Santo Agostinho e a sociedade brasileira

Santo Agostinho e a sociedade brasileira

Terminei o Livro XIX de A Cidade De Deus, do Santo Agostinho.
 
Em seus capítulos finais ele discute a questão da República. Entendendo a república como coisa do povo, ele demonstra que pelos conceitos apresentados por Cícero, Roma não teria sido uma república. Tudo porque Cícero definia povo como um conjunto de pessoas com direitos reconhecidos entre si. Como a base para o direito é a justiça, só poderia haver povo se houvesse justiça. Ora, o domínio de Roma sobre as outras cidades era injusta porque baseada no argumento do mais forte, uma posição rechaçada desde Platão. Assim, não tendo justiça, não havia direito e, portanto, não poderia haver povo. Sem povo não se pode falar em República.
 
Agostinho, entretanto, propõe outra idéia para povo. Ao invés de direito, seu fundamento estaria no amor comum. Há de se falar em povo quando um conjunto de pessoas amam entes comuns; O povo será melhor ou pior à medida que amem coisas mais elevadas ou mais baixas. A república, sendo expressão desse povo, refletirá a qualidade desse amor.
 
E daí? Para que serve a leitura desses textos antigos?
 
Bem, tentemos trazer para nossa realidade. O que podemos dizer sobre o nosso Brasil?
 
Evidentemente, pelos conceitos de Cícero, também não somos uma república, pois falar em justiça no país chega a ser piada. No entanto, o colocação do direito como base do povo está bem no espírito kantiano dos nossos progressistas que, em última análise, colocam a Constituição como principal fonte de justiça (bem interpretada pelos guardiões do STF, claro!). É um ideal de muitos que nossa república seja orientada por uma constituição interpretada por uma elite iluminada, o que contaria qualquer definição de república como coisa pública ou coisa do povo. Seríamos, no máximo, uma coisa dos intelectuais ou das elites. Uma espécie de “res-elites”.
 
Se formos para a proposta de Agostinho, temos que responder o que define o povo brasileiro em termos de amor. O que amamos em comum? Deus? A família? Futebol? Os prazeres do carnaval?
 
Quanto mais baixos forem os amores dominantes, mais baixo será nosso povo e, em consequência, menor a qualidade da nossa republica. Por esta linha de pensamento, nosso problema não é e nem será resolvido no nível político. Precisamos ordenar, em sequência, nossas vidas, nossas famílias, nossa comunidade para chegar na nossa sociedade. Não tem político que resolva uma coisa dessas.
 
Quando buscamos em um texto clássico uma iluminação para, pelo menos, formular questões como essas, estamos nos inserindo em uma cultura, incorporando uma tradição. Há os que pensam que cultura é exposição de rabiscos em museus ou peças de gente pelada imitando macacos. Isso não é cultura, é pirraça
 
Em algum momento da vida temos que escolher o que desemos para nós e nos tornarmos adultos. 
jogo-do-brasil-contra-camaroes061

Três dicas de discos para escutar em 2017

Estamos chegando perto do meio do ano e já temos alguns lançamentos para acompanhar.

1. Chris Stapleton (From a Room: Volume I)

Mistura de country e southern rock. Prestem atenção nas músicas I Was Wrong e Without Your Love. Coisa fina. Candidatíssimo a melhor disco do ano.

https://open.spotify.com/embed/album/48lNtKwbQfwWsweRPdf16V

2. Father John Misty (Pure Comedy)

Música com alma, onde uma certa tristeza aparece a cada faixa.

https://open.spotify.com/embed/album/3CoFoDt6zt5EKxmTpOX32b

3. Blondie (Pollinator)

Sim, Deborah Harry e trupe estão de volta fazendo o que sabem de melhor: adaptar um som calcado no punk rock dos anos 70 com as tendências da música pop ao longo do tempo.

https://open.spotify.com/embed/album/6o4STrKI7oQoWppn6Nkdp5

Camões: Jacó e Raquel (Soneto 29)

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

O Vltava (ou Moldau)

O Vltava (ou Moldau)

 

O poema musical Vltava é uma composição do século XIX do compositor tcheco Bedrich Smetana e faz parte de um conjunto de 6 peças entitulado Má vlast (minha terra natal). Trata-se de uma obra de cunho nacionalista, que Smetana tenta traduzir seu amor por sua pátria.

Vltava ou Moldau é o rio que nasce na Bohemia e termina na cidade de Praga e a música de 12 minutos acompanha a trajetória do rio. Trata-se de uma das mais belas composições musicais já feitas na história, e minha preferida. Ela aparece no filme A Árvore da Vida, remetendo ao rio como símbolo da própria existência humana.

Dystopia

Dystopia

Dave Mustaine estava particularmente inspirado quando escreveu a letra dessa música do último disco do Megadeth. Nela está não só o problema da distopia, mas a essência da ideologia: a substituição da realidade pela imagem que temos dela.

17925432

 

Dystopia

“What you don’t know” the legend goes “can’t hurt you”
If you only want to live and die in fear
They tell us to believe just half of what we see
And absolutely nothing that we hear

Resist the twisted truth no matter what the cost
Supplant the rights with wrongs inside our heads
Outlawing all the questions to the answers
That no one likes when someone ends up dead

Dystopia
Dystopia
Dystopia
Dystopia

“What you don’t know” the legend goes “can’t hurt you”
If you only want to live and die in a cage
There’s panic and there’s chaos rampant in the streets
Where useless thoughts of peace are met with rage

Demoralized and overmastered people think
The quickest way to end a war is lose
Dictatorship ends starting with tyrannicide
You must destroy the cancer at its root

Dystopia
Dystopia
Dystopia
Dystopia

A Beleza Salvará o Mundo?

A Beleza Salvará o Mundo?

fiodor_dostoievski_a_beleza_salvara_o_m_ol

Vivemos uma época de guerra cultural, de conflitos ideológicos entre visões de mundo contrastantes, todas pretendendo  representar a verdade e a bondade. Por isso é tão difícil discutir na atualidade; não há um terreno comum para que se busque convergências e se entenda a divergência. Tudo é uma guerra de conversão, seja de infiéis ou ignorantes.

Para Gregory Wolfe, essa guerra não será resolvida pelo poder da argumentação ou pela imposição da realidade. A única possibilidade de salvação desse conflito sem tréguas é através de uma dimensão que foi rebaixada à auxiliar destas forças em conflito, a dimensão da beleza. Por isso, Wolfe foi buscar na frase de Dostoievsky a insipração de sua tese: “a beleza salvará o mundo”.42962974

Wolfe parte de dois pontos de partida interessantes para desenvolver sua argumentação. O primeiro foi a teoria do padre jesuíta John O’Malley expressa no livro “Four Cultures of the West”. Há quatro grandes culturas em permanente iteração no ocidente: a cultura profética dos religiosos,  a cultura acadêmica/profissional dos intelectuais e cientistas, a cultura humanista de escritores e poetas, e a cultura artística de pintores, escultores, e etc. Essas culturas possuem pontos de contato e muitas vezes se completam; mas muitas vezes travam batalhas.

A segunda teoria apropriada por Wolfe é a dos três transcendentais da filosofia clássica, especialmente em Aristóteles. São três os bens supremos: o bom, o belo e a verdade. Mais que isso, são expressões de uma mesma realidade. Os três transcendentais orientam a vida humana. São bens em si mesmos, não são caminhos para obter outro bem.

Wolfe faz então a conexão das duas teorias: a cultura profética relaciona-se com o bom; a acadêmica/profissional com a verdade; a humanística e artística com o belo. Uma sociedade será harmônica à medida que estas três dimensões (e quatro culturas) também o sejam.

E o que vemos na modernidade? Ideólogos, à esquerda e à direita, que se colocam como profetas da bondade ou donos do conhecimento, relegando o belo a uma função auxiliar nas guerras culturais que promovem. Trata-se de um rebaixamento da arte.

Apesar de sua origem conservadora, Wolfe se afastou do movimento conservador norte-americano por entender que este se desconectou com a realidade ao declarar que qualquer arte ou literatura contemporânea é inferior e desprezível. Eles se fecharam ao belo e transformaram a cultura em um museu, esquecendo que a posição conservadora é de uma cultura viva, sempre se renovando.

Wolfe dedica-se a entender o humanismo e a arte a partir de sua relação com as religiões tradicionais, particularmente a cristã, retomando o entendimento do humanismo cristão. Ele não faz apologia de autores e obras que se limitam a fazer pregação, repetindo o erro da ideologia. A arte deve ser uma expressão da condição humana, relacionando-se como o bom e a verdade, mas mostrando o homem em sua realidade. Um humanista cristão mostrará os paradoxos e as dúvidas existenciais de uma realidade que o homem não compreende totalmente mas é convidado a aceitar.

A partir dessas idéias, Wolfe apresenta pequenos ensaios sobre escritores, poetas e artistas que expressam essas ligações entre os três transcendentais e as culturas correspondentes. Ele apresenta uma alternativa para as engessadas fórmulas de crítica, a maioria oriunda das universidades, que dominam a cultura a ponto de sufocá-la. Entender a arte como expressão do belo, mas conectada ao bom e à verdade é a chave para contemplar a beleza e seu papel fundamental para o desenvolvimento da imaginação, uma faculdade do espírito essencial para compreender a realidade. Como ressalta Wolfe:

Padre O’Malley me ajudou a ver porque me tornei um defensor da beleza como um agente necessário para tornar os apelos da verdade e bondade significativos.

Para concluir, vale a pena reproduzir um trecho de um poema de Milosz, que Wolfe usa para terminar seu preciso livro:

E quando as pessoas deixarem de acreditar que há bem e mal,

Somente o belo os chamará e salvará,

Para que ainda saibam como dizer: isto é verdadeiro e aquilo não.

Czeslaw Milosz

Tzvetan Todorov (1939-2017)

Tzvetan Todorov c John Foley Opale

Deixou-nos hoje um verdadeiro intelectual, o búlgaro Tzvetan Todorov, que conheci a partir das aulas do Rodrigo Gurgel.

Dos três livros que li dele, o que mais me impactou foi o breve A Literatura em Perigo. Nele, Todorov mostra os três grandes monstros que estão destruindo a literatura e corromperam seu estudo nas escolas: o formalismo, o solipsismo e o niilismo. Nada é mais importante na literatura do que o sentido das obras, justamente o que é negligenciado pela análise crítica atual e pelos professores, até porque a maioria não é capaz de entender as obras que estudam. 

Que descanse em paz!

Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. 

Tzvetan Todorov

A Literatura em Perigo

Finalmente entendi o conceito de Single

Para quem começou a escutar música nos anos 80, no Brasil, o conceito de single não fazia muito sentido. O nosso mercado era dominado pelos LPs, e quando singles eram lançados por aqui, normalmente na forma de EP, o preço era o mesmo. Qual era o sentido então de pagar o mesmo por apenas 2 músicas? Além do mais, o LP chegava no Brasil muito depois de seu lançamento.

Com o Spotify(e similares) é possível acompanhar os lançamentos lá fora. Tem uma aba chamada new realeses que mostra diariamente o que está sendo lançado. Só lamento que não consiga excluir o mercado brasileiro porque o nível de porcaria é acima do aceitável. De qualquer forma, pela primeira vez estamos poder acompanhar o lançamento dos singles e tem sido uma experiência muito interessante. O single é um um convite para o disco que está para sair.  Time for Bedlam, do Deep Purple, por exemplo, me deixou muito curioso pelo disco que está para sair. Faz tempo que não escutava uma música tão boa da banda, que sempre foi uma das minhas preferidas.

Está sendo bem legal acompanhar o mercado por meio dos singles e já tenho uma lista dos que mais me chamaram atenção ano passado. Finalmente o conceito passou a fazer sentido para mim e posso sentir um pouco do que os ingleses sentiam nos anos 60, a era de ouro dos singles.