Parábola dos Talentos

Talvez uma das parábolas mais difíceis de interpretar nos evangelhos seja a dos talentos. Um senhor, prestes a viajar, deixa para um empregado 5 talentos para cuidar. Para o segundo, deixa 3. Para o último, deixa 1. Depois que parte, os dois primeiros investem os talentos e conseguem retorno para apresentar ao senhor na volta. O último, sabendo que o senhor é severo, enterra o talento para não ter risco de perdê-lo. Quando o senhor retorna, os dois primeiros empregados devolvem com ganhos o que tinham recebido. O terceiro desenterra o talento e devolve o que recebeu, enfurecendo o senhor, que o manda castigar.

Muitos podem interpretar a parábola como uma espécie de defesa do capitalismo, da necessidade de investir o capital para obter os juros apropriados. O terceiro, justamente o mais pobre, é castigado por ter evitado o risco.

Só que um talento não é uma moeda, mas uma quantidade razoável de ouro, o que significa que mesmo o terceiro empregado tinha recebido uma riqueza muito grande. O que a parábola quer de fato dizer?

O senhor é obviamente Deus, que se oculta da criação, dando espaço para a liberdade do homem. O talento não é riqueza material, mas a riqueza espiritual, especialmente a misericórdia divina. E o que devemos fazer com a misericórdia? Gastá-la. Quanto mais misericordioso nós formos, mas teremos em retorno, maior será nossa riqueza. O que não podemos fazer é enterrá-la, ou seja, guardá-la. O terceiro empregado recebeu uma graça de Deus e deveria tê-la dividido com o próximo, mas guardou-a para si, enfurecendo seu senhor.

O que a parábola nos ensina é que temos um dever com nosso Senhor quando recebemos sua graça. Por isso, em outro texto do evangelho, Jesus nos diz que quando fazemos o bem para um dos seus pequeninos, estamos fazendo diretamente a ele; assim como ao recusarmos ajuda ao próximo, estamos fechando a porta para Ele. Com cada graça que recebemos, vem junto uma responsabilidade, uma possibilidade de ajudar alguém. Quando o Senhor voltar, nos cobrará a graça recebida e muitos de nós não terá nada para mostrar.

Castelo Interior ou moradas

Santa Teresa de Jesus compara nossa alma a um castelo com muitas moradas, que ela divide em sete grupos. Na primeiro deles, que chama de primeiras moradas, a pessoa ainda está imersa nos problemas do mundo e praticamente não encontra tempo para Deus. No segundo, já divide o tempo entre Deus e o mundo, sempre em conflito. A cada grupo, mais se afasta do mundano e se aproxima de Deus, sempre através da prática da oração, da reflexão sobre o divino, a prática da caridade e abertura para a graça, pois trata-se de uma jornada que o homem não consegue fazer sozinho.

O livro tem uma profundidade que não consegui captar inteiramente na primeira leitura. Falha do leitor, que muitas vezes deixou que seu estado de agitação perturbasse a leitura, assim como certa impaciência para terminar o livro, sempre um erro a ser evitado. Assim, não consigo caracterizar bem cada um dos grupos das moradas, apenas seu sentido geral de aproximação até a união com Deus.

É um daqueles livros que devemos ler várias vezes ao longo da vida. Esta foi apenas a primeira.

Notas sobre a felicidade

Estou relendo as Confissões, de Santo Agostinho.

No Livro X, ele faz algumas considerações sobre o problema da felicidade. Fiz as seguintes notas no meu diário, para refletir:

  1. O homem só é realmente feliz na verdade.
  2. No entanto, frequentemente odeia aquele que tem a verdade (a verdade gera o ódio).
  3. Isso acontece porque não deseja estar enganado e por isso quer que o que ama seja a verdade.
  4. Como não quer ser enganado, não se quer convencer que está no erro.
  5. Assim, odeiam a verdade por causa do que amam em vez da Verdade.
  6. Amam quando a verdade os iluminam e a odeiam quando os repreendem.
  7. Porém a própria verdade os castigará, denunciando todos os que não quiserem ser manifestados por ela.

Comentário meu: na base de tudo está a identificação da Verdade com Deus. Como Deus e a Verdade são o mesmo, a revolta contra a Verdade é a revolta contra Deus e vice-versa.

Será feliz quando, libera de todas as moléstias, alegrar-se somente na Verdade, origem de tudo que é verdadeiro.

Santo Agostinho

O mundo como prisão

Tenho começado os dias lendo um capítulo de Imitação de Cristo, do Thomas Kemphis. É uma dessas obras que tem que ler devagar, meditando a cada trecho e talvez por isso os capítulos sesjam pequenos, dimensionados para uma reflexão diária. O de hoje tratou da necessidade de nos guiarmos pela relação com Deus e não nos deixar levar pelas coisas do mundo, ou seja, de manter uma ordem correta de importância nas coisas que nos aflingem.

Aqui um dos principais problemas da modernidade. Como apontou Giovani Reale em seu fundamental livro O Saber dos Antigos, o predomínio da política é um dos males do mundo de hoje. Trata-se de um dos ídolos que tomaram o lugar de Deus. Quase todos caem no mesmo erro, de achar que a solução de todos os problemas da sociedade e do homem virão da política correta a ser adotada. Não se trata de ume erro só dos progressistas, mas também dos conservadores, que estão se tornando a cada dia esquerdistas de sinal trocado.

Não podemos dar tanta atenção aos problemas do mundo, pois eles são em sua maioria ilusórios e escondem os verdadeiros problemas humanos, que podem se resumir aos dois principais mandamentos: amar a Deus e ao próximo. Nenhum deles será resolvido pela política. A tragédia do mundo moderno é que a política é definida por aqueles que se dedicam 100% à política, justamente os que estão espiritualmente doentes. Quem conserva a sanidade e se dedica ao que realmente importa, é governado pelas idéias dos prisioneios do mundo e, talvez por isso, o mundo seja um permanente estado de desilusão. A atitude de sanidade é entender isso e se dedicar ao que realmente é importante, preservando o amor a Deus e ao próximo em um ambiente cada vez mais tóxico. Felizmente, é uma condição que o cristianismo sempre enfrentou e, de uma forma ou de outra, terminou por triunfar.

Como acontecerá novamente.