolite

Novo Projeto!

Neste e nos próximos 5 domingos estarei relendo este pequeno (em tamanho) livro de Constantin Noica. Cada domingo dedicado a uma das 6 doenças do espírito, conforme ele as apresenta.

A primeira doença do espírito é a Catolite, a ausência do sentido de real. O homem tem a capacidade de escolher seu sentido geral para a existência e quando a idéia de qualquer sentido está ausente ou ele troca de sentido de acordo com a conveniência, temos a catolite.

Napoleão Bonaparte (e os tiranos em geral), Epicuro, Kiekergard, muitos cientistas, o filho pródigo, são exemplos. No plano da cultura, o existencialismo.

“Farei o que bem entender”, diz o filho pródigo, e parte para o mundo, libertando-se assim dos sentidos gerais de sua família e de sua comunidade, a fim de se dar determinações arbitrárias cujo alcance ele desconhece…

Um guia para os perplexos

Anotem o nome deste livro. Trata-se de um dos melhores livros de filosofia que já li na vida.

Não, o autor não é o piloto. É um economista que defendeu a superioridade das pequenas empresas e dos pequenos negócios. Mas o livro não tem nada a ver com economia.

Vai mais a fundo. Tratarei dele em breve.

Infelizmente não tem tradução em português.

Uma teoria da violência?

Uma teoria da violência?

Outro dia presenciei um assalto, coisa de trombadinhas, na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana. Uma cena normal no Rio de Janeiro, mesmo no horário de uma da tarde e dos pivetes terem saltado de um ônibus, arrancado a bolsa de uma mulher, e retornado para o coletivo, rindo. Todos que assistiram a cena, eu, pedestres e passageiros de ônibus, olharam tudo anestesiados, sem ter o que fazer.

Antes que digam que se trata de Rio de Janeiro, e se trata mesmo, não podemos esquecer que essa cena ocorre em toda grande capitais do país; mesmo a de médio porte. A única vez que um pivete me assaltou foi em João Pessoa, em 1987, também durante o dia na principal avenida da cidade. De certa forma o Rio é uma visão ampliada dos problemas do Brasil. Ignorar que, em maior ou menor grau, somos todos Rio, como se diz na gíria da moda, é fechar os olhos para os próprios problemas.

Eduardo Matos de Alencar, em artigo recente na excelente revista Nabuco, faz uma reflexão sobre a lógica da violência nas grandes cidades e questiona se é possível uma teoria geral sobre a violência, o nirvana de todo intelectual. Ele resume as teorias existentes em três grandes grupos. A violência como um fenômeno econômico, uma escolha racional entre custos e benefícios (escassez financeira); a violência como resultado de características individuais negativas, de valores morais que não foram desenvolvidos na pessoa (insuficiência cognitiva); e a violência como um produto da circunstância, de acontecimentos que superam a disposição do agente (circunstância aleatória que preme o indivíduo). O problema é que nenhuma dessas explicações dá conta de indivíduos que agem por gosto, praticam a violência porque querem, independente de benefícios econômicos, história individual ou circunstâncias. A teoria não consegue explicar a frase: “roubei por prazer”.

brasil2bdominado2bmarianoUma teoria geral só seria possível se olhássemos para a essência do ser humano, ou seja, para uma antropologia filosófica que desse conta de evidenciar as razões que nos levam a ser violentos. Para Eduardo Matos coube a René Girard, com sua teoria do desejo mimético, apresentar um caminho para percorremos. Para Girard a essência do homem seria o desejo mimético, a vontade de imitar o próximo. Queremos algo não pelo seu valor em si, mas por quem alguém que temos como modelo, muitas vezes inconsciente, também quer. O problema é que quando o modelo está demasiadamente próximo cria-se uma tensão, podendo gerar uma competição violenta pelo bem, especialmente quando o mecanismo se extende ao modelo e passam a se influenciar um ao outro. O mais importante é que o objeto acaba perdendo a importância em relação à disputa em si. A violência nasce dessa reciprocidade. Para Girard, essa violência só consegue se aplacar pelo mecanismo desenvolvido pelas religiões arcaicas do bode expiatório. Só a partir do sacrifício de um inocente, que recebe todas as culpas pelo conflito, que a sociedade pode continuar existindo sem se deixar consumir pela violência.

Examinando a correspondência da teoria mimética com outros campos da existência como a biologia, psicanálise e sociologia, chama atenção a percepção do mecanismo culpa/vergonha. Existem duas formas, defende Eduardo, de lidarmos com nossos erros: assumir a culpa ou sentir vergonha. No primeiro, assumimos a responsabilidade e se tivermos um mecanismo adequado de arrependimento, podemos continuar em frente. No segundo, o indivíduo sente que está sendo humilhado e que na verdade não tem culpa do que está acontecendo, acumulando revolta que acaba por explodir em algum ponto. Coube a um psiquiatra norte-americano, James Gilligan, apontar que existe uma constante no relato dos indivíduos violentos nas penitenciárias americanas: uma idéia de desrespeito ou honra ferida, o resultado de uma sequência de humilhações, cuja causa era atribuída à vítima. A principal consequência é a morte do “self”, a anulação do eu, tornando o indivíduo imune a considerações morais sobre seus atos.

Eduardo Alencar nos alerta que o papel que a vergonha e a culpa desempenham na produção da violência é causa necessária, mas não suficiente. Há mecanismos que dissipam a vergonha e humilhação como a capacidade de sentir culpa, para que a humilhação não apareça de maneira tão devastadora e incontornável e que o indivíduo possua meios não-violentos de salvar ou resgatar a sua autoestima.

O problema que vivemos hoje é que a modernidade, no seu espírito de revolta contra Deus, acentuou de maneira extraordinária o ressentimento. Especialmente nas áreas urbanas, os mecanismos que lidavam com o aplacamento dos esquemas de humilhação como a família, igreja ou outras associações estão ruindo fruto de uma expansão desorganizada e desordenada. A morte de Deus geram um vazio existencial que impede que a pessoa sinta culpa e, portanto, assuma responsabilidade pelos castigos que sofre ao longo da vida. Tudo se torna ritual de humilhação gerando uma forma de alimentação mútua com o ressentimento. Marc Angenot denominou ideologia do ressentimento a visão de mundo que se desenvolve a partir da vergonha e humilhação. O futuro para o ressentido não é uma abertura ou emancipação, mas um acerto de contas rancoroso com o passado. A modernidade liberta o homem dos grilhões da cultura para o jogar nos grilhões do desejo mimético.

Filosofia não é disciplina para secundarista!

art-1301872_960_720Não sou contra o estudo das chamadas disciplinas humanas. Acho que história e geografia, principalmente a primeira, podem ser disciplinas úteis no segundo grau, principalmente se o aluno souber ler.

A questão da filosofia é que ela exige alguns pré-requisitos que o aluno de segundo grau não possui. Primeiro, o completo domínio da leitura. Um aluno que não consegue ler Machado de Assis e entender o que está sendo dito, não tem nada que fazer com um livro de filosofia.  Depois, tem que ter uma certa experiência de vida para ter uma base de julgamento para as diversas questões filosóficas. É fundamental na filosofia estabelecer um contraste com a realidade que vivemos, sob pena de nos tornarmos prisioneiros de sistemas abstratos e altamente sedutores. Por fim, tem que ter uma boa cultura literária para ter um repertório das possibilidades humanas.

Se não tiver nada disso, não terá padrões de comparação para entender filosofia. Ah, e tem que ser 100% voluntário! Isso é essencial. Não consigo ver filosofia como uma disciplina acadêmica, muito menos como uma profissão universitária. Filosofia é uma atitude, uma forma de viver, não uma carreira que se segue.

Eu fiz uma matéria de filosofia na graduação. Foi absolutamente inútil, além de ter me deixado com má vontade por uns bons anos. Só depois, com alguma maturidade, é que comecei a estudar realmente filosofia. Filosofia exige maturidade. Exige responsabilidade. Duas coisas que não se tem, na maioria dos casos, em alunos secundaristas.