A política da intimidação

Há um ponto em comum na forma de lidar com a pandemia nos governos ocidentais. Digo ocidentais porque não tenho muita informação de como acontece no oriente, mas sempre sabemos alguma coisas dos países europeus e das américas. O ponto comum não é o lockdown, a vacinação, a testagem ampla, as medidas de isolamento. O ponto central foi muito bem demonstrado pela Autrália no caso Djokovic. O que une os governantes ocidentais, em níveis federal, estadual e municipal, com suas exceções, é a intimidação.

Nunca vi nada parecido em minha vida. Há uma aliança tática entre governos, mídia, academia, burocratas e big pharma em torno de um ponto comum: intimidar qualquer um que apresente qualquer objeção ao que definiram como verdade absoluta. Não importa quem seja. Pode ser um presidente da república, um prêmio nobel, um médico com 500 casos de covid tratados, um filósofo de verdade, uma mãe que perdeu o filho pela vacina; não importa. Quem ousar contrariar o dogma que foi estabelecido tem que ser ridiculizado, demonizado e retirado do debate público com desonra. É preciso intimidar antes que a coisa cresça e se torne uma bola de neve, levando as pessoas a começar a pensar que pode haver algo de podre na Dinamarca.

O argumento da seita é poderoso: ao apresentar questionamentos contra a política de enfrentamento do covid, estes negacionistas levam as pessoas comuns a tomarem decisões estúpidas que, no limite, custam vidas. Logo, é preciso neutralizá-las para proteger a população. O conjunto destes dogmas recebeu o nome carinhoso de “ciência”. É proibido questionar estes dogmas. Estamos em uma guerra e quem o fizer, é inimigo.

Isso é uma loucura. Qualquer um tem o direito de questionar qualquer política pública, principalmente quando é imposta sem possibilidade de discussão. Entendo que no início, na emergência, certas decisões tinham que ser tomadas de imediato, sem muitos dados para apoiar. O natural é cometer muitos erros, mas não fazer nada poderia ser ainda pior.

Só que já se passaram dois anos. Há dados em abundância para analisar e questionar muita coisa. Só que tudo isso foi proibido com o argumento definitivo que se trata da ciência. Pode-se observar em cada decisão restritiva de um governo, seja de que esfera for, que o único argumento apresentado é que “estou seguindo a ciência”, como se a ciência um dia não tivesse dito que o sol girava ao redor da lua ou que o mundo se aproximava de uma nova era glacial.

É justamente esta intimidação sem precedentes que me leva a questionar essa coisa toda. Se realmente há um consenso científico em torno de algo que deveria ser tão óbvio, por que essa intimidação toda? Por que um tenista tem que ser submetido a um ritual de humilhação pública para mostrar a autoridade do estado? Isso me parece aquela estória do pai que fez algo errado, sabe que errou, mas para mostrar autoridade castiga o filho com ainda mais rigor.

Tudo isso não vai passar sem graves consequências. A tirania deixa marcas e cicatrizes que não se apagam com facilidade. Neste período não faltaram tiranos e, infelizmente, massas que os seguiram convencidas que estavam promovendo o bem de todos, só esperando um sinal para iniciar o linchamento.

Rutger Bregman atirou no que viu e acertou no que não viu…

Eu não sei se é excesso de ingenuidade ou Bregman deixou seu espírito esquerdista falar mais alto no capítulo 15 de Humanidade. Antes que reclamem, o viés esquerdista do autor fica evidente quando ele aponta os 7 problemas da democracia moderna. Coincide 100% com o que pensa qualquer partido de esquerda.

Ele tenta salvar o comunismo do desastre que gerou fazendo, sem falar, a distinção do comunismo real com comunismo ideal. Para ele, o que define o comunismo é a cooperação. Assim, ele não enxerga o comunismo na União Soviética ou China, mas toda vez que alguém passa o sal na mesa sem cobrar nada (sim, ele usa este exemplo). Toda sociedade estaria construída sobre o comunismo, só que não pensamos nisso.

O truque aqui (ou erro) é justamente confundir comunismo com cooperação, ou comunitarismo. Ele considera que a modernidade é uma disputa entre capitalismo e comunismo em que o primeiro aparentemente venceu. O capitalismo erra ao considerar que o egoísmo é a grande força motor da sociedade e diz que é a cooperação, o que eu tendo a concordar. O problema é achar que a cooperação está no seio do comunismo quando na verdade é apenas outra forma de egoísmo disfarçado de boas intenções.

O que Bregman parece defender no capítulo é algo muito semelhante ao distributismo de Chesterton ou Beloc, que nada mais é que uma aplicação da doutrina social da Igreja Católica. Chesterton identificou muito bem que na briga entre o poder econômico e político, a pior coisa que poderia acontecer era a aliança dos dois (comunismo). Só que a solução não seria o capitalismo, até porque o comunismo é a realização final do capitalismo (um único proprietário), mas a propriedade distribuida para todos, como as cooperativas. Foi isso que ele chamou de distributismo.

Apertem os cintos: Omicron chegou.

Andei olhando os dados da África do Sul, onde começou a Omicron.

Dia 1 de dezembro o crescimento se tornou vertiginoso e subiu até 17 de dezembro, quando despencou. Em 31 de dezembro estava de volta ao patamar do dia 1, implicando em um ciclo de praticamente um mês.

Olhei Portugal. Lá começou a subir com velocidade no dia 19 de dezembro e teve o pico no dia 2 de janeiro. Já está caindo vertiginosamente. Na Inglaterra demorou um pouco mais, umas 3 semanas até começar a cair.

São os países que identifiquei a queda. Os demais ainda estão na subida, mas dentro deste prazo de 2 a 4 semanas.

No Brasil começamos agora. Há uma ou duas semanas de subida lenta e depois umas 2 ou 3 de subida vertiginosa. Ou seja, apertem os cintos. E vamos torcer para que realmente não converta tanto em óbitos.

Pela primeira vez há uma grande incidência de novas infecções. Ou seja, nesta ninguém está protegido. Com ou sem vacina. Que seja realmente rápida.

Como sempre, só podemos rezar. Não está no nosso controle, embora as autoridades se esforcem para fingir que sim.

O caso Kitty Genovese

O capítulo 9 de Humanidade me deixou revoltado. Ele contra e estória de Kitty Genovese, uma jovem que foi assassinada no Queens em 1964. O caso se tornou famoso porque teria sido cometido na frente de 38 testemunhas e nenhuma chamou a política, o que demonstraria que no fundo estamos sozinho. Ninguém se importa.

Só que 38 são as pessoas que foram entrevistadas e que admitiram terem escutado alguma coisa. Era 3 e meia da manhã. Alguns escutaram o grito, mas acharam que era briga de vizinhos, algo comum. Outros acordaram achando que tinham escutado alguma coisa, mas voltaram a dormir pois não ouviram mais nada. Duas ligaram para a polícia, mas esta achou que era marido batendo na esposa, o que infelizmente era tolerado na época. Apenas duas pessoas viram de fato o crime ser cometido. A primeira ignorou por completo, era um senhor anti-semita que viva no bairro. A outra, mais importante, era um amigo a vítima que não ligou para a polícia porque não queria se expor, pois era homossexual e voltava de uma festa.

Só que ele bateu na vizinha e falou o que estava acontecendo. A vizinha desceu imediatamente de camisola, sem se importar com o risco de encontrar o agressor, e abriu a porta do prédio quando Kitty estava caída na escada. Ela morreu nos braços dela, de uma vizinha que se importou.

Qual foi a revolta? Com o papel da imprensa, especialmente do reporter Abe Rosenthal que conduziu toda a matéria para provar a tese pessoal que as pessoas não se importavam. Ele ignorou todos os detalhes que mostravam o contrário. Lembrei do filme A Montanha dos Sete Abutres. Lembrei de As Ilusões Perdidas, de Balzac.

Não tem nenhuma instituição que eu tenha mais asco hoje em dia do que o jornalismo.

Não existe uma decadência do jornalismo profissional. Ele já é corrupto desde a origem. As redes sociais são estão mostrando a quantidade de mentiras que fabricam e por isso precisam ser combatidas. Sei que há gente boa ali, mas no conjunto, é uma nojeira só.

Por que as pessoas, quando ordenadas, fazem o mal ou por que aderiram ao nazismo?

Pergunta bastante complexa e que já teve muitas respostas.

Uma delas foi a experiência da máquina de voltagem, conduzida numa universidade americana (Yale ou Stanford?) em que voluntários aplicavam um choque toda vez que uma pessoa (um ator) errava uma advinhação. Um pesquisador pedia para a pessoa aumentar a voltagem a cada choque e mesmo com o ator simulando dores terríveis e até a morte, continuavam aumentando a voltagem. A conclusão foi que desde que alguem assumisse a autoridade, as pessoas comuns cumpririam qualquer ordem. Estaria neste experimento famoso a explicação para os campos de concentração, por exemplo.

No livro Humanidade, do Bregman, ele apresenta outro olhar para a experiência. Na verdade muitos que continuaram achavam que aquilo era um teatro, coisa que ignoraram no relatório final. Mesmo assim, ainda sobrava um número razoável que continuou. Bregman observou que antes da experiência, todos recebiam um discurso mostrando que aquela experiência era fundamental para o avanço da ciência e o pesquisador aparecia como alguém genuinamente interessado em ajudar a humanidade. A partir dos vídeos se torna evidente que o pesquisador sempre pedia a colaboração da pessoa para aumentar a voltagem e quando dizia que era uma ordem, elas imediatamente paravam.

Qual a conclusão do Bregman: muitas pessoas são capazes de fazer o mal desde que acreditem que estejam fazendo o bem.

A pandemia é a maior experiência humana deste princípio.

Pessoas comuns estão a um passo de se tornarem agentes da gestapo simplesmente porque acreditam que estão fazendo algo meritório.

Seguem minhas notas sobre o capítulo 8 do livro do Bregman:

  • Stanley Milgram: máquina de choque
    • experiência parecia mostrar a força da autoridade
    • maioria das pessoas obedece cegamente a autoridade instituída
    • problema: parecia mais colaboração do que coerção
    • maioria acreditava que estava fazendo algo de bom
    • boa parte não acreditava realmente nos choques
    • maioria parava ao receber uma ordem direita de continuar
    • o caminho do inferno é pavimentado por boas intenções
    • Adolf Eichmann
      • não era um homem comum
      • era fascinado pelo nazismo
      • acreditava que tinha feito o bem
      • confundiu-se sua defesa legal com o que realmente acreditava
      • Arendt: mal interpretada. Ela sabia que Eichmann era um fanático
    • Caso Dinamarca
      • maioria recusou-se a colaborar
      • protegeram os judeus
      • não foram “trabalhados” para achar quer o certo
    • conclusão: para colaborar, maioria das pessoas precisam ser convencidas que estavam fazendo o bem

A lenda do Graal

Depois de assistir duas palestras sobre o graal no excelente podcast Symbolic World, do Jonathan Pageau (procurem), me empolguei para ler o mais antigo manuscrito com uma das lendas do graal, o poema de autoria de Chretien de Troyes.

A versão que estou lendo é em prosa, o que facilita o entendimento, afinal é sempre uma questão complicada traduzir poesia.

No começo da história, um jovem (que não recebe nome, e isso é importante) caçando na floresta encontra vários cavaleiros, que confundem com anjos. O motivo é que sua mãe descrevia os anjos como as criaturas mais belas da existência, e com suas armaduras reluzentes o jovem se confunde. Na verdade, a mãe sempre escondeu dele as estórias de cavalaria para que ele não tivesse o destino do próprio pai, um cavaleiro, que não chegou a conhecer.

Ele pergunta pela serventia de tudo que os cavaleiros carregavam: lança, escudos, armadura. Depois de confrontar a mãe, parte para se sagrar cavaleiro, não sem antes receber vários conselhos: ajudar as damas em perigo, aconselhar-se com os mestres e não com seus iguais, sempre que encontrar uma igreja, entrar e rezar.

Na conversa com os cavaleiros, perguntam seu nome e ele responde: “meu filho”. Também é conhecido como “meu irmão” e “meu senhor”. Curioso porque a mãe lhe aconselha também a sempre perguntar pelo nome das pessoas, pois pelo nome se conhece quem é.

2022, o ano da divisão?

O Brasil está dividido faz tempo e a eleição de 2018 mostrou bem isso. Só que agora acho que a coisa vai para outro patamar. Além de divididos, caminhamos para uma ruptura definitiva entre as pessoas. Reforço esse “entre as pessoas” porque desconfio que nos meios políticos a coisa não é tão belicosa como imaginamos. Como diz um amigo, no fim eles dão um jeito de se entender e nós ficamos com o ódio.

A coisa é grave. Sou daqueles que acreditam que uma sociedade é formada pela amizade, pela idéia de um projeto comum. A partir do momento que ela é tomada pelo ódio, seu único caminho é o da destruição. Para manter uma sociedade unida desta forma só há um jeito, a força. Caminhamos para algum tipo de autoritarismo, mesmo que de forma disfarçada.

A tensão política só vai crescer no país e grande parte da culpa eu coloco no monte Olimpo que num ato completamente irresponsável fez pior que soltar quem alimentou por anos esta divisão, anulou todas as condenações e deixou-o livre para radicalizar na divisão. Um dia, tenho certeza, estes irresponsáveis irão pagar pelo que fizeram, nesta vida ou na outra.

Ainda tenho fé que Deus está dirigindo esta comédia brasileira e teremos um final feliz, mas acho que antes passaremos por uma séria provação, como nunca antes passamos. Como somos um povo de boa índole, havemos de superar, mas não sem muita dor e sofrimento.

São os meios daquele que divide, o diabolos. Só que já nos prometerem que as suas forças não prevalecerão. Esta é minha maior esperança para vencer no final, mas acho que teremos um 2022 brutal e talvez seja até necessário.

Um dia teremos paz.