De Volta para o Futuro

Terminei ontem de rever a trilogia De Volta para o Futuro, a segunda melhor do cinema. Sério, é perfeita. Entretenimento feito com esmero, sem ofender a inteligência do espectador. Eu tinha uma imagem da adolescência que a parte III era inferior aos outros dois; besteira, fecha com chave de ouro e conclui a grande lição que Marty McFly aprende a duras penas: não se pode viver preocupado com o que vão achar de você. Querem te chamar de covarde? O problema é de quem chama. Como ele sabiamente conclui: ele é um idiota! Quem importa com o que diz um idiota?

No fundo, a trilogia é uma meditação sobre como fatos aparentemente sem importância, que não damos valor na hora, afetam significativamente nosso futuro. Temos que ter atenção no que realmente importa e ajudar-nos uns aos outros, caso contrário corremos o sério risco de crescermos ressentidos e infelizes, sendo apenas um rascunho do que poderíamos ser. É um filme sobre o potencial das pessoas, que muitas vezes permanece irrealizado, sem transformar-se em ato.

Robert Zemeckis nos brindou com um cinema de aventura de primeira grandeza, lembrando que entretenimento também pode ser arte.

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CDs: duração foi um estrago

Um problema que o CD criou para a indústria musical foi seu tamanho. De uma hora para outra se passou de um LP de 45 minutos para um CD de 70 minutos. Foi ruim para os artistas que trabalhavam o conceito de album, que pensavam a composição do disco inteiro; mas para os artistas de hits é que foi um verdadeiro desastre.

Sim, pois existe em geral dois tipos de artistas. Existem aquele que pensam em albuns e aqueles que pensam em hits. Os primeiros buscam um trabalho coeso, que tenha boas músicas em todo disco. Não quer dizer que não tenha hits, mas o restante mantém o nível do disco. Pensem no Revolver dos Beatles ou The Number of the Beast do Iron Maiden. Os dois possuem hits, mas o restante do disco é de mesmo nível.

Pois estes artistas de uma hora ao invés de compor 45 minutos de músicas tiveram que passar a compor 70 minutos. Ou seja, muita coisa que ficaria como extra, passaram a compor o disco. O resultado, em geral, era bem irregular. Era como se a banda tivesse que lançar todos os seus albuns como duplos, o que se fazia uma vez ou outra. O disco do Iron Maiden Fear of the Dark é um bom exemplo. Eu cortaria quase metade do disco e ele passaria de um trabalho bom para excelente. (Polêmica: acho o disco mais fraco da banda).

Mas se a duração do CD foi ruim para a banda que pensava o album, para os artistas que pensavam hits, foi um desastre. O que significa pensar hit? O artista se esforça mesmo é para fazer 2 ou 3 hits. O restante do disco é de fillers, ou seja, preenchimento. É canção bem meia boca apenas para ocupar o espaço. O que vai puxar as vendas é o hit. Se antes eles compunham umas 6 canções meia boca, agora tinham 10. Tem que ser muito fã para escutar um CD inteiro de um artista que só busca os hits. Um exemplo é o disco 1987 do Whitesnake, campeão de vendas. Ali tava na cara que Coverdale queria 2 ou 3 hits para conquistar o mercado e deu. Isso porque o disco ainda foi na época do LP. Com o CD veio coisa bem pior, com muito mais música para ocupar espaço. Adoro Whitesnake, mas como album sou muito mais um Come And Get It (1981), sem hits mas um album coeso.

Pensando bem, acho que vou formas umas listas no spotify de CDs limitados a 45 minutos, tentando imaginar como ficaria o album.

Exemplo: Fear of the Dark (Iron Maiden)

Lado A

1. Be Quick or Be Dead

2. From Here to Eternity

3. Afraid to Shoot Stranger

4. Wasting Love

Lado B

1. The Fugitive

2. Chains of Misery

3. Weekend Warrior

4. Fear of the Dark

Justiça, política e realidade

Toda meditação sobre política deveria começar por uma meditação sobre justiça, já alertava Platão na República. É curioso que quase todo mundo pensa neste livro como um livro de política quando na verdade ele usa a meditação sobre a justiça como uma aplicação do método filosófico. O diálogo começa com um ancião, homem público de sucesso, pensando sobre a morte que se aproxima. Alguém diz a ele que o importante é ter vivido com justiça e ele se pergunta: mas o que é justiça?

Corte para os tempos atuais. Desde Maquiavel que aos poucos as sociedades foram se convencendo que a política independia de justiça. Seu propósito era pragmático; o importante era a coisa funcionar. Em cada eleição, as pessoas se perguntam se tal coisa vai funcionar ou não, mas pouco gente se pergunta se é justo. Sim, a esquerda usa o termo justiça social para tudo, mas é mais uma palavra de ordem para evocar sentimentos e justificar qualquer ação do que um conceito que tenha algo a ver com a realidade. Além do mais, sua visão é parcial. Ela vê alguém recebendo um benefício e chama isso de justiça, mas pouca consideração faz com quem está provendo o benefício (uma dica, não é o estado ou o governo).

Mas afinal, o que é justiça? Grandes filósofos se dedicaram ao tem, pelo menos até o fim da Idade Média. Na modernidade, a questão foi colocada em segundo plano. Para a corrente marxista, nem tem sentido, pois justiça seria um conceito burguês. Que as maiores meditações sobre o tema se encontrem antes do surgimento da burguesia é apenas um detalhe.

santo-agostinhoEnfim, fiz este texto para introduzir uma frase de Santo Agostinho que tem tudo a ver com o que penso:

Não existe justiça se é contra a realidade.

A aceitação _ o termo usado é importante _ da realidade é o primeiro passo para se pensar em justiça.

Termino com outro pensamento de Agostinho, este um tanto mais famoso:

Perdida a justiça, um reino nada mais é que um grande roubo.

Mark Lilla e a Mente Naufragada

Terminei de ler A Mente Naufragada. Algumas notas:

  1. O autor parte da idéia de reacionário, que seria aquele que tem uma utopia no passado. Ou seja, enquanto o revolucionário deseja criar uma utopia, o reacionário acha que ela já existiu e depois o mundo se desviou do caminho.
  2. Por isso ele age como um náufrago, que navega em um rio vendo destroços do navio que é a própria civilização destruída.
  3. Ou seja, para o reacionário vivemos em uma época de decadência pois em algum momento cometeu-se um grande erro e a civilização, pelo menos a ocidental, se desviou de seu rumo.
  4. Inicialmente ele analisa três autores que apesar de não serem reacionários, tiveram sua idéias assimiladas por correntes reacionárias, oriundas da direita conservadora americana.
  5. Apesar de abundarem estudos sobre a mentalidade revolucionária, faltariam estudos sobre a mentalidade reacionária, ou seja, da mente naufragada. Lilla se propõe a estimular estes estudos.
  6. Acho que o maior talento do Lilla é de resumidor de livros. Praticamente ele passa do resumo de um livro para outro, com alguns comentários seus.
  7. No fim, ele conclui, sem dar nenhuma evidência, que o maior perigo hoje são os grupos reacionários, meio que deixando entender que a mentalidade revolucionária está em completa decadência. E que, inclusive, grupos de esquerda, desiludidos com o fracasso do socialismo, estão repaginando idéias reacionárias para manter os movimentos vivos.
  8. O livro tem pequenos estudos interessantes, como o feito sobre São Paulo que o coloca dentro de uma tradição revolucionária, sendo uma espécie de Lenin para Jesus (Marx). Felizmente Lilla discorda desta visão, apenas aponta como um exemplo da esquerda utilizando um mito da tradição para criar um mito próprio.
  9. Ele critica a utilização do passado, e da criação de mitos do passado, para justificar um projeto de futuro, mesmo que seja para restaurar um passado que nunca existiu, como é o caso do reacionário.
  10. O problema é que levando ao limite, qualquer coisa boa que já tenha existido no passado e seja referenciada como algo perdido, seria classificado por Lilla como mentalidade reacionária. E essas coisas existem! Nem tudo é mito e invenção para justificar projeto de poder.
  11. Sobre a mentalidade reacionária em si, João Pereira Coutinho já tinha chamado atenção para o problema em seu livro sobre o conservadorismo.

Cem Anos de Solidão: superestimado?

Terminei de ler Cem Anos de Solidão. Minhas notas:

  1. Sobre realismo fantástico, sou bem mais Borges. Nos contos do argentino, elas tem uma função na estória. Em Cem Anos, parece mais um exercício de futilidade.
  2. A concepção da obra é excelente. Pena que não foi Érico Veríssimo a realizá-la.
  3. Houveram capítulos que me interessaram, mas na maior parte não me conquistou. Uma pena.
  4. O Coronel Aureliano é o melhor personagem. Também é interessante a matriarca da família, Úrsula.
  5. Agora que penso, será que Gabriel leu O Tempo e o Vento? Tem muitas semelhanças.
  6. O que mais chamou-me atenção no livro foi a completa ausência de Deus na estória. Nenhum personagem tem relação com o transcendente, de nenhuma forma. Não sei se o autor pensou nisso, mas faz todo o sentido. Sem Deus, o homem se entrega a toda sorte de falsos ídolos. No livro estes ídolos aparecem na luxúria, desejo de poder, política, fascinação com o dinheiro, com o misticismo, ciências, médicos imaginários. Ou seja, sem Deus o homem não consegue se conectar ao outro e nem ser feliz.
  7. O mundo sem Deus é o mundo do eterno retorno e do homem como prisioneiro do destino. É o que acontece em Cem Anos. Os arcos se repetem, o que é acentuado pela repetição dos nomes.
  8. Se o livro é também uma alegoria sobre a América Latina, como dizem, então faltou um elemento primordial para entender a história da região: o catolicismo de seu povo. Nenhum dos personagens do romance tem fé.
  9. Não vou dizer que o livro é ruim, mas confesso que me decepcionei um pouco. Não o leria novamente.

Crônicas

Há um lugar comum que crônicas são textos leves sobre o cotidiano. Muitas vezes está correto, mas nem sempre; pode ser profundo também; pode ser bem triste.

Esta semana li e estudei uma crônica do Nelson Rodrigues. Faz parte de um conjunto que crônicas que escreveu sobre suas próprias memórias. A crônica que li, que ficou conhecida como A Menina, mas que não recebeu título do Nelson (é apenas a número 10 de seu livro de memórias), trata do nascimento de sua filha Daniela. É genialidade pura e destrói todo este lugar comum de texto leve sobre o cotidiano.

Obrigado ao professor Rodrigo Gurgel por tê-la apresentada em seu curso.


Para quem gosta de literatura, os cursos do professor são impagáveis. Confira em sua página.

 

 

 

O poder das multidões e a democracia

Tenho lido muito sobre os problemas da democracia, considerado o melhor regime político criado pelo homem, e por isso mesmo longe de ser perfeito. Recentemente li textos de João Pereira Coutinho, Olavo de Carvalho e um audio do falecido José Munir Nasser, em aula sobre Ortodoxia, do Chesterton.

Todos alertam para o mesmo ponto: Platão e Aristóteles consideravam a democracia a perversão de um regime possível, a República (ou Cidadania). Aristóteles, lembra José Munir, alertava em seu livro Política que os cargos do executivo não deviam ser alvo de eleições. Apenas os representantes (legislativos) deveriam ser eleitos. Por que o estagirita assim considerava? Porque os governantes não poderiam ficar reféns das vontades dos eleitores. Aliás, Aristóteles dizia também que não devia se incentivar a participação política para evitar que aqueles que não se importam, nem procuram se educar, passassem a ter voto. Anti-democrático? Sim, mas é este o ponto. Aristóteles não considerava a democracia um modelo virtuoso. O que não significa que defendesse uma tirania, para ele o pior dos regimes.

Lembro que Chesterton também chamava atenção que a democracia estava sempre a um passo da tirania. Bastava que o povo perdesse a paciência e resolvesse dar poderes especiais para uma pessoa ou grupo resolver logo os problemas da sociedade (veja os episódios 1 a 3 de Guerra nas Estrelas, uma aula de como a democracia se torna uma tirania).

Coincidência ou não, hoje estava lendo Rites of Spring, o livro de Modris Eksteins sobre a Grande Guerra. Ele narra no Capítulo 2, Berlin, como as multidões foram as ruas na Alemanha para exigir a guerra quando o Arqueduque Francisco Ferdinando foi assassinado em Seravejo. Os moderados do governo _ sim, eles existiam! _ e a oposição de sociais-democratas e socialistas, todos contra a guerra, se viram obrigados a votar no parlamento pela guerra, pois viram que não havia como ir contra tamanha vontade popular. O Kaiser, que sempre trabalhou no limite, forçando a política externa sempre a um passo de um conflito, também não teve como resistir. Em resumo, os políticos se viram pressionados pelo povo a se lançar em uma aventura que sabiam ter pouca chances de sucesso pelo tamanho da aliança França-Inglaterra-Rússia. Pode-se dizer que foram altamente democráticos e escutaram a vontade popular.

O resultado foram algumas dezenas de milhões de mortos.

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Bergman, silêncio III

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Semana passada assisti o terceiro filme da trilogia de Bergman sobre o silêncio de Deus. O Silêncio (1963), conta a estória de um dia na vida de duas irmãs, a intelectual Ester e a sensual Ana. Diante de um ataque de bronquite crônica de Ester, elas interrompem uma viagem de trem e se hospedam em um hotel em uma cidade não nominada, que vive a expectativa de uma guerra.

Minhas notas iniciais:

  1. Onde está o silêncio de Deus neste filme? Ao contrário dos dois outros filmes, nenhum das personagens formula indagação sobre Deus.
  2. Talvez a solução esteja no entendimento dos dois primeiros mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo.
  3. Se o foco de Luz de Inverno está na relação direta com Deus, O Silêncio tem seu centro na relação entre as pessoas.
  4. Se o padre encontra o silêncio de Deus talvez por sua incapacidade de se comunicar com as pessoas, a situação aqui parece invertida. As irmãs talvez falhem em se comunicar pela ausência de uma preocupação com Deus. Ambas se entregam a seus ídolos (sexo e vida intelectual).
  5. No fundo, as irmãs são iguais. Só muda o foco da atenção delas. Não sabem lidar com o amor entre elas e tudo vira uma oportunidade para agressão e causar dor.
  6. Quem mais fala no filme é o estranho camareiro, que parece se preocupar genuinamente com o sofrimento de Ester.
  7. O filho de Ana está entediado, pois é ignorado pelas irmãs pela maior parte do tempo. Talvez represente o futuro, que é sempre sacrificado quando nos deixamos levar por nossas intemperanças.
  8. Desta vez o filme não tem uma abertura para alguma otimismo. O destino das irmãs parece fadado à infelicidade. O que fica evidente é a falta de comunicação real entre elas. Mesmo quando conversam, se deixam levar pelo ressentimento e não abrem espaço para um entendimento verdadeiro.
  9. Como no primeiro filme, novamente Bergman sugere a questão do incesto. Por que? O que deseja comunicar?

Bergman, silêncio II

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Assisti o segundo filme da trilogia Silêncio, do Ingmar Bergman. Trata-se de Luz de Inverno (1962). O tema é um dia na vida de um padre que perdeu a fé, e por isso mesmo se torna incapaz de ajudar sua paróquia. O Padre Tomás se angustia com o que ele considera o silêncio de Deus, que não responde suas súplicas. Ele tem um romance com uma professora, motivo de fofoca na pequena cidade em que vive.

Minhas notas:

  1. Por mais que esteja confuso, e seja um pecador, seus sacramentos continuam válidos. É um dos mistérios da Igreja que ela não depende da santidade de seus sacerdotes para prosseguir em sua missão.
  2. Seu coração esvaziado reflete a comunidade ao seu redor ou é o contrário? A Igreja vazia é um símbolo do vazio interior do pobre Tomás.
  3. De todos os personagens, ninguém é mais enfadado com tudo aquilo do que o organista da igreja.
  4. O sacristão deficiente físico, que no início do filme aparece como um incômodo para os demais, no final aparece como o verdadeiro cristão, que a despeito de tudo reflete sobre as escrituras e tenta buscar uma orientação de como interpretá-las corretamente.
  5. O casal que busca auxílio para a depressão do marido com o padre é a representação das pessoas comuns, que sofrem os problemas da existência humana. Recorrendo a platitudes inicialmente, e depois desabafando seus próprios problemas, o padre é incapaz de ajudá-lo.
  6. A esposa é a representação da mulher pragmática, que leva um lar a frente a despeito de todas as dificuldades.
  7. A depressão e o suicídios provocam danos irreparáveis a quem fica. Principalmente os que realmente amam.
  8. Luz de inverno. Ela é rara, mas quando surge ilumina com força. Essa é a metáfora para a resposta de Deus no mundo. Creio que Ele age principalmente através das pessoas. É no outro que vamos encontrar as respostas que procuramos.
  9. Quando Padre Tomás resolve rezar a missa exclusivamente para Marta, que é tratada como ninguém pelo organista, ele se coloca realmente como um instrumento de Deus. Trata-se de um ato de amor.
  10. Não seria a fala do sacristão uma resposta de Deus a Tomás?