Suma Teológica: uma aventura intelectual

Há alguns anos me aventurei na leitura da Suma Teológica, de São Tomás de Aquino. É realmente uma aventura pois é um monumento de umas 5 mil páginas. A minha edição é da Ecclesiae, dividida em 5 volumes, sento o terceiro, que terminei esta semana, o que trata das virtudes.

São 189 questões, cada uma dividida em artigos, que abordam diferentes aspectos da questão. Cada artigo começa com as objeções à tese que São Tomás vai defender, seguido de sua explicação e terminando com sua resposta a cada uma das objeções levantadas. Dificilmente tem como ser mais honesto que isso. A coerência da obra como um todo, com as questões servindo de suporte para as próximas, sem contradições, só tem explicação sobrenatural. Não há nada parecido no mundo que vivemos.

Depois de alguns anos de leitura, avalio que não estava preparado quando comecei. Talvez ainda não esteja, mas duvido muito que alguém realmente tenha o preparo suficiente para ler a Suma. Para nossa sorte, ela vai nos ensinando a medida que vamos lendo, vai nos tornando mais inteligentes porque ela nos mostra como devemos pensar as questões da vida. Um daqueles livros para passar a vida lendo.

São Tomás foi professor na Universidade de Paris, ainda no século XIII. A suma é um resumo das suas aulas de teologia, organizadas sistematicamente. Como pode existir uma obra assim, em um período marcado pelas ditas trevas, é um mistério. É uma defesa da doutrina da Igreja, mas feita com racionalidade e não com argumentos de autoridade. Mais que isso, ele coloca todas as objeções possíveis para tratá-las uma a uma. Se repararmos bem, a Suma está repleta de ataques à Igreja, antecipando tudo que falam dela hoje.

É difícil classificar São Tomás como um filósofo pois o que fez, no fundo, foi colocar a filosofia à serviço da teologia. Com certeza é um pensador, mas que desafia nosso próprio entendimento sobre seu papel na história das idéias. Acima de tudo é um doutor, pois nos ensina e é rigoroso em seu método. Talvez até o maior de todos a utilizar este título.

Suma Teológica: dificuldades de um leitor de hoje

Este ano peguei a Suma Teológica, do Santo Tomás de Aquino, para ler seriamente. Não está sendo uma tarefa fácil, mas é muito recompensador. Ler um livro que está acima de sua compreensão tem a vantagem de abrir nossa mente e nos elevar, nos tornar mais inteligentes, se tivermos a humildade de aceitar nossa ignorância (um dos maiores acertos de Platão).

E por que a leitura da Suma pode ser difícil? Ao contrário do que já li por aí, o problema não é a linguagem. Santo Tomás é claro, ao contrário da maioria dos filósofos modernos que são, intencionalmente ou não, confusos. Ele é didático e usa rigorosamente um método de perguntas que facilita o entendimento do que está querendo nos dizer. Portanto, não se trata de um problema de texto.

Eu vejo duas razões principais para um leitor de hoje, como eu, entender a Suma.

O primeiro é que ela foi escrita dentro de uma cultura que se perdeu, a cultura medieval cristã, a verdadeira era de luzes da humanidade. Como não temos esta referência, apenas uma versão deformada dela (Idade das Trevas), temos dificuldade de compreender muitas passagens. A depuração desta imagem criada pelo Racionalismo tem que ser realizada para que tenhamos mais luz para entender a Suma.

O outro motivo é a necessidade de entender Aristóteles, especialmente a metafisica. São Tomás utiliza o referencial do Filósofo, como ele o chama, para raciocinar sobre a Fé. Substância, forma, essência, movimento, potência, ato, acidente são conceitos fundamentais para entendermos a Suma. Tenho um conhecimento básico destas coisas, mas me falta um pouco mais de aprofundamento.

Portanto, uma boa preparação para a Suma seria ler alguns livros sobre a Idade Média, tanto de história quanto de idéias, e aprender os conceitos principais de Aristóteles. A Suma Teológica, junto com estas preparações, daria um verdadeiro curso universitário, mesmo que o aluno fosse um ateu (embora eu duvide que se consiga entender realmente a Suma a partir do ateísmo).

Cada vez mais considero a Suma Teológica como um dos presentes de Deus para a humanidade. Creio que não convém ao homem ignorá-los.

Uma palavra sobre Thomas Hobbes

Thomas Hobbes entrou para a história como o primeiro teórico do estado moderno e a defesa do poder absoluto como forma de governo.

O que o levou à esta posição?

Dois fatos históricos o impactaram profundamente.

O primeiro foi o pavor de sua mãe com a aproximação da invencível armada de Felipe II. Entrou em trabalho de parto antes da hora e deu a luz prematuramente ao pequeno Thomas. Ao longo de sua vida, por causa deste episódio, ele costumava dizer que o medo era seu irmão gêmeo.

O outro fato histórico foi a guerra civil inglesa, que o mostrou o efeito da carnificina de uma sociedade em desordem social.

Sua filosofia política foi direcionada principalmente para impedir um acontecimento deste, que considerava o estado da natureza do homem, que entregue a si mesmo promoveria uma guerra de todos contra todos pela preservação da própria vida. A única forma de evitar esse fim seria abrir mão das próprias liberdades em favor de uma autoridade absoluta, que não estaria sujeita á nenhuma lei, humana ou divina. Só desta forma a autoridade teria força suficiente para impedir as guerras e manter a paz.

O que Hobbes não viu é que um mundo com algumas autoridades absoluta geraria um outro tipo de estado da natureza, entre as próprias nações. Foi o que se viu na II Guerra Mundial em que estados totalitários guerrearam com as demais nações, e entre si, para conquistar uma pretensa paz. Estes estados até tinham uma grande ordem social, mas a custas de muito sangue.

Talvez um pouco de desordem social seja um bom remédio para evitar que uma nação se torne uma ameaça para as outras.

Já há os que defendem que o princípio de Hobbes seja estendido ao concerto entre as nações, promovendo uma autoridade mundial sobre todos os países. É o grande sonho globalista. Nada garante que este poder não vai se voltar para dentro de si mesmo e aniquilar qualquer um que seja julgado uma ameaça a um sonho tão grandioso como a paz mundial.

Democracia conservadora

Li ontém o artigo do Yoran Hazony na First Things, tratando do que ele chamou de “democracia conservadora”.

É um senso comum que a democracia liberal é a única alternativa ao totalitarismo, seja ele marxista ou fascista.

Para Hazony, a democracia liberal parte de 3 axiomas:

  1. A razão está disponível para todos e é suficiente para organizar a sociedade
  2. Todos os indivíduos são livres e iguais
  3. As obrigações sociais e políticas derivam de uma escolha

Qual o problema desta formulação? Não deixa espaço para as forças estabilizantes de uma sociedade (pelo menos a ocidental): Bíblia, religião, nação e família.

O resultado depois de quase um século de dominação da democracia liberal é a destruição de todos estes valores. A família está devastada, as nações perdendo sua identidade e autonomia, a religião reduzida a um culto privado, a Bíblia não mais reconhecida como uma fonte de sabedoria.

Hazony defende uma alternativa, a democracia conservara.

Uma visão que tem por base o conservadorismo ango-saxão, mas que acomoda as questões da sociedade atual. Ela toma por base os valores estabilizantes da sociedade e não os impõem, mas os respeita.

O poder político não pode ignorar as crenças profundas da sociedade sem arriscar acabar com ela. E temos que começar a questionar a democracia liberal sem que isto seja uma defesa do totalitarismo.

Aliás, temo que a forma mais segura para termos o totalitarismo e continuarmos nessa caminhada para os sonhos utópicos da democracia liberal.

Hitler e os Alemães

Depois de um longo hiato, estou retomando a série Hitler e os Alemães, do Eric Voegelin, no youtube. 

Acabei de gravar o vídeo sobre como a Igreja Católica alemã aceitou o nazismo. 

Partindo para a edição para soltar ainda esta semana.

Enquanto isso, tem os vídeos anteriores:

Eric Voeglin na veia! 

Razão: cuidados ao usar

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Pascal, pensamento 183:

Excesso. Excluir a razão, não admitir senão a razão.

Os famosos pensamentos de Pascal são notas que ele foi redigindo para escrever um livro. Infelizmente, o grande filósofo morreu antes; mas as notas sobreviveram, foram reunidas por seus herdeiros e publicadas.

Neste pensamento, ele chama atenção para os dois problemas em relação à razão.

O primeiro é ignorá-la, como fazem, por exemplo, as religiões políticas. Não se deixem enganar, eles falam em nome da razão mas a ignoram o tempo todo. A começar por Marx, um trapaceiro intelectual de primeira.

O segundo erro é a ideologia da razão. Colocá-la como único juiz para o verdadeiro e falso. Ignora os limites da razão humana e evidencia o limite que o homem consegue caminhar sem Deus.

Desde o início, os cristãos perceberam que tinham que articular razão e fé. Foi o que fez São Paulo, Agostinho, Santo Tomás, entre muitos. Pascal pertence a esta tradição. Pode-se dizer que Pensamentos trata desta articulação o tempo todo.

O maior erro da modernidade foi romper esta tensão e proclamar a razão como soberana (uma das faces da morte de Deus de Nietzsche). A partir daí, o homem não consegue entender mais nada. Serve para a ciência natural e produção de tecnologia (até certo limite), mas para as ciências do homem, foi um desastre.

Ensimesmado e alteridade

Que leitura densa e interessante fiz agora da primeira metade do capítulo 1 de O Homem e A Gente, do Ortega y Gasset!

O pensamento não é garantido no homem, temos que conquistá-lo. O homem não é um animal racional ou sapiens, é um homem que ignora. Que sabe poucas coisas, mas que tem a capacidade de conquistar o pensamento e agir racionalmente sobre o homem.

Para isso precisa ensimesmar-se, ou seja, afastar-se do mundo exterior buscando refúgio em seu interior para pensar e meditar. Só assim poderá agir.

Sem isso, o homem vive de sua alteridade, de uma reação não refletida com o mundo exterior. Ele não age, reage. Essa capacidade é própria dos animais, é tudo que eles possuem. O animal não pode ensimesmar-se, não pode se apartar do que lhe é diferente.

Para Ortega, o homem vive três fases:

1) Um náufrago no mundo, que não compreende e que lhe é muitas vezes hostil. Fase da alteridade.

2) Voltar-se para si mesmo e buscar o pensamento, as idéias.

3) Agir de acordo com o pensamento, ou seja, ele retorna para o mundo externo levando o si mesmo. É a verdadeira práxis.

Ortega também faz um alerta: o pensamento, por ser uma conquista, pode ser perdido. Sem o pensamento, o homem é alteridade, é como os animais, ou seja, perde sua própria humanidade. O tigre não pode deixar de ser tigre, mas o homem pode deixar de ser homem. Pode desumanizar-se.