Lidando com a dor: A vida continua

Em tempos de covid, é fácil esquecer que a história humana é repleta de tragédias. Desde guerras, algumas durando anos, até desastres, naturais ou não.

Uma destas tragédias foi o terremoto que sacudiu a fronteira entre Irã e Rússia em 1990, vitimando 30 mil iranianos.

Abbas Kiarortami não perde tempo nos contando a história do terremoto, mas sim do quinto dia, de como as pessoas estavam lidando com suas perdas. Uma senhora diz ao diretor (vivido por um ator) que perdeu toda sua família, 12 pessoas. Um menino diz que sobreviveu porque saiu do quarto incomodado com os mosquitos.

O que estas pessoas não podem é se deixarem levar pela dor. São muito humildes, precisam continuar com suas vidas. Resgatar o que sobrou de seus poucos bens, buscar água para beber, reconstruir suas casas. A dor é um privilégio que eles não podem se dar.

A Vida Continua (1992) é o segundo filme da trilogia que Kiarostami realiza em torno da pequena aldeia de Koker.

Um filme bem apropriado para os tempos que vivemos.

O Dilema das Redes – Notas

Nós somos o produto. Ou não?

O primeiro passo para fazer um juízo de valor sobre uma teoria, ou denúncia, é entender o que está sendo dito. Ontem assisti o documentário O Dilema das Redes (The Social Dilemma, 2020) e baixo tento resumir, em forma de notas, o que nos foi apresentado:

  1. Nós não pagamos pelo uso das redes sociais (e do google), o que significa que não somos os consumidores. Afinal, o que está sendo vendido? Qual o produto?
  2. O produto não somos nós, os usuários, e nem os nossos dados como se fala. O verdadeiro produto é nossa atenção. Além disso, nossa previsibilidade.
  3. A inteligência artificial é cada vez mais eficiente para:
    1. captar nossa atenção;
    2. expandir a rede através da nossa atuação; e
    3. apresentar o produto mais provável de adquirirmos e no momento mais propício.
  4. Com o tempo, percebeu-se que também é possível induzir nosso comportamento pelo conteúdo que nos é apresentado. Tudo isso através de algoritmos.
  5. Os criadores originais não tinham estas intenções, trata-se de efeitos adversos que não foram pensados. A própria eficiência dos algoritmos proporcionou possibilidades não planejadas mas extremamente lucrativas.
  6. As grandes plataformas (facebook, instagram, pinterest, twitter, youtube, google) monopolizaram o mercado e passaram a ter um poder de influência sem precedentes na história.
  7. Estas plataformas não são responsabilizadas por suas práticas e conteúdo exibido, nem pelas consequências de sua atuação.
  8. Os algoritmos geram polarização ao seguimentar as informações que recebemos, gerando radicalização ao facilitar a reunião de pessoas que pensam da mesma forma (efeito manada).
  9. O radicalismo político se traduziu nos últimos anos com a eleição de líderes populistas, que colocam em risco a democracia.
  10. A tecnologia está potencializando o que a humanidade tem de pior ao invés de nossas virtudes.
  11. As redes sociais são viciantes, gerando como consequência fenômenos de isolamento, depressão e suicídios.
  12. Soluções apontadas:
    1. responsabilização das plataformas;
    2. regulamentação das tecnologias digitais; e
    3. taxação pelo acúmulo de dados.
  13. Dicas para as pessoas comuns:
    1. desligar as notificações;
    2. desinstalar redes sociais do celular;
    3. seguir pessoas que não concorda nas redes (especialmente twitter);
    4. usar plataformas de busca que não criam histórico de navegação;
    5. sair das redes sociais.

Acho que é isso? Esqueci alguma coisa?

John Ford e a trilogia da cavalaria

No período de 1947-1950, John Ford gravou 3 westerns retratando a cavalaria. Ele tinha observado que nos filmes do gênero, a cavalaria era quase um deus que surgia do além para resgatar peregrinos e retornava para sabe-se lá onde.

Pois em Forte Apache, She wore a Yellow Ribbon e Rio Grande, ele vai retratar justamente a cavalaria.

Vamos descobrir que isolado nos fortes, não haviam apenas soldados, mas suas famílias. Ao mesmo tempo que havia treinamentos, adestramento dos cavalos, desfiles militares, haviam bailes, momentos na cantina, crianças brincando. Todo um ecossistema isolado do mundo.

Os filmes tratam de rituais, camaradagem, honra, dever. A busca pela glória surge, principalmente no primeiro filme, como uma deformação do dever. Os apaches passam por uma espécie de degeneração. No primeiro filme são honrados e querem a paz. No segundo, o problema é a nova geração, também contaminados pela vontade de glória. Em Rio Grande, o grupo todo está contaminado pela hybris e entregue ao efeito do ácool. Provavelmente é um grupo que se despreendeu, pelo radicalismo, da tribo maior. A negociação que ocorre nos dois filmes anteriores, já não é mais possível.

Os três filmes são estrelados por John Wayne, embora em Forte Apache o protagonista seja o Cel Thursday, vivido por Henry Fonda. Wayne vive nos três filmes um papel semelhante: a harmonia entre prudência, vontade e desejos. A prudência, no sentido clássico, é sua principal característica, como Odisseu voltando de Tróia. Já Thursday só tem a vontade. Ele quer ser herói, mesmo que arraste todo regimento para a morte.

No conjunto, os três filmes vão além do oeste. Tratam do propósito de uma vida, da forma justa de viver. A cavalaria pode ser uma metáfora para muita coisa: a comunidade, a família, a religião. É algo que dá sentido para a própria existência que deixada por si mesma estaria perdida.

Os filmes são também metafísica e nos mostram que, mesmo na dificuldade, pode-se viver uma vida digna se formos pessoas integrais, com propósito em nossas ações e amizade verdadeira pelos que estão cavalgando ao nosso lado. Os apaches são as dificuldades que estão sempre nos ameaçando, que por vezes podemos negociar e adiá-las, mas que no fim haveremos de enfrentá-las em um desfiladeiro ou rio qualquer.

Fort Apache (1948)

Cel Thursday(Henry Fonda) é o irmão do filho pródigo. É um homem honesto e bom, mas que deixou o mal do orgulho se instalar em seu coração. Busca a glória e se deixa cegar para as circunstâncias reais da vida.

Seu contraste é o Capitão York (John Wayne), um homem prático, que procura se colocar no lugar dos apaches e entendê-los. Por isso consegue ver o que Thursday é incapaz: que os indígenas não são seus inimigos. Pelo contrário, são gente honrada que deseja a paz.

Baita filme.

A loucura de quem confia demais em si mesmo

Em tempo: Este filme diz muito sobre o atual movimento conservador brasileiro, que infelizmente está repleto de Cel Thursday.

Atualização:

Ocorreu-me que temos aqui as virtudes aristotélicas-platônicas. Os quatro sargentos se deixam levar pelos desejos. Já o Cel Thursday tem a virtude da temperança (controla seus desejos), mas se prende na vontade, sem abertura para a sabedoria. York é temperante, corajoso (no sentido de Aristóteles, de ter a vontade no lugar certo) e prudente (sabedoria), assim como o Sargento O´Rourke. Justamente por dominas os três aspectos da alma, York e O´Rourke são exemplos de justiça.

O jovem O´Rourke representa o homem comum, que diante dos exemplos tem que decidir que vida vai levar. O casamento dele como Philadelphia representa a escolha pela vida virtuosa, que é simbolicamente premiada pelo filho do casal. É também o símbolo a união da terra ( o jovem tenente) com o céu (a moça virtuosa).

Eric Rohmer: assistindo(novamente) Comédias e Provérbios

Da primeira vez que assisti a série de 6 filmes, não identifiquei um tema que unisse os filmes.

Desta vez, com auxílio de C. G. Crisp, acho que encontrei a chave.

Se em Contos Morais os personagens tentavam tomar decisões morais, em Comédias eles as evitam. As personagens (agora são mulheres as protagonistas), nos anos 80 europeus, são auto-suficientes e querem viver a vida da forma que achar melhor, em virtude dos próprios egos.

O resultado é uma insuficiência devastadora.

Comédias é uma resposta de Rohmer a Freud.

Ainda escreverei sobre isso.

Pauline na Praia (1983)

O Último Jedi é tão ruim assim?

Preparando-me para ver o Episódio IX, revi O Último Jedi, não sem uma certa má vontade, muito em função de vários vídeos que assisti no youtube apontando os erros do filme.

Quer saber? Foi um dos exemplos que não podemos nos deixar levar pela histeria coletiva. Sim, o filme tem seus problemas, mas a maioria de seus críticos são muito chatos, exigindo uma pureza que não tem lugar em um filme de entretenimento.

Sou grande fã dos filmes, mesmo os chatos como o Episódio I, mas entendo perfeitamente que se trata de cultura pop, de filme feito para divertir. Não é para ser tratado político-religioso, embora existam elementos interessantes sobre problemas como totalitarismo e fim da democracia, seu principal apoio são os movimentos de queda e ascensão de seus personagens, mas tudo, repito, como suporte para cenas de ação, humor, paisagens incríveis e etc.

Quem conseguir colocar os filmes em sua prateleira correta, não tem motivo para ficar se queixando. Por isso Aristóteles insistia tanto no problema da classificação. A primeira etapa da análise é classificar corretamente o ente.

Star Wars é entretenimento. Veículo para humor, heroísmo, batalhas espaciais, música, cenários incríveis. O Último Jedi dá uma derrapada feia com a incompreensão do seu criador em relação a Luke Skywalker e da própria jornada do herói, desperdiçando boas idéias plantadas no Episódio VII; mas está longe de ser o desastre que colocam.

gerações

Green Book: oscar merecido!

Finalmente assisti Green Book, o último vencedor do Oscar. Minhas notas:

1. Belíssimo filme. O Oscar acertou dessa vez. Melhor que todos os que assisti da lista deste ano (ainda não vi A Favorita e o filme da KKK).

2. Uma pessoa vítima de preconceitos pode ser também preconceituosa.

3. A saída não é a violência e nem o vitimismo. É manter sempre o senso de dignidade humana, mostrando o absurdo da situação.

4. A verdadeira amizade é aquela que melhora constantemente os amigos. E existe o momento que eles precisam ser duros um com o outro.

5. Fui escutar um disco do Don Shirley. Absurdo de bom.

6. Deu vontade de comer KFC.

7. A américa foi construída também por imigrantes, mas imigrantes que assumiram a cultura americana como suas.

Cinema é, antes de tudo, diversão

Quando se gosta de cinema, e de filmes chamados “de arte”, há sempre uma tentação de se olhar com superioridade, como se fosse o intelectual cinéfilo que enxerga o que os simples mortais são incapazes de ver.

Bobagem.

Cinema é entretenimento. Pode ser algo mais? Pode, mas na sua essência é arte visual para as massas. Uma coisa não exclui a outra.

Este fim de semana queria distrair um pouco a cabeça dos problemas do dia a dia. Escolhi, pena enésima vez, ver Um Lugar Chamado Notting Hill. Comédia romântica? Pessoalmente acho este rótulo uma bobagem. O que importa é que é sim um grande filme. E continuo achando que Julia Roberts jamais esteve tão bela.

O que dizer daquela cena de havaianas dizendo que no fundo é uma garota pedindo a um garoto que a ame?

Quer saber? No fundo é isso mesmo.

Coração destroçado

Sabe quando você é rejeitado por alguém que você ama e depois de um tempo, sem ainda ter curado suas feridas, você tem que encontrar esta pessoa e tenta mostrar superioridade?

O resultado é um retumbante fracasso. Você planeja o que vai fazer e toma decisões erradas com uma rapidez extraordinária, terminando por fazer um papel patético e deixando claro que a pessoa tomou a decisão certa de te deixar. Com alguma sorte pode pelo menos aprender uma grande lição: que se você precisa se fazer de superior é porque não é. E que a melhor coisa a fazer é ser prudente e evitar contato enquanto está emocionalmente arrasado.

O filme Nunca Convide seu Ex está no netflix e mostra bem isso. Se você nunca passou por esta situação, provavelmente não vai gostar do filme e vai achar as situações muito forçadas. Mas se você já passou… meu irmão… é daquele jeito mesmo. É vergonha em cima de vergonha.

Eu tenho na minha memória afetiva o papelão que fiz em Campinas, vinte anos atrás. O filme me fez voltar no tempo e remoer as tristes lembranças que tenho daquele período em minha vida. Eu não tinha a menor condições de confrontar minha ex e insisti. Que papelão!

Você tenta provar que ela estava errada em te trocar e termina dando a ela a certeza que tomou a melhor decisão. Patético é pouco.