Spe Salvi – Bento XVI

Bento XVI

Por: Marcos Heleno Junior

“SPE SALVI facti sumus” __ é na esperança que fomos salvos: diz São Paulo aos Romanos e a nós também.

Em sua segunda encíclica, Bento XVI debate o papel da fé na salvação do homem. Não se trata de uma fé conformista que poderia nos levar a aceitar as injustiças deste mundo; é preciso agir. É salvando o próximo que o homem se salva. O homem que tem esperança verdadeira, manifesta-se pelo amor, pela compreensão ao próximo, pela caridade. A esperança modifica o presente em função do futuro, pois é um guia para as escolhas que fazemos, pela forma como decidimos viver nossa vida.

A primeira idéias que o papa nos apresenta é que a fé é esperança. Mais do que isso, a fé é fundamental para vivermos a vida, pois estabelece o futuro como realidade positiva, o que ele considera essencial para tornar vivível também o presente. A mensagem cristã não é apenas informativa mas performativa, “é uma comunicação que gera fatos e muda a vida“.

Argumenta que o cristianismo não trouxe uma mensagem sócio-revolucionária semelhante à de Espártaco na libertação dos escravos; a mensagem do cristianismo era “o encontro com uma esperança que era mais forte do que os sofrimentos das escravatura e, por isso mesmo, transformava a partir de dentro a vida e o mundo.” O cristão tem neste mundo uma morada provisória em busca de uma futura pois pertencem a uma sociedade nova, rumo à qual caminham.

Não são os elementos do cosmo, as leis da matéria que, no fim das contas, governam o mundo e o homem, mas é um Deus pessoal que governa as estrelas, ou seja, o universo; as leis da matéria e da evolução não são a última instância, mas razão, vontade, amor: uma Pessoa.

Discutindo o significado da fé, retoma o Novo Testamento e uma polêmica dos primeiros tempos da reforma. Na Carta aos Hebreus, existe uma definição para fé que diz: “a fé é hypostasis das coisas que esperam; prova das coisas que não se vêem“. Na Idade Média ficou claro para os padres e teólogos que hypostasis devia ser traduzida em latim pelo termo substantia e a tradução ficaria “a fé é a substância das coisas que se esperam; a prova das coisas que não se vêem“. Lutero discordava pois o termo nada significava para seu conceito de fé e interpretou o termo hypostasis como uma disposição do sujeito e não uma substância. A tradução ecumênica ficou “fé é: permanecer firmes naquilo que se espera, estar convencido daquilo que não se vê”. Bento XVI defende que a fé não é só uma inclinação para realidades que ainda acontecerão, ela dá-nos algo. Mais do que uma crença é uma prova.

O fato de este futuro existir, muda o presente; o presente é tocado pela realidade futura, e assim as coisas futuras derramam-se naquelas presentes e as presentes nas futuras.

É essa a questão que Bento XVI traz para o século XXI: a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta nossa vida? Do batismo resgata a idéia de que a fé nos dá a vida eterna. Mas o que seria esta vida eterna? Segundo Santo ambrósio “não devemos chorar a morte, que é a causa da salvação universal“. A eliminação da morte deixaria a terra e a humanidade numa condição impossível e não traria benefícios ao indivíduo. Trata-se de um paradoxo, não queremos viver mas ao mesmo tempo não queremos existir ilimitadamente em uma terra que não foi criada com esta perspectiva. Queremos a vida verdadeira, a vida como deveria ser; aquilo que chamamos no dia-a-dia de vida, na verdade não é. Queremos, como dizia Agostinho, “a vida que é simplesmente vida, pura felicidade”.

Agostinho diz também: se considerarmos melhor, no fundo não sabemos realmente o que desejamos, o que propriamente queremos. Não conhecemos de modo algum esta realidade; mesmo naqueles momentos em que pensamos tocá-la, não a alcançamos realmente. Não sabemos o que convém pedir (…) Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância __ escreve ele. Não sabemos o que queremos; não conhecemos esta vida verdadeira; e, no entanto, sabemos que deve existir algo que não conhecemos e para isso nos sentimos impedidos.

Bento XVI  rebate também a acusação comum que a fé cristã seria individualista. Esta crítica teria surgido na Idade Moderna, o cristão teria abandonado o mundo à sua miséria “indo refugiar-se numa salvação eterna puramente privada“. Usando os argumentos de Henry de Lubac, o papa afirma que a salvação sempre foi uma realidade comunitária. Novamente é Agostinha que lembra: “o fim dos mandamentos é promover a caridade, que procede de um coração puro, de uma consciência reta e de uma fé sincera” (1 Tm1,5).

O Papa descreve também como a fé-esperança cristã foi transformada no tempo moderno, como desenvolveu-se a idéia que a mensagem de Jesus é estritamente individualista. Primeiro foi Roger Bacon com sua empolgação com as conquistas técnicas do renascimento, prevendo a vitória da arte sobre a natureza, o que significaria o domínio do homem sobre a criação, restabelecendo o que foi perdido no pecado original. Começa a surgir a idéia de restaurar o paraíso perdido na ligação da ciência com a prática, no mundo visível. A fé é deslocada para outro nível, o das coisas privadas e extraterrenas, e torna-se algo de irrelevante para o mundo. Da evolução técnico-científica surgirá um mundo totalmente novo, o mundo do homem. Era o surgimento da ideologia do progresso.

A Revolução Francesa foi uma tentativa de instaurar o domínio da razão e da liberdade agora também de modo politicamente real. Kant, refletindo sobre os acontecimentos de Paris, afirma que as revoluções acelerariam a passagem da fé eclesiástica para a fé racional, a aproximação do reino de Deus sobre a terra. Passa a haver uma expectativa imediata de sua implantação na terra. Kant alerta sobre a possibilidade de que no fim natural de todas as coisas verifique-se também um fim contrário à natureza. “Se acontecesse um dia chegar o cristianismo  não ser mais digno de amor, então o pensamento dominante dos homens deveria tomar a forma de rejeição e de oposição contra ele; e o anticristo inauguraria seu regime, mesmo que breve“.

No século XIX chegou a vez de outra revolução, a proletária. O progresso tinha que ser acelerado, era preciso o salto revolucionário. A crítica da terra já não vem mais da ciência, mas da política, uma política pensada cientificamente. Era Marx que afirmava o progresso rumo ao melhor, rumo ao mundo definitivamente bom. O alemão descreveu a situação do seu tempo e ilustrou a via da revolução com precisão. O erro fundamental do filósofo teria sido não dizer como as coisas deveriam ser após o derrubamento; ele supunha “simplesmente que, com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos bens de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém.“.

Ele esqueceu que o homem permanece sempre. Esqueceu o homem e sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo, de fato, o homem não é só o produto das condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis.

No século XX, Adorno formulou sua crítica à fé no progresso; este, visto de perto, seria o progresso da funda à megabomba. O progresso, ao mesmo tempo que abre perspectivas para o bem, abre também para o mal, possibilidades que antes não existiam. O progresso em mãos errada pode tornar-se, e tornou-se, um progresso terrível para o mal. “Se o progresso técnico não corresponde a um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior, então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo“.

Refletindo sobre esta transformação, Bento retoma sua idéia inicial. O homem tem necessidade de Deus; de contrário fica privado da esperança. O reino de Deus realizado sem Deus, o reino do homem, leva inevitavelmente ao fim perverso de todas as coisas. Razão é fé precisam uma da outra para realizar a sua verdadeira natureza e missão.

Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir.

Na parte final da encíclica, Bento XVI reafirma a necessidade da oração como escola da esperança. Mais do que pedir, a oração é um exercício de purificação interior e aprende o que deve pedir a Deus, o que é digno de Deus e não as coisas superficiais e cômodas, a pequena esperança equivocada que nos leva para longe de Deus.

Rebatendo novamente a acusação de individualismo, o papa argumenta que agir e sofrer são lugares de aprendizado da esperança. Através da ação, dos atos positivos, o homem se esforça no quotidiano para ajudar o próximo e aproximar-se de Deus. O sofrimento faz parte da existência humana, devemos fazer tudo para superá-lo, mas “eliminá-lo completamente do mundo não entra nas nossas possibilidades, simplesmente porque não podemos desfazer-nos da nossa finitude e porque nenhum de nós é capaz de eliminar o poder do mal, da cula que __ como constatamos __ é fonte contínua do sofrimento”.

O juízo final surge como o derradeiro lugar para aprendizado e exercício da esperança. Através dele entendemos que a justiça será feita além deste mundo. Não acreditar no juízo final leva o homem a duvidar de Deus pois não consegue entender como um mundo com tanta injustiça pode ser obra de um Deus bom.

Se diante do sofrimento deste mundo o protesto contra Deus é compreensível, a pretensão de a humanidade poder e dever fazer aquilo que nenhum Deus faz nem é capaz de fazer, é presunçosa e intrinsecamente não verdadeira. Não é por acaso que desta premissa tenham resultado as maiores crueldades e violação da justiça, mas funda-se na falsidade intrínseca desta pretensão. Um mundo que deve criar a justiça por sua conta, é um mundo sem esperança.

A última mensagem que o Papa apresenta é também um último esclarecimento do conceito cristão de esperança.

A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim. Como cristãos, não basta perguntar-nos: como posso salvar a mim mesmo? Deveremos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança? Então terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal.

3 pensamentos sobre “Spe Salvi – Bento XVI

  1. Pingback: A Fé Salva « Liberdade de Pensamento

  2. Saudações.

    Sobre o título do BLOG:

    Liberdade de Pensamento
    Estamos na verdadeira idade das trevas

    Gostaria de um aparte:

    Sim, estamos na verdadeira idade das trevas….. nunca um título poderia ser mais apropriado para um BLOG.

    Um BLOG que recomenda Bento XVI ….. ?????

    É difundir ignorância…

    Bento XVI é sem dúvida um dos papas mais ignorantes ….

    Confira:

    Bento XVI (24-12-08) ao lembrar do nascimento de Cristo disse que em cada criança há uma “reverberação do menino de Belém”.

    Menino de Belém (para Cristo) ? ……. um papa falando essa besteira …. ou melhor, difundindo um novo mito ?

    Até eu que não acredito nesses mitos religiosos (de nenhuma religião) sei que este mito (Cristo) refere-se a uma criança nascida na região da Galiléia, numa cidade chamada Nazaré…

    Nazaré …. donde falamos “nazareno” ……….. lembra?
    ´
    É, …… a religião faz milagres …

    …. consegue colocar nas trevas qualquer liberdade de pensamento …

    CONCLUINDO:
    PARA FALAR DE LIBERDADE DE PENSAMENTO É PRECISO COMEÇAR POR ENTENDER QUE:
    “There are no gods, no devils, no angels, no heaven or hell.
    There is only our natural world.
    Religion is but myth and superstition that hardens hearts and enslaves minds.”

    SUGESTÃO:
    Pratique o bem indiscriminadamnete.
    Seja útil em sua comunidade.
    Seja honesto consigo mesmo.
    Só divulgue o que pode ser verificado em sua essência, em seu cerne mais íntimo…aquilo que seja mais confiável.
    Combata ardentemente o comunismo em todas as versões.
    Melhor, ….. combata qualquer TOTALITARISMO.
    Afirme corajosamente ser de DIREITA.

    Atenciosamente.
    Manoel Vigas

  3. Meu caro,

    Recomendo, pelo menos, uma rápida pesquisa no google antes de falar algo com tanta certeza.

    Jesus nasceu em Belém na Galiléia. Se não lembra, seus pais tinham fugido por conta da perseguição promovida por Herodes.

    No entanto, foi criado na cidade de sua mãe, Nazaré. Por isso é chamado de nazareno.

    Não desconfiou que poderia ser muita pretensão sua saber mais que o papa sobre o nascimento de Cristo?

    Existe apenas o mundo natural? Esta é uma questão de fé sua, assim como é uma questão de fé acreditar em Deus. Particularmente, acho muito mais lógico que Ele exista; vejo evidências disso em cada pedaço da natureza.

    A afirmar sua fé no mundo natural, está acreditando em um deus também. Só não tem esse nome.

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