O literato

Comecei a ler Um Experimento em Crítica Literária, do C S Lewis.

No primeiro ensaio, Os Poucos e Os Muitos, ele trata da diferença entre o que chama de literatos (os amantes da literatura, os poucos) e as demais pessoas, os muitos. São características do literato:

1. Leêm os bons livros mais de uma vez;
2. a leitura não é uma atividade secundária na vida deles;
3. a leitura é uma experiência que modifica a consciência;
4. gostam de falar dos livros que leram

Enquadro-me em todas as quatro.

O Último Jedi é tão ruim assim?

Preparando-me para ver o Episódio IX, revi O Último Jedi, não sem uma certa má vontade, muito em função de vários vídeos que assisti no youtube apontando os erros do filme.

Quer saber? Foi um dos exemplos que não podemos nos deixar levar pela histeria coletiva. Sim, o filme tem seus problemas, mas a maioria de seus críticos são muito chatos, exigindo uma pureza que não tem lugar em um filme de entretenimento.

Sou grande fã dos filmes, mesmo os chatos como o Episódio I, mas entendo perfeitamente que se trata de cultura pop, de filme feito para divertir. Não é para ser tratado político-religioso, embora existam elementos interessantes sobre problemas como totalitarismo e fim da democracia, seu principal apoio são os movimentos de queda e ascensão de seus personagens, mas tudo, repito, como suporte para cenas de ação, humor, paisagens incríveis e etc.

Quem conseguir colocar os filmes em sua prateleira correta, não tem motivo para ficar se queixando. Por isso Aristóteles insistia tanto no problema da classificação. A primeira etapa da análise é classificar corretamente o ente.

Star Wars é entretenimento. Veículo para humor, heroísmo, batalhas espaciais, música, cenários incríveis. O Último Jedi dá uma derrapada feia com a incompreensão do seu criador em relação a Luke Skywalker e da própria jornada do herói, desperdiçando boas idéias plantadas no Episódio VII; mas está longe de ser o desastre que colocam.

gerações

2019: poucos romances

Terminando 2019, verifiquei que li poucos romances. Tem explicação, já que priorizei os contos e as peças de Shakespeare. Mesmo assim, destaco o top 5 que li este ano:

  1. Decline and Fall – Evelyn Waugh
  2. Lord Jim – Joseph Conrad
  3. Os Invernos da Ilha – Rodrigo Duarte Garcia
  4. A Fuga do Sr Monde – George Simenon
  5. O Alienista – Machado de Assis

A terra dos homens de Saint-Exupery

Comecei a ler Terra dos Homens, espécie de auto-biografia do autor do Pequeno Príncipe, Saint-Exupéry.

Nos dois primeiros capítulos ele conta seus primeiros dias como piloto do correio aéreo, mostrando a enorme dificuldade em abrir rotas pelos Andes, na década de 30, o que vitimou muitos pilotos.

Em certo momento ele afirma que “ser homem é assumir responsabilidades”.

Tenho pensado muito nesta frase.

Tchekhov: mestre do conto

Terminei esta semana de reler Treze Contos, do Tchekhov. É daqueles livros para ler e reler durante toda a vida, pois é tão rico que sempre terá algo a mais a apreender a cada leitura, principalmente com a maturidade.

O que me impressiona neste escritor é sua capacidade de nos conectar com seus personagens com poucas linhas. Ele não precisa de mais do que alguns parágrafos para despertar em nós a simpatia, antipatia, raiva, alegria. De alguma forma, aquelas pessoas se tornam conhecidas nossas, torcemos por eles. Talvez porque no fundo eles nos sejam familiares porque são tipos humanos que conhecemos em nossas próprias vidas.

O pequeno livro fecha com chave de ouro com O Duelo, um conto que coloca face a face dois tipos comuns do século XIX, que se tornaram dominantes no século XX.

Lacvsky, o anti-herói, é o homem decaído do ocidente. Tão acostumado aos confortos da vida moderna que apenas se iniciava que vai abandonando os valores tradicionais um a um, contanto mentiras para si mesmo para se enganar o tempo todo. Admite sua fraqueza para não ter que lidar com ela. Quer ser livre de qualquer compromisso e viver sem limites. No entanto, sua constante perturbação indica que suas consciência está lá em algum lugar, tentando chamá-lo à razão. É o homem conformado que não quer lutar por nada.

De outro, Von Koren, o intelectual, darwinista social, que não respeita a sabedoria tradicional, é intolerante com os decadentes, quer moldar o mundo à sua visão. Não por acaso é acusado o tempo todo por Samoilenko de ter sido estragado “pelos alemães”. É um fruto da ideologia alemã que se espalhava pela europa, o protótipo do revolucionário, que tanto sangue espalhará pelo mundo.

Há outros tipos como o diácono que deseja mais as pompas do cargo de bispo do que uma vida espiritual, a dividida Nadezha que de certa forma representa a própria Rússia dividida, o bom Smoilenko, que tenta a tudo conciliar, mas que é dominado por ambas as partes.

No fim, uma mensagem de redenção. Não há homem tão caído que não possa se redimir, não há pecado que não possa ser perdoado. Deus age de muitas formas, até através de nossos erros.

Tchekhov se supera

Terminei o conto O Duelo, do Tchekhov, uma absoluta obra-prima. Um fio de esperança em um mundo decadente, que mostra que a salvação está dentro de cada um de nós e pode ser desperta nas situações mais difíceis.

O homem precisa encarar sua realidade e aceitá-la. Nunca sabemos em que momento essa compreensão pode despertar em nosso espírito e que temos um imenso poder de nos perdoar por nossos pecados.

Que personagens!

Que drama!

Um dos pontos altos da literatura mundial.

Como o Flamengo se tornou tão popular?

Outro dia um amigo me provocou em uma discussão de whatsapp: como eu explicava o Flamengo ter se tornado o time mais popular do Brasil? Segundo ele, quando o Flamengo ganhou seu primeiro título Brasileiro, em 1980, já era popular. Como eu explicava isso considerando que até a era Zico o time nunca tinha ganho nada de expressão que justificasse ter se tornado um time nacional, com torcida em todos os lugares do país. Para ele, o Flamengo era uma criação da rede globo durante o governo militar, provavelmente para ser o tal “ópio do povo” porque, claro, a globo é flamenguista.

Aí já tem coisa que não faz sentido. Se o Flamengo não era o time mais popular do Brasil em 1964, quando a Globo começou a se tornar hegemônica, porque ela teria escolhido justamente o Flamengo para ser o mais popular e porque ela faria isso? Não faz o menor sentido. Mas confesso que fiquei intrigado pela pergunta. O Botafogo dominou a década de 50, o Santos a de 60. E realmente, o Flamengo nunca tinha conquistado um título nacional até 1980. Como se formou a nação?

Provocado, fui tratar de pesquisar. A primeira resposta que encontrei é surpreendente. Para começo de conversa, achei um artigo no Jornal dos Sports, de 1971, em que Mario Filho levantava os motivos do Flamengo ser o time mais querido do país. Em 1971! A televisão não tinha penetração assim para em 2 ou 3 anos a Globo ter provocado este fenômeno. Continuei pesquisando e encontrei uma tese de doutorado em história, na UFF, do historiador Renato Soares Coutinho, que explica justamente esse fenômeno e pasmem, não tem nada a ver com a Globo e muito menos com a televisão. O período chave foram 5 anos na década de 30! E justamente em um período que o Flamengo não ganhou nada. O maior jejum de títulos cariocas do clube foi justamente nesta época. Foi a única vez que o Flamengo ficou 10 anos ser ganhar um título. Como aconteceu?

Aconteceu porque neste período, especialmente de 1933 a 1937, o Flamengo teve um presidente que fez uma gestão voltada não para ganhar títulos, mas para tornar o Flamengo o primeiro clube nacional do Brasil, vencendo as fronteiras regionais. A história é fascinante. Na década de 30, Vargas tinha chegado ao poder e a classe urbana trabalhadora tomava o protagonismo na sociedade brasileira. Até então, o futebol era uma prática elitista, voltada principalmente para os sócios dos clubes. A década de 30 foi quando as arquibancadas passaram a ser frequentadas por populares e não apenas sócios, formando a primeira profissionalização do futebol. Os clubes torceram o nariz para o que estava acontecendo, especialmente o Fluminense, que já disputava grandes jogos com o Flamengo. O Vasco construir naquela época sua aliança com os imigrantes portugueses, criando o símbolo de time dos lusitanos.

Foi em 1933 que José Bastos Padilha assume a presidência do clube. Padilha pode ser considerado um pai do marketing esportivo. Ele tinha uma visão que o governo Vargas tinha despertado nas classes populares urbanas o nacionalismo e acreditava que se o Flamengo se associasse a símbolos nacionais ele se tornaria o primeiro clube nacional do país e teria seu futuro assegurado. Os títulos seriam consequência deste fenômeno e ele se dedica intensamente em cinco anos a praticamente refundar o Flamengo. De um clube de regasta elitista da zona sul do Rio de Janeiro, a fenômeno popular de carácter nacional.

Um exemplo. Nos primeiros anos de governo, Vargas fez várias leis que “não pegaram” como ele mesmo dizia. Uma delas era cantar o hino nacional nas competições esportivas. Os clubes se recusaram e ignoraram. Deve-se lembrar que o governo ainda não era uma ditadura. Padilha percebeu como uma oportunidade de mostrar que o Flamengo estava ligado ao Brasil e levou uma banda para tocar o hino nacional em cada jogo, inclusive nas Laranjeiras. Criou uma série de slogans associando Flamengo e pátria como “Flamengo é o Brasil”, “Uma vez Flamengo, sempre…. tudo pelo Brasil”, “Flamengo o time da pátria” e assim por diante. Padilha apostou também com a interação com a torcida, criando diversos concursos para estabelecer símbolos e slogans para o Flamengo.

Em 1936, o Jornal dos Sports já usava termos como “massa” e “multidões” para se referir ao público do Flamengo. Os clubes torceram o nariz e começaram, como hoje acontece, a ridicularizar o carácter popular do clube, o que, como hoje, contribuiu para popularizar ainda mais o Flamengo. O Vasco foi o primeiro clube a aceitar negros como sócios, mas na década de 30 nenhum time do Brasil tinha tantos negros quanto o Flamengo, a começar pelo maior deles, Leônidas da Silva.

Padilha não viu o Flamengo ser campeão em sua presidência. Renunciou ao cargo em 1937, pouco antes do golpe que instalou o estado-novo no Brasil. Apesar de ser a favor do nacionalismo, não concordava com o fim das liberdades e em 1945 fez campanha contra Dutra. Nos anos seguintes à sua renúncia, o espírito continuava o mesmo. O Flamengo se dedicava em fazer o clube popular.

Para terminar, o rádio teve um aspecto importante neste processo. Na década de 30 começaram a transmissão de jogos de futebol. Ary Barroso e Mario Filho eram escutados no interior do país, pois a transmissão para Norte, Nordeste e Centro-oeste era a do Rio de Janeiro, então capital. O que estes brasileiros escutavam? Um clube fazendo questão de criar cada vez mais símbolos de cunho nacionalista. O tricampeonato carioca de 42-43-44 só veio sedimentar e impulsionar esta associação.

Em resumo: o Flamengo montou na década de 30 um projeto para se tornar popular e o implementou. Pode-se dizer que enquanto os outros clubes se dedicavam a ganhar títulos, o Flamengo queria ser popular. Todos conseguiram o que queriam. E não, a globo não tem nada a ver com isso.

A Sabedoria do Padre Brown

Terminei de reler os 12 contos de A Sabedoria do Padre Brown, segundo livro que Chesterton escreveu sobre seu simpático padre-detetive. No fundo, o que ele faz é ligar o céu e a terra através da ligação entre os mistérios divinos e humanos.

Divido com o leitor alguns trechos:

O homem que escreveu este bilhete conhecia todos os fatos. Não poderia tê-los confundido sem conhecê-los. É preciso conhecer muitas coisas para se errar em tudo… como o demônio.


O senhor sempre se esquece de que a máquina de confiança tem sempre de ser operada por uma máquina que não é digna de confiança. (…) Refiro-e ao homem, a máquina menos digna de confiança que conheço.


__ Então __ rosnou o detetive __ esse grande numismata e colecionador de moedas não passava de um avarento vulgar.__ E há tão grande diferença entre as duas coisas? __ perguntou o padre Brown, no mesmo tom estranho e indulgente.

__ Quais são os defeitos de um avarento que não se encontram frequentemente num colecionador? Pouca coisa a não ser… ” não farás para ti qualquer imagem; não te curvarás diante delas nem as servirás poi Eu…” bem, precisamos ir ver como estão passando os jovens.


Conheço seu nome, chama-se Satanás. O verdadeiro Deus se fez carne e habitou entre nós. E lhe assegura, onde quer que encontre homens dominados inteiramente pelo mistério é da iniquidade. Se o demônio lhe diz que uma coisa é horrorosa demais de se ver, olhe para ela. Se diz que alguma coisa é horrível de se ouvir, ouça-a. Se diz que alguma coisa é insuportável, suporte-a.


Pois nós, seres humanos, nos acostumamos com coisas irregulares; acostumamo-nos com o estardalhaço do inconveniente; é uma melodia com que adormecemos. Se acontece uma coisa apropriada, ela nos desperta como o retino agudo de um acorde perfeito.