Mais uma falácia sobre aborto

Os defensores do aborto gostam de dizer que não são a favor do aborto, apenas defendem a liberdade da mulher em optar pela continuação da gravidez. Argumentam que não há como impedir que o aborto seja feito e por isso é melhor liberar para que seja feito em melhores condições.

Um repórter do Los Angeles Times mostra que não é bem assim:

Dr. Andre Lalonde, executive vice president of the Society of Obstetricians and Gynecologists in Ottawa, worries that Palin’s now renowned decision may cause abortions in Canada to decline as other women there and elsewhere opt to follow suit.

O que faz um médico se preocupar que o número de abortos diminuam em um determinado país? Por que a preocupação que mulheres sigam o exemplo de Sarah Palin? Mostra que o argumento de que no fundo é contra o aborto é uma falácia apenas para angariar simpatias e que este papo de liberdade para decidir é da boca para fora. O que este médico está defendendo é que as mulheres não dêem luz a crianças imperfeitas para seus padrões.

É triste constatar que décadas depois do fim do nazismo ainda tenhamos pensamentos como esse.

Mais sobre a entrevista de Marco Aurélio de Melo

Não fui o único a questionar a entrevista de Marco Aurélio na Veja da semana passada. Segue o link para uma carta aberta de Jorge Luiz Mauad para o Ministro.

Carta Aberta

A maioria dos argumentos são os mesmos que usei aqui no blog. Mauad, entretanto, foi muito mais sagaz do que eu na resposta de Marco Aurélio sobre o aborto:

“Esse tema é cercado por incongruências. Temos 1 milhão de abortos clandestinos por ano no Brasil. Isso implica um risco enorme de vida para a mulher. Na maioria das vezes, o aborto é feito em condições inexistentes de assepsia, sem um apoio médico de primeira grandeza. Há uma hipocrisia aí. O aborto é punido por normas penais, mas é feito de forma escamoteada. Nosso sistema é laico. Não somos regidos pelo sistema canônico, mas por leis. A sociedade precisa deixar em segundo plano as paixões condenáveis.”

Mauad fez um exercício simples e trocou a palavra aborto por assalto, mostrando que o mesmo argumento poderia servir para a liberação do assalto no Brasil. Vejam como ficaria o texto:

“Esse tema é cercado por incongruências. Temos mais de 1 milhão de assaltos clandestinos por ano no Brasil. Isso implica um risco enorme de vida para o assaltante. Na maioria das vezes, o assalto é feito em condições precárias, sem um apoio de primeira grandeza. Há uma hipocrisia aí. O assalto é punido por normas penais, mas é feito de forma escamoteada. Nosso sistema é laico. Não somos regidos pelo sistema canônico, mas por leis. A sociedade precisa deixar em segundo plano as paixões condenáveis.”

Como eu, a maior surpresa de Mauad foi deste tipo de argumentação ter vindo de quem veio. Fosse um militante qualquer o destino desta entrevista seria a lata de lixo, mas se tratando de um Ministro do STF e um dos mais admirados, a perplexidade foi maior que o usual. Ainda não li as cartas dos leitores da Veja, mas imagino que haverá repercussões. Veremos.

Aborto de Anencéfalos, entrevita com Marco Aurélio Mello

Chesterton conta em sua obra Ortodoxia que não foi a Bíblia ou livros de filosofia cristão que o fizeram abraçar o cristianismo, foi justamente o contrário. Foi através da leitura de livros que defendiam o ateísmo que tornou-se cristão. Os argumentos que defendiam a não existência de Deus foram os que o convenceram que Deus não só existia de fato como era a única explicação razoável para a existência.
Pensei nisso quando li a entrevista do Ministro Marco Aurélio Mello na Veja da semana passada. Tratou do julgamento da extensão do direito de aborto para os anencéfalos. Até agora evitei tocar neste assunto espinhoso porque sinceramente levanta-me todas as dúvidas possíveis. Pensar em uma criança sem cérebro me dá até um calafrio e nem consigo imaginar a dor que os pais devem sentir diante de uma situação destas.
Marco Aurélio defende seu ponto de vista a favor deste tipo de aborto. Conseguiu me convencer. Ao final do texto eu já era contra o aborto de anencéfalos. Se estes são os argumentos para defender a extensão da lei só posso colocar-me contra.
Reproduzo aqui a entrevista e a minha perplexidade com os argumentos do Ministro.

Por que o senhor defende o aborto de anencéfalos?
Para mim é pacífico: não há a menor possibilidade de sobrevivência quando não se tem cérebro. A situação do anencéfalo é muito clara: não há nenhuma possibilidade de vida futura. No entanto, é fundamental dizer aqui que não se trata de obrigar a mulher a praticar a interrupção da gravidez. Ela tem total liberdade de escolha. É um direito dela.

De fato uma anencéfalo tem uma expectativa de vida reduzidíssima, mas qual o horizonte que o ministro está falando? Temos no Brasil o exemplo de uma menina que viveu até 1 anos e 8 meses, falecendo por motivo alheio à própria anencefalia. Evidente que nunca poderá fazer nada de produtivo e sua sobrevivência se limita a alguns reflexos, mas não teria esta criança o direito a sobreviver? Não seria o mesmo caso da eutanásia? Se um paciente tiver morte cerebral a eutanásia é permita ou não? Que eu saiba inda é.

O senhor defende a tese de que esse tipo de aborto de fetos anencéfalos seja caracterizado como “interrupção terapêutica da gestação”. Qual é o amparo legal para essa proposta?
O Código Penal viabiliza a interrupção terapêutica da gravidez quando há risco de vida para a mulher. No meu entender, o risco de vida não é apenas uma questão relacionada à integridade física, mas à saúde num sentido muito mais amplo. Estou me referindo aqui à saúde psicológica da gestante. A gravidez de um feto anencéfalo traz danos irreversíveis à mulher tanto do ponto de vista físico quanto do psicológico. E digo mais: quando o Código Penal foi elaborado, em 1940, não havia tecnologia médica para detectar malformações fetais. Se esse tipo de diagnóstico fosse possível naquele tempo, muito provavelmente a interrupção da gestação de fetos anencéfalos já estaria prevista no Código Penal.

Aqui o Ministro pratica uma generalização muito perigosa que na prática pode ser estendida a qualquer situação de aborto. Como se definir a extensão de um possível trauma psicológico? Não estou fazendo pouco da dor que os pais devem sentir ao saber que possuem um filho nesta situação, mas quando o Ministro afirma que os danos serão irreversíveis está extrapolando e muito.

Também não adianta muito tentar adivinhar o passado e dizer que se o diagnóstico fosse possível em 1940 não haveria esta situação no código penal. Agora é possível, o código penal pode ser modificado por lei ordinária. Por que não debater o assunto no Legislativo de forma ampla? Por pior que seja ainda é a expressão da vontade popular e cabe ao Congresso legislar.

Ah, desconfio sempre quando a questão semântica entra na argumentação. Interrupção terapêutica da gravidez? Pode chamar do que desejar, mas continua sendo aborto. Por que evita o nome correto, Ministro?

Em 2004, o plenário do STF derrubou uma liminar concedida pelo senhor que autorizava a interrupção da gestação de anencéfalos. Por que o senhor decidiu trazer o assunto à tona novamente?
Tomei como base o resultado da recente votação na corte do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. Se esse debate tivesse ocorrido em 2004, muito provavelmente o resultado não teria sido o mesmo. Embora a decisão a favor do uso de células-tronco tenha sido apertadíssima (6 votos contra 5), representou uma abertura do Supremo. Por isso, acredito que agora a Casa aprovará a interrupção da gestação de anencéfalos. Desta vez, a votação será menos apertada do que foi no caso das células-tronco. Diria que teremos um 7 a 4 ou um 8 a 3. E, depois que o Supremo bater o martelo, não adiantará recorrer ao Santo Padre.

A citação do papa da forma que Marco Aurélio fez não é gratuita e o desmerece. É um dos que acreditam que alguém só pode se opor ao aborto por convicções religiosas. Não é bem assim e mesmo que fosse a religião não é um simples conjunto de dogmas que alguém decide seguir, é a aceitação de uma verdade para a existência. Está ligado aos valores morais que uma pessoa acredita.

O senhor acredita que a maior flexibilização do STF abre a possibilidade para a discussão do aborto em geral?
Sem dúvida. O debate atual é um passo importante para que nós, os ministros do Supremo, selecionemos elementos que, no futuro, possam respaldar o julgamento do aborto de forma mais ampla. O sistema atual está capenga. Por que a prática de aborto de fetos potencialmente saudáveis no caso de estupro é permitida? Esse tema é cercado por incongruências. Temos 1 milhão de abortos clandestinos por ano no Brasil. Isso implica um risco enorme de vida para a mulher. Na maioria das vezes, o aborto é feito em condições inexistentes de assepsia, sem um apoio médico de primeira grandeza. Há uma hipocrisia aí. O aborto é punido por normas penais, mas é feito de forma escamoteada. Nosso sistema é laico. Não somos regidos pelo sistema canônico, mas por leis. A sociedade precisa deixar em segundo plano as paixões condenáveis.

Chegamos ao ponto mais perigoso. O Ministro está usando o aborto dos anencéfalos como um passo para alcançar o aborto para qualquer caso, e mais mostra que foi desta forma que tratou a questão das células-tronco. O sistema atual não está capenga mas trás uma questão que pouca gente gosta de tocar: por que o aborto em caso de estupro é permitido? Qual a culpa da criança pelo ato cruel que a mãe foi submetida? É lítico corrigir um mal com outro mal?
Outra vez a estatística mágica de 1 milhão de abortos clandestinos. Nunca houve esta pesquisa, trata-se de um número jogado no debate sem qualquer relação com a realidade. Que um Ministro do STF utilize uma estatística sem fonte nenhuma é algo que preocupa-se. Só faltava ele citar o Temporão como fonte. Sim, somos regidos por leis e até onde sei a maioria da população brasileira é contra o aborto. Por mais que Marco Aurélio discorde não cabe a ele corrigir a sociedade. Pode até tentar convencê-la, o que é bem diferente.

Isso vale para os ministros do STF? Quem votar contra a interrupção da gestação de fetos anencéfalos estará sendo regido por “paixões condenáveis”?
Não temos, no Supremo, semideuses. Temos homens – homens que podem cometer falhas na interpretação da Constituição.

Na prática disse que quem votar contra sua idéia está falhando na interpretação da Constituição. Se eu fosse Ministro do STF perguntaria ao colega o que ele quer dizer com isso? Na minha terra significa que o Sr Marco Aurélio considera-se o dono da verdade, o que é sempre muito perigoso.

O senhor pensava em ampliar a discussão sobre o aborto ao convocar o debate atual?
O tema anencefalia é um gancho para discutir situações mais abrangentes e fronteiriças. Em minha opinião, os casos de interrupção de gestação de anencéfalo e os de aborto de forma mais abrangente, quando a gravidez não é desejada, possuem um ponto importante em comum: o direito de a mulher decidir sobre a própria vida. O princípio que está em jogo nessas situações é o do direito à liberdade.

E como fica a liberdade do feto em viver?  Cuidado com o conceito de liberdade, Ministro.

Para os que se opõem ao aborto, no entanto, a mulher não tem direito a essa liberdade. A Igreja Católica, por exemplo, argumenta que a vida deve sempre ser acolhida como um dom.
É preciso esclarecer que a vida pressupõe o parto. O Código Civil prevê o direito do nascituro, ou seja, daquele que nasceu respirando por esforço próprio. Enquanto o feto está ligado ao cordão umbilical, a responsabilidade é da mulher que o carrega. Quando a vida é totalmente improvável ou indesejada, deve ser discutida.

Discordo completamente do Ministro. A vida não pressupõe o parto. Os direitos civis sim, o que é bem diferente. A responsabilidade é da mulher mas não significa que possa fazer o que quiser com seu filho. Este é o entendimento na sociedade brasileira e deve ser respeitada.
Não vejo lógica neste raciocínio. Imagine um bebê uma hora antes de nascer. Já está completamente formado. Para Marco Aurélio ainda não é uma vida. Uma hora depois, quando sair da barriga de sua mão passa a ser vida. O Ministro pode não ter percebido, mas este é um verdadeiro ato de fé pois pressupõe que a criação da vida é uma ato instantâneo. Nem os cristãos que tanto acusa chegaram a este ponto…

Dessa forma, o debate se estende para outras áreas, talvez até mais pantanosas do que o aborto, como a eutanásia.
A eutanásia pressupõe uma irreversibilidade da vida. Mediante laudos médicos que comprovem o quadro, as decisões poderão ficar a cargo de outra pessoa. Afirmo isso com base no princípio da dignidade da pessoa humana. E não pode haver dignidade com uma vida vegetativa.

O Ministro trata como fato algo que é apenas uma crença sua. Novamente mostra que está tudo interligado com os objetivos de liberar o aborto e a eutanásia. Tudo sem passar pela decisão da sociedade. Marco Aurélio quer mesmo é legislar.

Mas o STF está preparado para discutir esses assuntos?
Meu tempo na corte dura mais oito anos, quando completarei 70 anos. E tenho certeza de que ainda estarei aqui quando essas discussões acontecerem. A tendência é de uma abertura cada vez maior do Supremo em relação a esses temas. Mesmo porque outros ministros, alguns com visões mais conservadoras, se aposentarão antes de mim

Um homem da envergadura de Marco Aurélio nunca poderia usar um argumento destes. Está apostando na aposentadoria dos ministros que chama de conservadores para poder valer sua opinião. Será que tem tão pouca confiança assim nas próprias idéias?

Como católico, o senhor não entra em conflito por suas convicções a respeito desses temas?
Nenhum. Não potencializo a religião a ponto de colocar em segundo plano a razão. Tenho consciência de que exerço a missão sublime de julgar conflitos que envolvem meus semelhantes. Por isso, sei que devo atuar com absoluta espontaneidade. Só acredito no estado julgador se aquele que o corporifica atua com sua própria consciência, sem se deixar intimidar. Sou acima de tudo um interlocutor da sociedade. Nós, integrantes do Supremo, os guardiões maiores da Constituição, não podemos nos render à apatia, que é o mal do nosso século. A Justiça tem o dever de agir sempre que for provocada.

Um interlocutor da sociedade? Qual sociedade? A maioria da população brasileira defende valores identificados com o conservadorismo, incluindo o aborto. Vai ver ele aposta na aposentadoria desta maioria também.

Por que um tema de tanto impacto como o aborto de anencéfalos será definido no STF e não no Congresso?
Porque o Supremo Tribunal Federal é a última trincheira do cidadão.

Que cidadão? O que defende o aborto? E o que é contra? O feto não vou nem falar, o Ministro já deixou claro que não é nem vida, quanto mais um cidadão. É bom lembrar o Ministro que os interlocutores estão no Congresso e não no STF. Pelo menos eu não lembro de ter votado nele.

Concluo:

Marco Aurélio lembrou de muitas coisas que acredito e deixou claro que as liberação da pesquisa com células tronco foi apenas um passo para conseguir a liberação do aborto no Brasil sem o consentimento da sociedade. Assim não se faz. Se querem defender que a mãe possa decidir se terá ou não o filho que carrega que discutam as claras no fórum adequando, o Congresso. Mesmo assim, após a decisão ainda seria o caso de um plebiscito pela importância do tema.

Aborto de Anencéfalos, qual o critério?

Vejam e comparem:

“O ministro não pretende convidar parentes de bebês com anencefalia, como a mãe da menina Marcela de Jesus Ferreira, que, apesar de ter sido diagnosticada com anencefalia, viveu 1 ano e 8 meses. ‘Vamos atuar mais no campo técnico’, afirmou”;[1]

Paz e alívio. Foi assim que Michelle Gomes, de 28 anos, definiu como se sentiu após interromper a gravidez de um feto anencéfalo, em 2004. Michelle foi convidada pelo ministro Marco Aurélio de Mello a falar na terceira audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal) que debate a descriminalização do aborto de anencéfalos.[2]

Por que Marco Aurélio de Mello disse que não iria convidar as mães de bebês anencéfalos mas convidou uma mulher que abortou um bebê nestas condições? Não estou nem entrando no juízo da questão mas se o processo é para decidir se o aborto pode ser estendido a anencéfalos não seria razoável que ambas as partes fossem consultadas? Ou estou delirando? Se a questão é técnica como disse Marco Aurélio, por que o depoimento de Michelle? Por que não ouvir as duas mães? De que tem medo o ministro?


[1] GALLUCCI, Mariângela. STF debate sobre fetos anencéfalos. Recife, Jornal do Commercio, 10 ago. 2008. Disponível em: http://jc.uol.com.br/jornal/2008/08/10/not_294060.php

[2] LOCATELLI, Piero. http://cienciaesaude.uol.com.br/ultnot/2008/09/04/ult4477u969.jhtm