A superioridade das coisas invisíveis sobre a matéria

Quiet rebellion leads to open war

(Red Tide, Rush)

Dois de meus ensaios favoritos do maravilhoso livro Tremendas Trivialidades, do Chesterton, trata da relação do espírito com a matéria, ou do invisível com o visível.

Em “O Vento e as Árvores” ele faz uma interessante analogia. Uma criança pequena ao avistar os galhos de uma árvore balançando freneticamente em um vendaval pede ao narrador que faça elas pararem. Na cabeça do pequeno, eram as árvores que abanavam gerando o vento.

O homem moderno é como esta criança, que ao ver os galhos (a matéria) acredita que ela gera o vento (o espírito). A revolução francesa não foi a causa dos pensamentos revolucionários, mas o contrário. Antes da revolução, existe a filosofia e o pensamento. Ninguém jamais viu uma revolução, diz Chesterton, apenas seu final.

O invisível é a teologia, a filosofia, o pensamento. A matéria são as civilizações e as cidades. Tudo que conseguimos enxergar são os últimos e por isso achamos que são os mais importantes, que tudo explicam.

No segundo ensaio, “O Mundo às avessas”, Chesterton aprofunda o tema e chama atenção para a inversão que a humanidade faz, colocando a matéria como critério para o espírito. Assim, discute-se se dois empregados de um loja deveriam casar-se, ou seja, se o casamento dos empregados é conveniente para os negócios, quando o certo seria discutir se a loja é um local adequado para um casal trabalhar. Afinal, o casamento é uma das coisas espirituais da vida; os negócios, não.

Muitos cientistas sociais cometem este erro. Consideram a materialidade como explicação e causa de tudo. Daí o erro fundamental do marxismo, por exemplo. O homem não é governado pela economia, mas criador desta.

Mas o contraste preto-e-branco entre o visível e invisível, o sentido profundo de que a única crença essencial é a crença no invisível em oposição ao visível, reapareceu súbita e sensacionalmente na minha mente.

Pascal: a que seita você pertence?

Hoje de manhã, antes de ir à missa, fui reler um pensamento de Pascal. A primeira leitura foi em um uber, quando voltava do trabalho. Trata-se de um pensamento extenso, de algumas páginas, tratando da natureza do conhecimento.

Pascal divide as possibilidades em três. De um lado, os pirrônicos e acadêmicos (cépticos); do outro, os dogmáticos. Pirrônicos são os seguidores de uma corrente que surgiu no platonismo de cépticos, que duvidam de todo tipo de conhecimento. Foi muito influente na modernidade. Os acadêmicos são uma derivação que acredita que nunca conseguiremos saber nada. Pelo que pesquisei, os pirrônicos perseguem o conhecimento, enquanto os acadêmicos não acreditam que seja possível.

Os dogmáticos são os que acreditam na possibilidade do conhecimento pela fé.

Para Pascal, todo mundo tem que escolher entre uma das três seitas, pois não escolher significa ser pirrônico.

Só que todas estas posições são insuficientes. Existem conhecimentos, que são rejeitados pelos pirrônicos, que nos são fornecidos pela própria lei natural. Ou seja, é impossível ser pirrônico sem rejeitar a lei natural. O dogmático, por sua vez, acredita em dogmas que vão contra a razão humana.

Pascal entende que o problema vem da insuficiência do homem em entender o próprio homem. Estamos acima da nossa capacidade racional e por isso o conhecimento mais seguro é o revelado por Deus.

Somos marcados pelo pecado original. Só entendemos conceitos como verdade e felicidade porque nossos pais pecaram. Se tivessem continuado fiéis no paraíso, não conheceriam mentira ou falsidade. Nenhum desses conceitos faria sentido para eles porque felicidade seria nosso estado natural.

Que sejamos responsabilizados pelos pecados de Adão e Eva afronta a razão humana, mas, entende Pascal, sem este mistério o homem se torna incompreensível. Já aceitando o mistério do Pecado Original, tudo mais se torna mais claro.

Dessa forma, o homem se apresenta em carácter dual. No estado de nossa criação, e na graça, somos como Deus. No estado de pecado, nos tornamos animais como os demais.

O homem, resume ele, transcende o homem. Nosso conhecimento sempre será incompleto porque nossa razão não alcança nos entender completamente.

Trata-se de um tenso profundo e não estou seguro se foi realmente isso que Pascal queria dizer. Pretendo voltar algumas vezes e refletir sobre este pensamento de Pascal. Fiquei com a impressão que nessas linhas está condensada toda uma filosofia.

Santo Agostinho, uma breve palavra

Hoje é dia de Santo Agostinho, um dos gigantes do catolicismo. Na minha opinião, um dos cinco maiores filósofos que a humanidade produziu.

Depois dele, só surgiu mais um no mesmo nível.

O grande pensador que escreveu na transição da Idade Pagã para a Idade Cristã.

Foi um dos presentes que Deus nos deu.

O que é contra a verdade não pode ser justo.

Justiça, política e realidade

Toda meditação sobre política deveria começar por uma meditação sobre justiça, já alertava Platão na República. É curioso que quase todo mundo pensa neste livro como um livro de política quando na verdade ele usa a meditação sobre a justiça como uma aplicação do método filosófico. O diálogo começa com um ancião, homem público de sucesso, pensando sobre a morte que se aproxima. Alguém diz a ele que o importante é ter vivido com justiça e ele se pergunta: mas o que é justiça?

Corte para os tempos atuais. Desde Maquiavel que aos poucos as sociedades foram se convencendo que a política independia de justiça. Seu propósito era pragmático; o importante era a coisa funcionar. Em cada eleição, as pessoas se perguntam se tal coisa vai funcionar ou não, mas pouco gente se pergunta se é justo. Sim, a esquerda usa o termo justiça social para tudo, mas é mais uma palavra de ordem para evocar sentimentos e justificar qualquer ação do que um conceito que tenha algo a ver com a realidade. Além do mais, sua visão é parcial. Ela vê alguém recebendo um benefício e chama isso de justiça, mas pouca consideração faz com quem está provendo o benefício (uma dica, não é o estado ou o governo).

Mas afinal, o que é justiça? Grandes filósofos se dedicaram ao tem, pelo menos até o fim da Idade Média. Na modernidade, a questão foi colocada em segundo plano. Para a corrente marxista, nem tem sentido, pois justiça seria um conceito burguês. Que as maiores meditações sobre o tema se encontrem antes do surgimento da burguesia é apenas um detalhe.

santo-agostinhoEnfim, fiz este texto para introduzir uma frase de Santo Agostinho que tem tudo a ver com o que penso:

Não existe justiça se é contra a realidade.

A aceitação _ o termo usado é importante _ da realidade é o primeiro passo para se pensar em justiça.

Termino com outro pensamento de Agostinho, este um tanto mais famoso:

Perdida a justiça, um reino nada mais é que um grande roubo.

O poder das multidões e a democracia

Tenho lido muito sobre os problemas da democracia, considerado o melhor regime político criado pelo homem, e por isso mesmo longe de ser perfeito. Recentemente li textos de João Pereira Coutinho, Olavo de Carvalho e um audio do falecido José Munir Nasser, em aula sobre Ortodoxia, do Chesterton.

Todos alertam para o mesmo ponto: Platão e Aristóteles consideravam a democracia a perversão de um regime possível, a República (ou Cidadania). Aristóteles, lembra José Munir, alertava em seu livro Política que os cargos do executivo não deviam ser alvo de eleições. Apenas os representantes (legislativos) deveriam ser eleitos. Por que o estagirita assim considerava? Porque os governantes não poderiam ficar reféns das vontades dos eleitores. Aliás, Aristóteles dizia também que não devia se incentivar a participação política para evitar que aqueles que não se importam, nem procuram se educar, passassem a ter voto. Anti-democrático? Sim, mas é este o ponto. Aristóteles não considerava a democracia um modelo virtuoso. O que não significa que defendesse uma tirania, para ele o pior dos regimes.

Lembro que Chesterton também chamava atenção que a democracia estava sempre a um passo da tirania. Bastava que o povo perdesse a paciência e resolvesse dar poderes especiais para uma pessoa ou grupo resolver logo os problemas da sociedade (veja os episódios 1 a 3 de Guerra nas Estrelas, uma aula de como a democracia se torna uma tirania).

Coincidência ou não, hoje estava lendo Rites of Spring, o livro de Modris Eksteins sobre a Grande Guerra. Ele narra no Capítulo 2, Berlin, como as multidões foram as ruas na Alemanha para exigir a guerra quando o Arqueduque Francisco Ferdinando foi assassinado em Seravejo. Os moderados do governo _ sim, eles existiam! _ e a oposição de sociais-democratas e socialistas, todos contra a guerra, se viram obrigados a votar no parlamento pela guerra, pois viram que não havia como ir contra tamanha vontade popular. O Kaiser, que sempre trabalhou no limite, forçando a política externa sempre a um passo de um conflito, também não teve como resistir. Em resumo, os políticos se viram pressionados pelo povo a se lançar em uma aventura que sabiam ter pouca chances de sucesso pelo tamanho da aliança França-Inglaterra-Rússia. Pode-se dizer que foram altamente democráticos e escutaram a vontade popular.

O resultado foram algumas dezenas de milhões de mortos.

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Santo Agostinho e a sociedade brasileira

Santo Agostinho e a sociedade brasileira

Terminei o Livro XIX de A Cidade De Deus, do Santo Agostinho.
 
Em seus capítulos finais ele discute a questão da República. Entendendo a república como coisa do povo, ele demonstra que pelos conceitos apresentados por Cícero, Roma não teria sido uma república. Tudo porque Cícero definia povo como um conjunto de pessoas com direitos reconhecidos entre si. Como a base para o direito é a justiça, só poderia haver povo se houvesse justiça. Ora, o domínio de Roma sobre as outras cidades era injusta porque baseada no argumento do mais forte, uma posição rechaçada desde Platão. Assim, não tendo justiça, não havia direito e, portanto, não poderia haver povo. Sem povo não se pode falar em República.
 
Agostinho, entretanto, propõe outra idéia para povo. Ao invés de direito, seu fundamento estaria no amor comum. Há de se falar em povo quando um conjunto de pessoas amam entes comuns; O povo será melhor ou pior à medida que amem coisas mais elevadas ou mais baixas. A república, sendo expressão desse povo, refletirá a qualidade desse amor.
 
E daí? Para que serve a leitura desses textos antigos?
 
Bem, tentemos trazer para nossa realidade. O que podemos dizer sobre o nosso Brasil?
 
Evidentemente, pelos conceitos de Cícero, também não somos uma república, pois falar em justiça no país chega a ser piada. No entanto, o colocação do direito como base do povo está bem no espírito kantiano dos nossos progressistas que, em última análise, colocam a Constituição como principal fonte de justiça (bem interpretada pelos guardiões do STF, claro!). É um ideal de muitos que nossa república seja orientada por uma constituição interpretada por uma elite iluminada, o que contaria qualquer definição de república como coisa pública ou coisa do povo. Seríamos, no máximo, uma coisa dos intelectuais ou das elites. Uma espécie de “res-elites”.
 
Se formos para a proposta de Agostinho, temos que responder o que define o povo brasileiro em termos de amor. O que amamos em comum? Deus? A família? Futebol? Os prazeres do carnaval?
 
Quanto mais baixos forem os amores dominantes, mais baixo será nosso povo e, em consequência, menor a qualidade da nossa republica. Por esta linha de pensamento, nosso problema não é e nem será resolvido no nível político. Precisamos ordenar, em sequência, nossas vidas, nossas famílias, nossa comunidade para chegar na nossa sociedade. Não tem político que resolva uma coisa dessas.
 
Quando buscamos em um texto clássico uma iluminação para, pelo menos, formular questões como essas, estamos nos inserindo em uma cultura, incorporando uma tradição. Há os que pensam que cultura é exposição de rabiscos em museus ou peças de gente pelada imitando macacos. Isso não é cultura, é pirraça
 
Em algum momento da vida temos que escolher o que desemos para nós e nos tornarmos adultos. 
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Hitler e os Alemães

No verão de 1964, Eric Voegelin proferiu uma série de conferências na Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique. O tema foi o problema experiencial central do povo alemão: a ascensão de Hitler ao poder.

Como uma socieade pode aceitar ser liderada por um tipo com Adolf Hitler? Esse é o vídeo de apresentação das conferências e do livro Hitler e os Alemães. Na minha página do facebook,  Paideia, você acompanhará um curso completo sobre o assunto.