Quando a crise econômica explodiu no ano passado, o ponto óbvio de comparação foi a Grande Depressão, a grande crise que abalou o capitalismo nos anos 30. O nome de John Maynard Keynes foi resgatado das trevas para inspirar uma nova tropa de políticos e economistas na dura tarefa de colocar os governos para combaterem mais uma crise provocada pelas imperfeições do capitalismo. Novas políticas econômicas foram implantadas, principalmente nos Estados Unidos, para resolver um problema essencialmente econômico. Uma importante questão, entretanto, foi colocada de lado. Uma questão tão importante que poderia invalidar todos os esforços que estão sendo feitos e o sacrifício que está sendo cobrado das sociedades. E se a crise não tiver sua origem em problemas econômicos?
Esse é o ponto de reflexão que David P. Goldman usa como ponto de partida para uma série de artigos que escreveu para o Asian Times com o pseudônimo de Spengler e que aborda em artigo recente publicado no site First Things (leia aqui). Para ele, a chave de toda a confusão é a demografia.
A crise estaria fora do livro de lições da Grande Depressão. A fonte da crise atual estaria na capilaridade da economia, na mais básicas decisões individuais dos americanos que compraram imóveis. Toda a engenharia econômica é inútil porque não toca no ponto principal, a decisão dos americanos quanto a suas aposentadorias. A crise tem um caráter essencialmente democrático e repousa no caráter das pessoas.
Goldman lembra que o mercado de créditos deriva do ciclo de vida normal do ser humano. Jovens precisam de empréstimos para começar uma família ou um negócio; pessoas idosas precisam de rendimentos sobre o capital que economizaram ao longo da vida. As poupanças para aposentadoria são investidas na formação de novos chefes de família. O mercado de capitais é responsável por passar os investimentos de uma geração para outra, para que esta sustente a que se tornou idosa.
Examinando a população de potenciais compradores de imóveis, justamente cujas decisões individuais vão definir a recuperação econômica, constata-se que as famílias com filhos são o cerne do mercado imobiliário. Principalmente a com os dois pais, pois a com um só tende a ser mais pobre.
A população americana passou de 200 milhões para 300 milhões desde 1970, no entanto a quantidade de famílias com dois pais e filhos permaneceu estável durante todo este período. Em 1973, haviam 35 milhões de unidades habitacionais com três ou mais quartos; este número dobrou para 72 milhões até 2005. O número total de famílias passou de 47 milhões (1963) para 77 milhões (2005), a maior parte deste incremento deveu-se ao aumento das famílias sem filhos e ao que foi denominado “família de uma pessoa só”.
Se o mercado de capitais deriva do ciclo de vida humano, o que acontece se este ciclo parar de funcionar? E se houver realmente motivo para pânico em relação ao futuro, e se a próxima geração não existir em número suficiente? A resposta é a pobreza. Talvez o mundo esteja mais pobre agora porque a geração atual não se incomodou em criar uma nova geração. Nós estamos mais velhos e menos fecundos e como resultado somos mais pobres e ficaremos mais ainda, independente da política econômica.
O colapso do mercado imobiliário originou-se do encolhimento da quantidade de famílias que necessitam casas. E crise estourou no mercado imobiliário porque este é especialmente sensível à demografia. O governo americano e Wall Street apenas prolongaram o acerto de contas por mais tempo com a bolha imobiliária. A prosperidade que não se relaciona com a formação de uma nova geração em número suficiente é oca. O que salvou os Estados Unidos até agora é que a situação no Japão e na Europa industrializada é muito pior, o que provocou um fluxo de capital destes países para a América, até a quebra do mercado imobiliário.
Gouldman aponta que os próprios conservadores americanos possuem parte da responsabilidade. Encantados pelo sucesso econômico da era Reagan, abandonaram como se fosse supérfluo a batalha cultural e relegaram os assuntos familiares para a retórica de domingo. O sucesso de um governo republicano passou a ser medido apenas pelo crescimento do produto interno bruto ou outros parâmetros econômicos.
As crianças são a prosperidade de uma nação e poucas estão sentadas nas mesas ao redor da América; são suas ausências que fazem os americanos mais pobres. Não apenas em número absoluto, mas também na proporção de crianças com a vantagem moral e material de serem criadas por dois pais. Nenhuma política econômica substituirá as vidas que deveria ser parte dos Estados Unidos. O mercado imobiliário entrou em colapso porque solteiros substituíram a família tradicional, diminuindo a demanda por casas e aumentando por pequenos apartamentos.
Se os Estados Unidos fossem uma economia fechada, seu mercado imobiliário teria quebrado anos atrás. O paradoxo é que o restante do mundo industrializado está envelhecendo bem mais rápido do que os Estados Unidos. Investidores no Japão e na Europa não possuem jovens em suficiente número em seu país para emprestar seu dinheiro, o que causou o fluxo para outros países. Passou a existir uma demanda por tomadores de empréstimos e os Estados Unidos foram fortemente favorecidos por esta demanda, até que chegou a seu limite. O grande problema é que a maior parte dos jovens do mundo vivem em países sem mercado de capital, direitos claros de propriedade ou governos realistas. Investidores japoneses não vão financiar hipotecas na Africa e na América Latina, nem mesmo na China.
Este fluxo de investimentos para os Estados Unidos provocou uma grave distorção em sua própria economia. A geração pós segunda guerra concluiu diante da rápida valorização dos preços dos imóveis que poderiam investir em casas e vendê-las um dia, uns aos outros, por preços exorbitantes. A poupança interna foi substituída por hipotecas e depois de 15 trilhões de redução dos valores imobiliários, estão poupando o máximo que podem. Com todo mundo poupando e ninguém guardando, a economia entra em colapso, exatamente o que está acontecendo. A geração que estava próxima da aposentadoria está descobrindo que vai ter que trabalhar mais 5 ou 10 anos e para ganhar menos do que sonhavam.
Em uma sociedade tradicional, as famílias criam seus filhos para suportá-los no futuro. A sociedade moderna não exige que cada família prepare sua aposentadoria criando filhos; elas podem contribuir para um fundo de pensão e este ser canalizado para os filhos de outros. Se todo mundo se aposentar ao mesmo tempo, o sistema quebra instantaneamente.
Para um problema de origem demográfica, a solução tem que ser demográfica. Goldman sugere o que seria o core de uma programa econômico orientado para a formação das famílias:
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–cortar impostos das famílias aumentando as deduções por dependentes.
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–passar parte dos custos do seguro social para os que não possuem filhos pois estas contribuem para o futuro aumento da base tributária.
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–tornar isento de imposto a despesa com filhos
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–mudar as leis de imigração para favorecer imigrantes em condições de trabalhar e formar famílias
Uma geração de americanos cresceu acreditando que a família tradicional é apenas uma escolha de estilo de vida, provavelmente não se deixarão afetar muito por estímulos econômicos. É entre os mais jovens que a mensagem pode ser mais eficaz. Os jovens sabem que a promessa de liberação sexual não trouxe nada mais que o vazio. Eles sofrem mais do que qualquer um com a quebra das famílias, que o aborto deixa marcas psicológicas que não se reparam e que seu próprio futuro foi comprometido pelas escolhas ruins de seus pais. Sem a vida, não há prosperidade; sem famílias, não haverá futuro econômico.