São Paulo, 7 graus

Cheguei ontem em São Paulo para participar da Feira Hospitalar 2022. O Brasil é um país grande, mas pequeno. Descobri que ia dividir painel com um colega de infância da minha irmã, lá de 40 anos atrás. Realmente minha memória me surpreende às vezes!

Cheguei ao hotel por volta das 19:30 e já estava um vento para lá de gelado, mesmo assim, tomei coragem e fui caminhar. Confesso que os primeiros 10 minutos foram insuportáveis. Depois que o corpo aqueceu, virou suportável, mas nunca confortável. Enfim, mais uma pequena vitória. É importante solidificar os hábitos pois sempre tem um motivo para fugir em direção ao conforto.

Hoje amanheceu até com um solzinho, mas ainda com o vente super gelado e 7 graus no termômetro. Só vou para a feira as 11, de modo que dá tempo para uma corridinha. Ui.

Devemos terceirizar nossa saúde?

Instigado por minha esposa, comecei a ler A Medicina do Amanhã, do médico neurologista brasileiro Pedro Schestatsky. Trata-se de um livro que nos dá muito o que pensar pois questiona o mindset que nós temos sobre saúde. De modo geral, este mindset tem alguns princípios:

  • o médico é soberano em relação ao paciente
  • médicos e remédios são a solução para as doenças
  • sem não tem sintoma, não há o que se preocupar
  • renumeração do médico baseado em consultas
  • paper vale mais que experiência em tratamentos reais
  • ignora-se o conflito de interesses na relação das farmacêuticas com os médicos (covid que o diga!)
  • conceito de saúde como ausência de doença

O ponto principal do autor é que saúde vai muito além de ausência de doença. Temos hoje condições privilegiadas pelas tecnologias e genética para prever doenças antes que elas aconteçam e ter assim um papel mais ativo, de prevenção, que depende muito mais do paciente do que um tratamento. Ele chamou este mindset de MAP: movimento, alimentos e pensamento.

Gostei muito do enfoque. Muda a perspectiva e coloca questões centrais sobre a medicina que vale uma séria reflexão e nos convida a assumir responsabilidade por nossa própria saúde.

Porque andei sumido

De uns tempos para cá tenho escrito bem menos neste blog por uma série de motivos. Chegou a hora de ar algumas explicações, até para saberem que estou vivo (e muito bem!).

Não foi um único fator, mas uma conjunção de várias coisas que estão acontecendo ao mesmo tempo.

Em primeiro lugar, o job tem me exigido mais e o pouco tempo que tem me restado tenho dedicado a outras prioridades. As viagens também se intensificaram e realmente não acho muito tempo para escrever quando estou fora de casa.

Ou segundo motivo é que tenho feito uma espécie de detox digital. Tenho lido alguns livros como “Minimalismo Digital” que ma despertaram para algo que sempre soube: não é saudável ficar tanto tempo na internet. Por isso, tenho dado mais espaço para anotações analógicas, seja nos meus cadernos moleskine ou no bullet journal que mantenho.

Por fim, este ano estou realmente investindo em mudança de hábitos e um deles é ter uma vida mais saudável. Significa priorizar mais a parte física, o que me exige mais tempo. O resultado é que perdi mais de 10 kg desde 25 de janeiro, quando comecei meu projeto de novos hábitos. Há um longo caminho para percorrer, mas já tenho me sentido bem melhor.

Significa que vou parar com o blog? Não. Mas tenho pensado em uma mudança de propósito. Acho que acabo misturando coisa demais por aqui e acaba perdendo o interesse para a maioria, ainda mais em uma época em que os vlogers dominam a atenção das pessoas. Tenho refletido em tornar este blob mais pessoal, mas intimista, voltado para as pequenas coisas do dia a dia, com as ligações com a cultura a nossa volta. Não sei. Apenas especulando ainda.

Enfim, 2022 tem sido um ano de mudança de hábitos, para melhor.

Jane Eyre: algumas notas

  1. Trata-se de um romance moral. Jane tem a consciência do que é certo e enfrenta as tentações que tentam afastá-la do caminho.
  2. A Sra Reed, e algumas professoras do orfanato, a levam ao ódio. No entanto, é no orfanato que convive brevemente com uma menina que lhe deixará uma marca profunda em sua vida.
  3. Helen Burns lhe ensina o valor das provações, a força da providência divina e a confiança que temos que ter em Deus. Essas noções ficarão gravadas em sua alma.
  4. Ela vence o ódio à tia no leito de morte dela. Infelizmente a tia não aceita seu amor e morre amargurada, devorada pelo ódio.
  5. Em Rochester ela enfrenta a tentação de viver com o homem que ama integralmente, mas em uma situação imoral, escondida de todos. Termina por fugir, abandonando tudo e disposta aos maiores sacrifícios para manter sua virtude.
  6. Em St John ela sofre a tentação de abrir mão de sua consciência para satisfazer uma vontade implacável, que usa o nome de Deus para justificar suas atitudes.
  7. Na herança que recebe de forma inesperada, tem a oportunidade de praticar a caridade, abrindo mão da maior parte para ajudar os primos recém descobertos.
  8. A providência divina mostra sua força na conversão de Rochester, que em um ato heróico perde a visão e uma das mãos, mas livra-se de seu orgulho no processo. É como se Helen Burns tivesse feito uma profecia.
  9. O orgulho também é implacável em St John, que recusa aceitar Jane em outros termos que não sejam os seus.
  10. No fim, Jane tem a oportunidade de mostrar seu amor, escolhendo viver com o homem que ama, a quem se dedicará de corpo e alma para superar todas as dificuldades das suas deficiências.

O força do ódio

O ódio destrói a pessoa. Por mais que alguém possa fazer mal a outra pessoa, o sentimento corrói principalmente quem odeia, a ponto de destruir seu espírito.

Pelo menos foi o que apreendi de duas obras esta semana.

A primeira foi o filme There Will Be Blood, conhecido no Brasil pelo título equivocado de Sangue Negro¹. O personagem principal Daniel Plainview é um homem amargurado desde o início e tem sobretudo uma luta de ódio contra Deus, pelos revezes que sofre durante a vida começando pela sua perna, passando pela surdez do filho adotivo, a forma como foi enganado pelo falso irmão e terminando na humilhação que sofre na igreja do falso profeta. Se vinga de todos, mas termina sozinho como um alcóolatra. Fez mais mal a si mesmo que aos outros, daí o sobrenome (visão estreita).

A segunda obra é o romance Jane Eyre, que estou pela metade. A personificação do ódio está na tia de Jane, a Senhora Reed, que até o fim se recusa a aceitar a sobrinha e morre amargurada recusando o consolo da única pessoa que no fim realmente se importou com ela. No início do romance, Jane se revolta contra os maus tratos, explode com tia e jura que vai odiá-la para o resto da vida. Só que com o tempo deixa de alimentar o ódio e no fim termina com pena da tia.

As duas obras, uma do cinema e outra um clássico da literatura, mostra que alimentar o ódio apenas consome o espírito, nos afastando da paz que precisamos para levar nossas vidas. No fim, somos consumidos por eles e nos tornamos uma espécie de monstros, pois o ódio nunca fica restrito, vai se espalhando por todas as nossas relações a ponto de nos afastar de todas as conexões reais, restando-nos a solidão que nos acompanhará em nosso fim.

O ódio é uma forma de atingir o próximo fazendo mal a si mesmo.

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¹ Os títulos em português, na maioria das vezes, são um equívoco porque passam para a pessoa uma perspectiva errada da obra. Sangue Negro induz quem assiste a pensar que o filme é sobre o petróleo, a cobiça do homem, capitalismo, etc. Não se trata disso. O petróleo é o contexto da história, que na verdade trata das relações de um homem ambicioso e amargurado com as pessoas a sua volta. Já o título original, There Will Be Blood sugere uma tensão, de algo sangrento está para acontecer, o que acaba acontecendo de forma até inesperada, com uma arma improvável. Infelizmente nossa indústria cultural, que entre outras coisas define o título em português, só consegue enxergar o mundo em termos marxistas, o que termina por colocar algo que é apenas material (a questão econômica) no centro de um filme que na verdade trata do espírito.

Não Olhe para Cima e a pergunta de Pilatos

Finalmente assisti o tal Não Olhe Para Cima (Don´t Look Up). Sim, sou desses que quase nunca acompanha a multidão. Quando esquecem de um assunto é que começo a me interessar por ele. Retornemos.

Trata-se de uma sátira à sociedade atual, que acerta em muitos pontos, mas que gerou um estranho fenômeno. Muita gente enxergou o filme como uma crítica ao “outro lado”, o que evidencia que somos justamente o que é satirizado no filme. Estamos em bolhas, incapazes de qualquer empatia e imersos em nossas prisões mentais.

A fala mais importante do filme é quando o cientista grita na entrevista final que é impossível comunicar desta maneira. É isso mesmo. O maior perdedor da modernidade é a própria idéia de verdade e sem colocá-la no centro da existência em sociedade, o que resta são discursos e narrativas, que estão livres para defender qualquer absurdos, assim como estamos livres para escolher a “verdade” que mais nos convém. Não queremos saber, queremos ser felizes.

O filme inteiro fiquei pensando em Poncio Pilatos e a pergunta fundamental que fez ao Cristo: o que é verdade?

Pilatos não pergunta qual é a verdade, o que implicaria em aceitar a idéia da verdade. Ele faz uma pergunta retórica para o Cristo, o que é. Não que queira saber, não se trata disso, mas de uma pergunta que esconde uma convicção: que a verdade é aquilo que precisa ser estabelecido para sustentar os próprios planos. A verdade passa a ser um instrumento e não um fim.

Vivemos a era da manipulação e só vai piorar.

Pode ser uma imagem de 3 pessoas, pessoas em pé, terno e área interna

Máscaras que caem

O Rio de Janeiro segui o exemplo do Duque de Caxias e aboliu a obrigatoriedade do uso de máscaras tanto em ambiente interno quanto externo. Achei acertado. Qual o problema de manter por mais um tempo, dizem os críticos. Explico minha posição.

A esmagadora maioria das pessoas partem do princípio que o uso contínuo de máscaras não causam nenhum dano à saúde, é apenas um incômodo. Sendo assim, qual o problema em usá-las? Na dúvida, dizem, custa nada mantê-las. Só que realmente não custa nada? E se elas fizerem mal para a saúde? Uma coisa é usar uma máscara por uma ou duas horas em ambiente cirúrgico, mas usar todos os dias, o tempo inteiro, durante dois anos, será tão inofensiva assim?

É fácil defender o uso contínuo das máscaras quem trabalha em casa e só usa para ir no mercado ou pegar o elevador do prédio, mas a imensa maioria dos brasileiros passam o dia com a máscara no transporte, no trabalho, no caixa do mercado, no guichê do metrô, no atendimento ao público. Será que não fazem nenhum mal para o nosso organismo?

Será que podemos fazer esta pergunta, sobre custo e benefícios, ou é mais um dos assuntos tabu, proibidos de se questionar em nome da ciência, este novo deus que nos pena nada mais e nada menos que a obediência cega a seus profetas?

Quando vejo a Bíblia falando que haverão falsos profetas, penso logo nos cientistas modernos.

O livro dos tempos atuais: Números

O nome deste livro veio da tradução grega, mas no original hebreu seria algo como “na terra selvagem”, ou seja, no deserto. Conta a história de Israel, logo após o episódio do bezerro de ouro, em sua peregrinação de 40 anos em busca da terra prometida.

O número 40 tem um simbolismo especial na Bíblia, de teste. Israel falha muitas vezes. Diante da dureza do desafio, já no terceiro dia reclama de Moisés e questiona se não seria melhor ter ficado no Egito, mesmo que sem liberdade. No centro uma questão muito atual: você abriria mão de sua liberdade pela ilusão da segurança?

É uma ilusão porque a verdadeira segurança está na terra prometida. A segurança sem liberdade é uma das maiores mentiras que o homem pode acreditar, pois implica sempre em escravidão, mesmo que disfarçada.

Este é o mundo da pandemia, que tem no Canadá hoje o melhor exemplo.

Não podemos esquecer que talvez a maioria dos canadeneses aprovem o que Trudeau está fazendo, como a maioria do povo hebreu queria voltar para o Egito. De certa forma, Israel no deserto prefigura o provo canadense hoje. Falta o Moisés para lembrá-los sobre a verdadeira liberdade. No Egito só encontrarão a morte do espírito e a submissão, confortável, não nego, mas mesmo assim submissão.

O simbolismo na Flauta Mágica

A professora Lúcia Helena Galvão apresenta neste vídeo do YT uma interpretação simbólica de uma das obras primas da ópera, a última obra de Mozart, A Flauta Mágica.

Seguem minhas notas pessoais sobre o vídeo:

  • serpente como sabedoria em busca de Tamino
  • triangulo inferior: aponta para a matéria: 3 damas da rainha da noite
  • triangulo superior: aponta para o eterno: as 3 crianças
  • Pamina: parte elevada da alma, consciência
  • Papageno: parte do homem ligado à matéria
  • 4 elementos da alquimia
    • terra: matéria
    • ar: emoções
    • água: energia, o que nos anima
    • fogo: mente
  • Papageno relaciona-se com o ar: só quer bens materiais e recompensas terrenas: uma papagena
  • Rainha da Noite: domínio sobre as coisas da matéria
  • Tamino deve sair do reino da rainha da noite e viver na luz
  • fases da alquimia
    • obra em negro: entender a si mesmo // remete à noite escura da alma. Adormecer para os sentidos e assumir a própria condição
    • obra em branco: purificação
    • obra em vermelho: ligação com o divino
  • branca de neve: cabelos negros, pele branca, lábios vermelhos – símbolo das fases alquímicas
  • sino de prata: prata como simbolo da lua, matéria
  • flauta de ouro: domínio sobre o espiritual
  • Zarastro: luz, solar, conhecimento
  • Rainha da Noite quer impedir que Tamino ganhe o reino da luz
  • rainha da noite foi casada com um sacerdote // um anjo caído?
  • Papageno aceita casar com a “velha” Papagena: mérito, quer algo mais importante que a aparência, uma companhia

O que ando lendo

1

Distracted (Maggie Johnson).

O livro aborda o problema da distração no mundo de hoje. Segundo a autora, estamos perdendo a capacidade de ter atenção e isso tem sérias consequências para a sociedade. Um exemplo é a perda da capacidade de pensar em profundidade.

2

Dialética Simbólica (Olavo de Carvalho)

Sim, dele. O maldito, aquele que não pode ser nominado. Aquele que é criticado sem ser lido, baseado apenas em vídeos de youtube. Neste livro ele trata da relação do simbolismo com a verdadeira dialética, aquela que nos trouxe Platão e Aristóteles. Coisa fina.

3

Vida de Moisés (São Gregório de Nissa)

Uma análise espiritual dos livros que narram a trajetória de Moisés, desde seu nascimento, passando pela fuga do Egito até chegar na beira da terra prometida. São Gregório mostra como a leitura simbólica é muito mais profunda, e rica, que a literal.

4

Por que ler os clássicos? (Ítalo Calvino)

O ensaio que abre o livro, e que lhe dá o título, é uma das coisas mais brilhantes que ele escreveu.

5

Números, Deuteronômio e Salmos (Bíblia)

Segundo o programa de leitura da Bíblia em um ano, comecei hoje Números e Deuteronômio, que narram os 40 anos de peregrinação de Israel pelo deserto. O número 40 é muito associado na Bíblia a teste. A jornada foi um grande teste para Israel, que inúmeras vezes foi infiel ao Senhor.

6

Suma Teológica (volume 3)

Continuando o projeto de ler a Suma em 5 anos, estou no Tratado sobre a Esperança, uma das três virtudes teologais.