Em Hitler e os Alemães, Eric Voeglin trata dos lugares comuns, espécie de falácias ou falsas opiniões amplamente aceitas sem reflexão. Um dos exemplos que apresenta é do passado indomado.
Em Hitler e os Alemães, Eric Voeglin trata dos lugares comuns, espécie de falácias ou falsas opiniões amplamente aceitas sem reflexão. Um dos exemplos que apresenta é do passado indomado.
Alguns conservadores tem o péssimo hábito de cultivar o mau humor. O atual papa, que confesso não ter muita simpatia, disse algo logo no início de seu papado que guardei: o cristão tem que ser, sobretudo, alegre. O Nobel de Dylan mostrou essa face ranzinza de muitos, inclusive de alguns por quem tenho a mais absoluta admiração, diga-se. Parece que a arte já foi consolidada, e nenhuma forma moderna é válida. Só vale o que se chama de clássico.
Esse artigo de Fernando Escorsim coloca o ponto com mais propriedade.
Apenas retomo o que aprendi com Peter Kreeft e Mortimer Adler: para julgar temos primeiro que entender. Não estou convencido que:
1. composições musicais não possam ser literatura;
2. as composições de Bob Dylan não sejam dignas de ser chamadas de boa literatura.
Como já disse aqui, pouco conheço de sua obra. Passei a última semana estudando, e apreciando, o disco Blood on Tracks. Uma maravilha. Vejam esses versos:
People see me all the time and they just can’t remember how to act
Their minds are filled with big ideas, images and distorted facts
Even you, yesterday you had to ask me where it was at
I couldn’t believe after all these years, you didn’t know me better than that
(Idiot Wind)
Sundown, yellow moon, I replay the past
I know every scene by heart, they all went by so fast
If she’s passin’ back this way, I’m not that hard to find
Tell her she can look me up if she’s got the time
(If You See Her, Say Hello)
I was in another lifetime one of toil and blood
When blackness was a virtue and the road was full of mud
I came in from the wilderness a creature void of form
Come in she said, I’ll give you shelter from the storm
(Shelter From The Storm)
Qualquer prémio está sujeito a injustiças, o que volta e meia rende boas discussões. Não sei bem por qual motivo, o Nobel possui um nível de credibilidade maior, e alguns o crêem incontestável. Discordo, pois qualquer obra submetida ao julgamento humano pode gerar erros e injustiças. Só isso seria suficiente para nos fazer desconfiar de qualquer prêmio. No que se refere ao Nobel, duas categorias são particularmente polêmicas, pela alta subjetividade, os Nobel da paz e de literatura.
Sobre o Nobel da paz deste ano, acredito que o povo colombiano se manifestou politicamente em plebiscito. Mais uma vez, privilegiou-se intenções sobre ações, um dos males da atualidade. O assunto da semana foi o outro, o Nobel de literatura conferido ao músico Bob Dylan.
Os puristas reclamaram. Como puderam? Um músico? Aí está o grande erro. O Nobel não foi dado a Dylan pela qualidade de suas músicas, mas a suas letras. A questão, portanto, precisa começar por uma questão: pode uma letra de música ser considerada literatura?
A meu ver, qualquer forma de expressão escrita pode ser considerada literatura, desde que entendamos que ela pode ser boa ou ruim. A letra de uma música, por exemplo, pode ser uma poesia __ não significa que toda letra o seja, que fique claro. Elas podem variar imensamente de qualidade; sem prejudicar a música, diga-se de passagem. Basta colocar uma letra do Lou Reed ao lado de uma de Lady Gaga para perceber a diferença. É possível até que um mau músico seja um bom letrista.
Assim sendo, dizer que um compositor não pode concorrer ao Nobel de literatura pela qualidade de suas letras parece-me um preconceito. Por que não? A questão não é o gênero literário, mas sua qualidade. Portanto, para julgar o Nobel do Dylan, deve-se discutir não sua condição de músico, mas a qualidade de suas letras. E não adianta pegar um refrão conhecido para mostrar que é ruim, é preciso analisar pelo menos uma boa amostra das composições de um autor.
O que achei do Nobel? O problema é justamente esse. Conheço algumas músicas esparsas do Dylan e nunca tive vontade de me aprofundar. Seus fãs dizem que sua força está justamente nas letras e talvez seja por isso que sua música nunca tenha me encantado, por não ter prestado atenção no que ele dizia. Ou seja, não tenho condições de analisar a decisão dos sábios do Nobel por não conhecer a obra suficientemente. Não sei se fizeram bem aos premiê-lo, apenas acho que não se pode condenar a premiação, como tenho visto, pelo fato de ser um músico popular. Mostrem que suas letras são ruins, ou que não possui nada de extraordinário, e terão um argumento. Mostrem que há melhores, terão outro. Mas, por favor, pelo menos leiam seu trabalho!
De minha parte, é o que farei. Nos próximos dias vou estudar algumas de suas composições para formar meu juízo. Mortimer Adler ensinava que temos primeiro que entender, para só então julgar. Acredito nisso.
Por que não me deitar sobre este
gramado, se o consente o tempo,
e há um cheiro de flores e verde
e um céu azul por firmamento
e a brisa displicentemente
acaricia-me os cabelos?
E por que não, por um momento,
nem me lembrar que há sofrimento
de um lado e do outro e atrás e à frente
e, ouvindo os pássaros ao vento
sem mais nem menos, de repente,
antes que a idade breve leve
cabelos sonhos devaneios,
dar a mim mesmo este presente?
O problema surge da realidade e não de nossas abstrações.
No verão de 1964, Eric Voegelin proferiu uma série de conferências na Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique. O tema foi o problema experiencial central do povo alemão: a ascensão de Hitler ao poder.
Como uma socieade pode aceitar ser liderada por um tipo com Adolf Hitler? Esse é o vídeo de apresentação das conferências e do livro Hitler e os Alemães. Na minha página do facebook, Paideia, você acompanhará um curso completo sobre o assunto.
Passei o fim de semana com mais um clássico de Shakespeare: Sonho de uma Noite de Verão. Não entendi ainda tudo que está na peça, até porque é impossível em apenas duas leituras. Trata-se de uma dessas obras para você estudar a vida inteira. Minha mente está viajando em interpretações possíveis, que anotei no meu caderno de leituras para refletir sobre elas, com calma, nos dias que virão.
Chamou-me atenção a existência de três grupos distintos: os atenienses, os seres
Oberon, Titânia, Puck e fadas. William Blake, 1786
fantásticos e os mecânicos (trabalhadores manuais). O que representam? Há uma certa incompreensão com a presença dos atenienses na peça e há versões que eles são substituídos, o que é uma bobagem. Há alguma razão para Shakespeare tê-los colocados, assim como o extrato da peça de Ovídio. Há um choque de culturas na peça, os gregos, os místicos e os científicos. A tri-partição da alma de Platão? As três eras de Comte? Se assim for, é curioso que a terceira era, da ciência, seja a retratada de forma mais ignorante, enquanto que a sabedoria está nas fadas. Mas tudo isso são direções para investigar, apenas idéias que me ocorreram.
Afinal, o que representa o menino roubado do rei indiano?
Outro aspecto é a força das imagens. Poucas peças geraram tantas obras de arte como pinturas, músicas, filmes, poemas e etc. É quase uma matriz para a imaginação de artistas de todas as eras.
Se é possível ver uma unidade na peça através da narrativa, muito mais complicado é encontrar o tema central; se é que existe. O amor e seus obstáculos parece ser um forte candidato, mas a simbologia e as imagens são tão impressionantes que sugerem muito mais significados e interpretações. Há um universo inteiro nessa peça e é plenamente concebível passar anos estudando cada passagem. É próprio dos sonhos o aspectos caótico, misturado a iluminações profundas. Como Puck sugere no final, como realmente diferenciar sonho de realidade?
Talvez o componente do mistério seja o grande elo entre os grupos e histórias e apenas um artista, do tamanho de Shakespeare, poderia criar obra com tamanha força e poder de imagens. Uma obra prima.
Edwin Landseer, Titania e Bottom (1848)
Em 1964, Eric Voegelin proferiu um curso de verão na Universidade Ludwig Maximilian de introdução à Ciência Política. Ao invés de seguir o esquema tradicional de apresentar a teoria, com definições e conceitos, e exemplos de sua aplicação, ele fez diferente. A partir da experiência concreta que os alemães estavam vivendo naquele tempo, ele levanta alguns problemas de ordem política, sendo o principal dele a cumplicidade dos alemães como regime nazista, assunto que considerava longe de estar superado.
Posteriormente, Voegelin transformou esse curso no livro Hitler e os Alemães. Esse livro trata não só do problema da ascensão de Hitler ao poder, mas da problemática da ideologia política. Serve mais do que entender o fenômeno particular de Hitler, mas para entender como um líder estúpido e criminoso chega ao poder, com a cumplicidade de parte da população.
Pois este tema continua atual.
Estou elaborando um curso sobre este livro. Em breve, mais novidades.
O poema musical Vltava é uma composição do século XIX do compositor tcheco Bedrich Smetana e faz parte de um conjunto de 6 peças entitulado Má vlast (minha terra natal). Trata-se de uma obra de cunho nacionalista, que Smetana tenta traduzir seu amor por sua pátria.
Vltava ou Moldau é o rio que nasce na Bohemia e termina na cidade de Praga e a música de 12 minutos acompanha a trajetória do rio. Trata-se de uma das mais belas composições musicais já feitas na história, e minha preferida. Ela aparece no filme A Árvore da Vida, remetendo ao rio como símbolo da própria existência humana.
Uma descoberta de Eric Voegelin, possivelmente o maior filósofo do século XX, foi que a sociedade se estrutura politicamente a partir de símbolos compactos que se diferenciam com o tempo. A linguagem parece complicada, então explico. O poeta é o primeiro a perceber a forma com o a sociedade existe, mas não consegue entender exatamente o que percebeu. Sua forma de registrar sua percepção é através da sua arte. Com o tempo, as percepções vão se condensando em símbolos compactos por força da tradição e das diversas criações ao longo do tempo. Esse símbolo compacto toma a forma de um mito, uma história que captura aquela experiência existencial. Portanto, a idéia moderna de que o mito é uma mentira revela a falta de entendimento do que seja o mito. Não é que o mito seja verdade, mas que a verdade está no mito.
O papel do filósofo, no sentido grego obviamente, é de depurar o mito e extrair dele a experiência da realidade. Esse processo, que poucos indivíduos conseguem fazer, é o que Voegelin chamou de diferenciação. É como se o filósofo, recorrendo à razão, buscasse entender o que o poeta percebeu mas que não teve como expressar de outra forma que não fosse através do mito. Não é à toa que quase todas as civilizações possuem um mito fundador, uma narrativa compacta que tenta mostrar com aquela sociedade surgiu. O Brasil é uma das exceções, o que sugere que não sejamos de fato uma civilização ou que não tivemos poetas capazes de apreender um símbolo através do mito.
Quando você entende isso, percebe que o mito é uma coisa muito séria, que deve ser estudado com todo o rigor. Para Voegelin, a questão principal era entender a realidade que deu origem aquele mito e qual o horizonte de consciência que o criador do mito tinha ao dar forma a um símbolo compacto dessa experiência. Esse era o método filosófico por excelência, tomar consciência do que se sabe. Não tem nada a ver com ficar estudando filósofos do passado e decorando fórmulas filosóficas.
Ou seja, passa bem longe do que se ensina em uma universidade brasileira. Não é à toa que a principal do Brasil, a USP, jamais formou um filósofo digno de monta. Formou no máximo historiadores, e ruins, de filosofia.