Modernidade

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A modernidade é a retomada da luta de Antígona contra Creonte. Assim como em Tebas, ela não te forças para vencê-lo no campo físico, apenas no moral.

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A modernidade também é a tentativa incansável de anular a lei natural pela lei humana, um empreendimento impossível, mas que deixa muito sofrimento pelo caminho. E corpos.

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Modernidade é desencanto, como dizia Corção. Separa-se a fé da razão, teologia de filosofia. O que resta é o homem fragmentado, destinado a sofrer por seus próprios excessos.

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Os artigos da Suma onde São Tomás descreve o problema do temor caem como uma luva para explicar os dias atuais. Somo a civilização marcada pelo medo.

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O excesso de temor distorce a razão e nos leva rapidamente para os caminhos da estupidez. Foi o que aconteceu na pandemia.

Entendendo o hoje na literatura: Antígona

Creonte, o rei de Tebas, impede que se enterre Polinice, deixando seu corpo apodrecer a céu aberto. Antígona recusa-se a cumprir a determinação e vai enterrar o irmão com as próprias mãos. Ela entende que as leis dos homens não podem se sobrepor às leis divinas (ou naturais) e paga com a própria vida por sua desobediência. Creonte não pode admitir que sua lei seja questionada.

Eu vejo na maioria dos governantes na pandemia, especialmente no ocidente, novos Creontes.

Temos muito a aprender com a tragédia grega.

A condição humana é a mesma dos tempos de Sófocles.

Discos de 1971: Precious Time (Pat Benatar)

Comecei um projeto pessoal de escutar discos que fazem aniversário este ano (50, 40 ou 30 anos). Um dos primeiros que escutei, e que não conhecia, é este belo disco da Pat Benatar.

Conheci esta cantora por uma curiosa lista do Adrian Smith, guitarrista do Iron Maiden, sobre os 10 discos que mais o influenciaram. No caso ele citou um da Benatar, de quem nunca tinha ouvido falar.

Precisous Time é o segundo disco que escuto dela. As letras tratam de relacionamentos partidos, com a falta de comunicação verdadeira como tema central. Uma reflexão também de como nosso tempo é curto para desperdiçarmos com o pueril.

Um rock vigoroso, com transições excelentes e um belo trabalho de guitarra. Vale a audição.

Democracia moderna: o que Shakespeare tem a dizer?

Estou relendo O Mercador de Veneza, uma das minhas peças favoritas de Shakespeare.

Uma das tramas da peça é o teste para se ganhar a mão de Pórcia, personificação da beleza e, segundo Corção, uma das personificações de Nossa Senhora na literatura.

A escolha entre as três caixas de jóias representa bem o dilema da democracia moderna. Somos seduzidos pelo ornamento e esquecemos do que pode existir no interior de cada caixa.

Ainda retomo este tema com mais tempo e cuidado.

Estação da Leopoldina: marca do descaso

Passei agora a pouco pela Estação Leopoldina, no Rio de Janeiro. Que tristeza ver o prédio abandonado, uma ruína de uma época que já se foi e que me deixa uma nostalgia do que não vivi. Como podemos gastar milhões em obras modernas, de gosto bem duvidoso, e largar ao tempo nossa história deste jeito? Ainda mais quando há sempre uma boa possibilidade de exploração turística nestes locais?

Nãos mãos de uma França, uma local como a Estação Leopoldina renderia um bom turismo. No Brasil, é um esqueleto apodrecendo a céu aberto. Um povo que não cuida da própria história não tem futuro. No plano psicossocial ainda passa uma imagem de descaso, de falta de cuidado com o que devemos amar, o que acaba se reproduzindo em nossa atitudes diante dos bens públicos. Não é por acaso que nossas cidades são tão imundas e descuidadas.

Se não cuidamos de prédios como este, vamos cuidar do que?

Liberalismo e socialismo

O liberalismo corre atrás do comunismo como a matéria corre atrás da forma, ou como, segundo Aristóteles, corre a fêmea atrás do macho. O mole ceticismo liberal tem a nostalgia das definições, tem a nostalgia dos dogmas, sem as quais a alma humana não respira.

Gustavo Corção

Isso em artigo para o Globo em 1976. Corção já alertava para a falsa dicotomia entre capitalismo e comunismo e mostrava que o liberalismo preparava o terreno para o socialismo a partir da perversão do bem e da verdade.

COVID: reflexões atuais

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Alguém perguntou no twitter, de forma séria, como alguém poderia ir a restaurantes, tirar a máscara, ficar no meio das pessoas. Parece-me que esta pessoa, assim como outros que conheço, não saem de casa desde fevereiro do ano passado, exceto para necessidades básicas. Retorno a ela a pergunta: como consegue ficar em casa por um ano e meio?

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Variante delta ou outra qualquer. Será que nunca nos livraremos deste virus maldito? A nova história da humanidade será um looping infinito de lockdowns e pânico incentivado por autoridades e mídia?

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Gado é como estamos sendo tratados pelas autoridades políticas e sanitárias na pandemia. Ninguém nos pergunta nada. E é para perguntar? O povo não sabe nada e tem que ser conduzido nestas questões, dizem os iluminados. Ou seja, gado.

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Relato 1: Uma pessoa com quase 50 anos recusou-se a tomar vacina porque a considera não segura. Pegou covid, Morreu. Relato 2: Jovem de 20 anos, soldado, tomou vacina e morreu no mesmo dia por uma trombose. Como conciliar os dois relatos? Acho que a vacina faz todo sentido para os que não tiveram covid, mas considerando a taxa de reinfecção de quem já teve, tenho sérias dúvidas para os demais.

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A democracia é governada por ditadores em potencial. Falta apenas a oportunidade e ela apareceu.

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O não-vacinado é o novo pária da sociedade. A ele, nenhum direito.

As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino

Terminei o maravilhoso livro do Calvino. Confesso que demorei para entender a estrutura da obra, o que significa que já terminei sabendo que terei que reler, até porque as capítulos que descreve as cidades invisíveis são altamente simbólicos, com uma linguagem compacta própria dos mitos.

Uma questão que me coloco: cada cidade do livro é uma possibilidade de diversos livros que desenvolvam os “mitos” que elas colocam. Só que são mitos universais, que existem desde o início dos tempos. Será que a literatura universal não seria um desenvolvimento antecipado das cidades de Calvino?

Para refletir.

Esperança

Lendo uma Questão da Suma Teológica sobre a esperança. Duas anotações:

  1. São Tomás coloca o desespero como contrário da esperança.
  2. Sabem aquela frase de quem espera sempre alcança? Está lá na Suma. Um pouquinho diferente, mas está. Diz São Tomás “Ninguém espera o que não pode alcançar”.

O Santo também coloca as 4 condições da esperança:

  1. Tem que visar um bem
  2. O bem tem que estar no futuro
  3. Deve ser árduo de conseguir
  4. Deve ser possível

1984 x Admirável Mundo Novo

Uma amiga começou a ler 1984, um excelente livro, sem dúvidas. Parece que a pandemia marcou uma crescente procura por ele, o que também me parece bem coerente. Mas aproveito a oportunidade para algumas pequenas reflexões e trago para a conversa uma outra distopia, não tão lida como 1984, mas que considero em outra prateleira em relação ao livro de Orwell, até mesmo ontologicamente.

1984 é uma distopia baseada em algo que Orwell estava vendo em sua época, não sem muita dor. Socialista, foi um daqueles que se desencantou com a União Soviética, especialmente depois do que viu na guerra civil espanhola. Sua distopia é um exercício imaginativo a partir de algo que já estava presente quando escreveu o livro, o estado totalitário policial.

Já Admirável Mundo Novo é de outra estirpe. Muito mais sutil, Aldous Huxley percebe os germes que estão presentes na ideologia progressista, que o próprio Orwell aderia junto com muitos socialistas decepcionados. Em sua distopia não havia estado policialesco, mas um que promovia a felicidade constante, inclusive com uso de drogas. A base do sistema era seleção genética e um sistema educacional que preparava desde o nascimento a criança para ficar feliz com o papel que desempenharia na sociedade (trabalhador braça, chefe, intelectual, médico, etc). A única coisa que era realmente combatida era a noção de valores morais. Família, casamento, Deus, história, nada disso era permitido. As orgias eram incentivadas para que não se houvesse laços entre homens e mulheres, os idosos eram afastados para que não houve contemplação da morte. O que Huxley descrevia era seu exercício imaginativo sobre o fim inevitável do progressismo. Um mundo em que todos são felizes, mas um mundo desumano.

Tenho muito mais medo da visão de Huxley do que de Orwell, porque esta continua presente hoje na visão das elites ocidentais por todo mundo. Deixemos os valores de lado e seremos todos felizes em um admirável mundo novo.