John Ford e a trilogia da cavalaria

No período de 1947-1950, John Ford gravou 3 westerns retratando a cavalaria. Ele tinha observado que nos filmes do gênero, a cavalaria era quase um deus que surgia do além para resgatar peregrinos e retornava para sabe-se lá onde.

Pois em Forte Apache, She wore a Yellow Ribbon e Rio Grande, ele vai retratar justamente a cavalaria.

Vamos descobrir que isolado nos fortes, não haviam apenas soldados, mas suas famílias. Ao mesmo tempo que havia treinamentos, adestramento dos cavalos, desfiles militares, haviam bailes, momentos na cantina, crianças brincando. Todo um ecossistema isolado do mundo.

Os filmes tratam de rituais, camaradagem, honra, dever. A busca pela glória surge, principalmente no primeiro filme, como uma deformação do dever. Os apaches passam por uma espécie de degeneração. No primeiro filme são honrados e querem a paz. No segundo, o problema é a nova geração, também contaminados pela vontade de glória. Em Rio Grande, o grupo todo está contaminado pela hybris e entregue ao efeito do ácool. Provavelmente é um grupo que se despreendeu, pelo radicalismo, da tribo maior. A negociação que ocorre nos dois filmes anteriores, já não é mais possível.

Os três filmes são estrelados por John Wayne, embora em Forte Apache o protagonista seja o Cel Thursday, vivido por Henry Fonda. Wayne vive nos três filmes um papel semelhante: a harmonia entre prudência, vontade e desejos. A prudência, no sentido clássico, é sua principal característica, como Odisseu voltando de Tróia. Já Thursday só tem a vontade. Ele quer ser herói, mesmo que arraste todo regimento para a morte.

No conjunto, os três filmes vão além do oeste. Tratam do propósito de uma vida, da forma justa de viver. A cavalaria pode ser uma metáfora para muita coisa: a comunidade, a família, a religião. É algo que dá sentido para a própria existência que deixada por si mesma estaria perdida.

Os filmes são também metafísica e nos mostram que, mesmo na dificuldade, pode-se viver uma vida digna se formos pessoas integrais, com propósito em nossas ações e amizade verdadeira pelos que estão cavalgando ao nosso lado. Os apaches são as dificuldades que estão sempre nos ameaçando, que por vezes podemos negociar e adiá-las, mas que no fim haveremos de enfrentá-las em um desfiladeiro ou rio qualquer.

Notas de Sexta

Olá pessoal!

Eis minha lista semanal de 5 coisas interessantes que andei fazendo (inspirado pelo Tim Ferris 5-bullets friday)

Um livro que terminei

A Nova História de Mouchette, de George Bernanos. Ela é infeliz na escola, tem uma família destruída pelo álcool, desprezada pela vila em que mora. Aos 14 anos, Mouchette tem que lidar com situações que estão acima de sua capacidade até de compreendê-las.

Um filme que assisti

The Founder (2016). Miachel Keaton vive o papel do ambicioso Ray Kroc, o homem que criou o império chamado MacDonalds. É interessante entender o que estava por trás da concepção original do restaurante e como os irmãos MacDonalds perderam a marca por serem incapazes de escalar o próprio negócio e deixarem Ray acuado em um canto da jaula. Não se faz isso com um tigre!

Modelagem em tamanho real do primeiro MacDonalds

Uma ópera que assisti

Parsifal foi a última ópera de Wagner. Cheia de fervor religioso, conta uma das inúmeras lendas do graal. Nietzsche rompeu com o compositor tamanha sua revolta com esta obra.

Um disco que andei escutando

Impressionante como Bob Dylan continua lançando trabalhos tão consistentes e bons como Rough and Rowdy Ways (2020). Passeando pelo blues, jazz, bluegrass, Dylan medita sobre as grandes questões humanas. Um disco, acima de tudo, elegante.

Um pensamento que andei refletindo

A leitura é a mais nobre das paixões

Antoine albalat

E você, o que andou fazendo? Coloca nos comentários!

Conto da Semana: O Noivado em Santo Domingo (Von Kleist)

No meio da revolta de escravos que garantiria a independência do Haiti, um jovem suiço, servindo no exército francês, busca refúgio em uma casa onde mora uma velha negra e sua filha mulata.

Trata-se de uma tragédia bem no estilo grega, onde a hybris leva uma pessoa a realizar um ato definitivo, incorrigível e tem que lidar com as consequências.

Além de um retrato da violência que foi a revolução haitiana.

5 Notas de Sexta

Olá pessoal!

Eis minha lista semanal de 5 coisas interessantes que andei fazendo (inspirado pelo Tim Ferris 5-bullets friday)

Uma disco que estou escutando

A trilha sonora de Era Uma Vez no Oeste, composta por Ennio Morricone. Uma das mais belas trilhas do cinema. O tema principal me arrepia toda vez que escuto.

Um filme que assisti

Em 1948, John For lançava Fort Apache, o primeiro filme do que ficou conhecido como a trilogia da cavalaria. Henry Fonda mostra a tragédia de um homem moralmente bom, mas consumido pelo ressentimento e desejo de glória, surdo aos conselhos do prudente Capitão York (John Wayne).

Vídeos que estou vendo no youtube

Quem me conhece sabe que meu grande ídolo no futebol é o Zico, mas poucos sabem que o segundo é Leandro. Nos últimos dias andei vendo videos sobre ele, o mais trágico dos heróis rubro-negros. Terminou a carreira cedo, aos 31 anos, por conta dos problemas crônicos no joelho.

Um livro que terminei

A Febre da Bola, do Nick Hornby. Um torcedor do Arsenal conta sua história através da obsessão que ele tem por seu time. Reflexões bem interessantes sobre a relação de um torcedor com seu time e como sua vida é afetada por esta relação.

Um pensamento

Assim morrem as verdades: quando não se podem mais pronunciar ao acaso.

Constantin Noica

Conto da semana: As 12 princesas bailarinas

No fim do século XIX, o poeta escocês Andrew Lang organizou coletâneas de contos de fadas, geralmente traduzidas por sua esposa Nora. Estas coletâneas foram dividas em cores, sendo The Red Fairy Book, ou o Livro Vermelho, a segunda delas.

Os contos de fadas geralmente não tem autor definido. São estórias que atravessam gerações, geralmente passadas por contadores ou poetas, que terminaram tendo alguma versão final escrita por estudiosos do folclore, como os irmãos grimm. São fontes preciosas de sabedoria e ricas em simbolismos da condição humana.

As 12 Princesas Bailarinas é o conto que inicia o livro vermelho. Uma estória de astúcia, persistência e disciplina para obedecer os conselhos que o personagem principal recebe para conquistar o coração de uma princesa.

Chesterton estava certo. Os contos de fadas são a melhor fonte de moral que temos produzida pelo homem, justamente por condensarem ensinamentos imemoriais.

Fort Apache (1948)

Cel Thursday(Henry Fonda) é o irmão do filho pródigo. É um homem honesto e bom, mas que deixou o mal do orgulho se instalar em seu coração. Busca a glória e se deixa cegar para as circunstâncias reais da vida.

Seu contraste é o Capitão York (John Wayne), um homem prático, que procura se colocar no lugar dos apaches e entendê-los. Por isso consegue ver o que Thursday é incapaz: que os indígenas não são seus inimigos. Pelo contrário, são gente honrada que deseja a paz.

Baita filme.

A loucura de quem confia demais em si mesmo

Em tempo: Este filme diz muito sobre o atual movimento conservador brasileiro, que infelizmente está repleto de Cel Thursday.

Atualização:

Ocorreu-me que temos aqui as virtudes aristotélicas-platônicas. Os quatro sargentos se deixam levar pelos desejos. Já o Cel Thursday tem a virtude da temperança (controla seus desejos), mas se prende na vontade, sem abertura para a sabedoria. York é temperante, corajoso (no sentido de Aristóteles, de ter a vontade no lugar certo) e prudente (sabedoria), assim como o Sargento O´Rourke. Justamente por dominas os três aspectos da alma, York e O´Rourke são exemplos de justiça.

O jovem O´Rourke representa o homem comum, que diante dos exemplos tem que decidir que vida vai levar. O casamento dele como Philadelphia representa a escolha pela vida virtuosa, que é simbolicamente premiada pelo filho do casal. É também o símbolo a união da terra ( o jovem tenente) com o céu (a moça virtuosa).

3 ensaios do fim de semana

Nos fins de semana costumo interromper um pouco as leituras regulares e focar mais em ensaios, geralmente de autores diferentes das diversas coletâneas que tenho na estante. Gosto particularmente deste gênero porque o autor está mais solto para refletir e especular, nos colocando muitas vezes opiniões provisórias e abertas, de uma forma mais fluída do que um livro tese.

Neste fim de semana que passou fui particularmente feliz com 3 ensaios sensacionais, que de certa forma comunicam um com os outros. São eles.

Dos Estudos Clássicos (Eric Voegelin): uma reflexão sobre a importância da recuperação da compreensão que os antigos gregos tinham da nossa humanidade. O retrato que Voegelin faz da modernidade é cirúrgico e via nos pontos chaves. Infelizmente o quadro que ele visualizou em 1973 só se agravou e fica fácil entender o momento de loucura coletiva que nos encontramos hoje.

In Pursuit of an ideal (Isaiah Berlin): o autor mostra a insuficiência da idéia utópica de promover uma sociedade perfeita a partir da convicção de que se tem o entendimento para seu problema e a solução que se deve implementar. A consequência que chega também é atual: para promover a sociedade perfeita, o que nos impede de remover os obstáculos, aquelas pessoas que se colocam no caminho de uma humanidade mais justa e em paz? Berlin acrescenta: cada vez mais se quebram os ovos e o omete não vem.

On T. S. Eliot Wasted Land (Russel Kirk): analisando o poema enigmático de Elit, Kirk procura lhe dar um sentido geral, entendendo que há linhas obscuras que nos deixam perplexos, mas que há uma clareza no poema como um tudo. Os grandes críticos literários são justamente aqueles que nos conseguem fazer ver a unidade de uma obra enquanto a maioria só consegue produzir textos gigantes que não conseguem chegar nem perto da essência do que o autor quis comunicar, o que só revela a falta de sensibilidade e poder de reflexão. Para Kirk, Wasted Land não é uma simples descrição do estado de espírito do poeta, mas uma reflexão sobre o problema da modernidade e suas raízes, colando uma luz nas causas de uma decadência civilizacional.

5 Notas de Sexta: alienígenas, Guerreiro Ramos, Capra e rock medieval

Olá pessoal!

Eis minha lista semanal de 5 coisas interessantes que andei fazendo (inspirado pelo Tim Ferris 5-bullets friday)

Uma música que estou escutando

O disco Creedence da semana é o Willy and the Poorboys, outro baita trabalho de 1969. A segunda faixa “It Come Out The Sky” trata da chegada de um alienígena em uma pequena fazenda do interior e como cada seguimento da sociedade interpreta este fato segundo sua visão de mundo. É uma excelente metáfora para a forma ideológica de tratar a realidade. No youtube aqui.

Um filme que assisti

Fazia tempo que não via um filme do Frank Capra. Considerando o absurdo que a mídia está tratando estes tempos de pandemia, foi necessário retornar à sabedoria do senso comum e deixar os loucos de lado, ou seja, foi necessário retornar ao Galante Mr Deeds (1936). Que filme maravilhoso!

O senso comum

Um livro que estou estudando

Sim, porque já li antes e agora estou aprofundando. A Nova Ciência da Administração, do Guerreiro Ramos, é inspirado em A Nova Ciência da Política, do Eric Voegelin. Só isso já era suficiente para ler. Mas o que o Guerreiro Ramos faz vai além disso, ele segue o método proposto por Voegelin e vai nos símbolos que servem de base para análise da administração e propõe uma nova ciência com base na estrutura da realidade e não conceitos vazios, despidos de conteúdo concreto. Obra de gênio.

Um banda que descobri no youtube

Stary Olsa é uma banda de música medieval. Os vídeos que assisti no youtube tratam de versões medievais para clássicos do rock. Coisa fina e vale a visita!

Rock medieval?

Um pensamento

O homem moderno é o tolo enganado por uma fé mal colocada.

Guerreiro Ramos

Precisamos de Frank Capra!

Fazia anos que não assistia um filme do Capra. Big mistake! O homem era um gênio e seus filmes nos fazem refletir sobre o rumo que estamos dando para nossas vidas. Assistir Capra é uma injeção de senso comum, de nos conectar com o que realmente importa.

Mr Deeds goes to Town (1936) é uma das suas pérolas mais preciosas. Um homem bom e inocente só poderá ser visto como um louco na sociedade moderna onde só existe valor material para as coisas.

Capra é puro Chesterton. É o resgate não só do senso comum, mas do homem comum, que é extraordinário justamente por ser comum.

Conto da Semana: Pai contra Mãe (Machado de Assis)

Este conto escrito em 1906 mostra o encontro da pobreza com a escravidão. Há um contraste entre o otimismo de Cândido, que espera o nascimento do primeiro filho, e o desespero de não ter dinheiro para sustentá-lo. Para a tia Mônica, só há uma solução: entregá-lo na roda dos rejeitados.

Na última hora, surge uma chance de manter o filho, a captura de uma escrava fugitiva. Desesperada, ela grita com ele que está grávida, que não pode retornar para seu dono.

Machado narra com amargura esta escolha tão humana e tão desumanizante ao mesmo tempo. Lembra-nos também que ser livre não é muito diferente de ser escravo quando se é oprimido pela pobreza.