Semana foi agitada e só deve piorar daqui por diante. Começam os preparativos para deixar Bogotá depois de um ano e mudar para o novo destino: Brasília.
Mas, vamos lá, 5 notas sobre a semana que passou!
A bela Cartagena
Um livro que terminei de reler _
Tremendas Trivialidades, do Chesterton. Trata-se de um livro que reune crônicas escritas por ele para o Dairy Mail. É um antídoto para os textos pomposos que encontramos hoje nos jornais, onde os colunistas tentam replicar a retórica pomposa dos intelectuais acadêmicos. A partir de acontecimentos simples do dia a dia, Chesterton nos conduz em caminhadas exploratórias sobre as teses que estão escondidas em diversos comportamentos e, principalmente, onde isso tudo vai nos levar. É um diagnóstico de uma sociedade que estava se tornando doente por ter abandonado o senso comum que nos deveria guiar. Livro para ler para o resto da vida.
Uma cidade que revisitei _
Cartagena das Índias, na Colômbia. Na entrada do Caribe, recebendo rios que vêm do interior do que antigamente era a Gran Colômbia, a cidade foi o principal porto comercial e militar da América espanhola. Arquitertura militar, civil e eclesiástica da época colonial e do início da República dão o tom da bela cidade amuralhada, o centro histórico de Cartagena, que ainda conserva boa parte da muralha que protegia a cidade.
Um capítulo que li _
O capítulo de conclusão de A Mente Imprudente, do Mark Lilla. Ele reflete sobre a responsabilidade dos intelectuais sobre os destinos de uma nação a partir da cumplicidade dos intelectuais de esquerda com os regimes totalitários. Não me interessei pelo miolo do livro e fiquei apenas na Introdução e Conclusão.
Um disco que restou revisitando _
The Final Frontier, do Iron Maiden. Não dei muita atenção na época. Um erro. O disco é muito bom e estou curtindo bastante.
Um pensamento que estou remoendo _
Quem tomar para si a tarefa de escrever a história intelectual honesta da Europa no século XX precisa de um estômago muito forte.
Mark Lilla
E você, o que andou fazendo? Gostaria imensamente de saber. Não se acanhe e deixe seu comentário!
Enquanto o tt do twitter discutiam uma treta no PSL, chamou-me mais atenção um artigo do Mark Lilla que trata de uma terceira via, à direita, na política francesa.
Li o artigo. Algumas notas:
Lilla é um liberal (esquerdista). Ele pode estar à direita do liberalismo EUA, mas continua sendo um liberal.
Significa que as idéias vem em primeiro lugar e, de certa forma, continua prisioneiro de suas categorias.
Ele observa bem a existência de uma maioria católica silenciosa na França, que poderia ter eleito o tal Fillon, se este não tivesse se envolvido em corrupção. E mesmo assim, quase passou para o segundo turno.
Ele considera que a posição de direita é o espantalho que o esquerdismo faz dela. Conservador nos costumes e liberal (sentido econômico) na economia. Nada de estado, anti-globalização, anti-imigração, anti-ambientalista, etc.
Ele se surpreende que há uma nova direita surgindo na França que tem a mesma posição conservadora nos costumes, incluindo ser contra a UE, mas é contra o livre mercado, adotando posições quase marxistas (ou social-democrata).
Esta direita seria pró-ambientalista, contra o capitalismo, a favor do Estado-nacional. Ele cita a encíclica de Francisco como sua referência.
Lilla parece ignorar a doutrina social da Igreja, que sempre se distanciou tanto do capitalismo quanto do socialismo. Parece que ele é prisioneiro desta dicotomia, acreditando que só pode ser um ou outro, ignorando o que a Igreja afirma nos últimos cem anos, que socialismo e capitalismo tem raízes comuns, no individualismo do homem-exterior, como dizia Gustavo Corção.
Que Bento XVI já tinha mostrado a posição da Igreja quanto ao meio ambiente em sua última encíclica, e que escreveu boa parte da encíclica de Francisco. Que conservar o meio ambiente é uma posição histórica da Igreja, o que não pode ser confundido como o alarmismo do aquecimento global.
Lilla entende que a entrada desta direita no debate, através de jornais e criação de escolas é fazer Gramcismo. Acho que ele deveria estudar mais Gramsci.
Há uma grande diferença entre ocupar cargos na Cultura para impedir o debate, demitir inconvenientes e obter uma hegemonia cultural e buscar um lugar para poder expressar idéias e participar do debate público. Acho que para Lilla, eu ter um blog na internet é praticar a estratégia do Gramsci. Se eu o entendi corretamente, tudo é Gramsci.
Apesar de tudo, Lilla parece estar interessado em entender o pensamento conservador e ler seus autores de referência. Já é algo que 99,9% dos liberais se recusam a fazer. O problema é estar preso a suas próprias idéias, como achar que ter uma visão coerente que explica o mundo é algo que falta à direita tradicional quando é exatamente a estrutura da realidade. Não existe uma visão única que explique o mundo; esta é exatamente o erro que leva à ideologia.
O mundo não se resume a uma disputa de ideologias. Há uma posição anti-ideológica, que se recusa a subordinar a realidade às idéias. Esse sempre tem que ser um ideal para quem busca a verdade, que muitas vezes é rotulado de direitista ou conservador para intelectuais como Lilla.
Em tempo: acho que entendo a admiração de certa @, do crítico que não sabe escrever, por ele. Lilla fornece as caixinhas que o crítico gosta para poder rotular tudo e poder afetar superioridade. Olavo já tinha criado uma definição para tipos como ele (e Lilla). A do intelectual gostosão.
Pretty in Pink (1986). Disfarçado de comédia romântica, John Hughes nos apresenta um panorama da mediocridade do mundo e de como o desejo se apresenta nesta situação.
Uma playlist que revisitei
De tempos em tempos eu costumava “queimar” um CD com as músicas que eu mais escutava no momento. Estes CDs se tornaram meus diários musicais. Hoje, com o spotify, a coisa se tornou mais fácil. Conseguir resgatar minha playlist de 2001, quando morava em Santarém, no Pará. Buffalo Tom, Travis, Trapeze, Triumph, Mutantes e Warhorse foram os destaques naquele ano.
Um ensaio que li
Os Viageiros, do Chesterton. Está no livro Tremendas Trivialidades. Chesterton argumenta que o maior motivo para se viajar é retornar para casa. Só se pode chegar na Inglaterra, diz ele, se antes sair da Inglaterra. Parece estar falando sobre geografia? Não está.
Um conceito que revisitei.
Inspirado pelo chilique patético de nosso ministro do supremo, que mandou prender um passageiro do avião que ousou dizer que tinha vergonha do Supremo, retornei ao conceito de Estupidez Criminosa, que Eric Voegelin apresenta no livro Hitler e os Alemães.
Um pensamento
Ninguém está obrigado a participar da crise espiritual de uma sociedade. Ao contrário, todos estão obrigados a evitar a loucura e viver sua vida em ordem.
No livro Hitler e os Alemães, em que analisa como o povo alemão aceitou ser governado por um tipo como o Fuher, o cientista político Eric Voegelin utiliza um símbolo criado pelo romancista Robert Musil: o estúpido.
Eric Voegelin (1901-1985)
Não se trata de um xingamento, longe disso; Voegelin sempre utilizava os termos em seus sentidos técnicos. Estúpido remonta à escolástica, do latim stultus, que Santo Tomás utilizava para se referir ao homem que é incapaz de aceitar a realidade.
Se voltarmos ainda mais, chegaremos no escravo por natureza, de Aristóteles.
Estúpido, portanto, significa não reconhecer a realidade. Há dois tipos, ensina Musil.
O estúpido honrado, que não aceita a realidade por desconhecê-la, como acontece com a maioria de nós.
E há o estúpido inteligente, que recusa a realidade por um ato consciente. O famoso “não quer aceitar a verdade”.
Voeglin acrescenta que o problema do estúpido é que sua estupidez gera consequências para os outros. Principalmente, se este estúpido for colocado em uma posição que jamais poderia ocupar, passando a ter condições de impor sua visão de mundo aos demais. Neste caso, temos o estúpido criminoso.
Em seu livro, Voegelin, analisa a degradação espiritual de parte significativa da sociedade alemã, que foi capaz de permitir que um estúpido criminoso como Hitler chegasse ao poder.
Ontem tivemos uma pequena amostra de um estúpido criminoso no poder.
Se quer saber um pouco mais sobre estupidez criminosa, tem este vídeo que gravei no youtube.
Enquanto preparo o texto sobre o quinto filme de John Hughes sobre amadurecimento, 5 notas como aperitivo:
O preconceito de classe vai nos dois sentidos. Não são só os ricos que não querem se misturar.
Li uma crítica que condena o filme porque o personagem Blane é sem carisma. Besteira. Ele TEM que ser sem carisma. Está no tédio existencial de quem tem tudo. A vida é assim.
A dor do Duckie é bem real. Eu sei bem.
A escola continua a ser um local sem sentido. A esforçada professora não consegue vencer o desinteresse visto em Curtindo a Vida Adoidado.
Dois diálogos que valem o filme: os confrontos entre Angie e Blane e entre Blane e Steff.
O professor Ricardo da Costa, especialista em medievalismo, apresentou estes 10 exemplos, que comenta em entrevista no canal Terça Livre.
DEZ EXEMPLOS DE PRESSÃO ACADÊMICA
1) Na graduação (1981), professores diziam o que nós NÃO devíamos ler (ou assistir). Dois exemplos: o livro “Casa Grande & Senzala” (1933), de Gilberto Freyre (1900-1987) e o filme “Che” (1969, com Omar Sharif);
2) Na pós, autores “proibidos” de serem citados: Régine Pernoud (1909-1998), Barbara Tuchman (1912-1989), Giovanni Reale (1931-2014), Will Durant (1885-1981), Raymond Aron (1905-1983) (a lista é longa);
3) Em um concurso público, fiquei em terceiro lugar por ter explicado a defesa que Marx (1818-1883) fez do imperialismo inglês na Índia (disse-me um colega que era para eu ter passado em primeiro, mas como “fiz uma crítica” a Marx, fiquei em terceiro); em outro concurso público, fui criticado por ministrar uma prova didática muito boa (estava “querendo furar a fila” e passar na frente de outro candidato, pois era “a hora dele”); noutro, fui “aconselhado” a elogiar o Construtivismo na prova escrita, caso contrário, seria reprovado. Elogiei. Minha nota foi 9,2;
4) Certa vez, presenciei um doutor esquerdíssimo comprar o livro “Mea Cuba” (1968) de Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), dissidente cubano. Há histórias inacreditáveis no livro (como, por exemplo, o pagamento de jornalistas da BBC de Londres para elogiar Fidel e o regime). Só havia um exemplar na livraria. Comprou-o para ninguém comprá-lo (e lê-lo);
5) Quando ingressei na universidade, me “aconselharam” a estudar “História colonial” (para ficar mais “próximo” dos colegas);
6) Certa vez, um colega criticou minha roupa (estava com uma camisa verde musgo e uma bota): achou minha aparência “militar”; outro criticou que escutava Frank Sinatra (1915-1998); outra, que eu não deveria usar a expressão “a coisa tá preta”;
7) Quando critiquei Eric Hobsbawm (1917-2012) em uma palestra, um aluno, no dia seguinte, me perguntou como eu “tinha coragem” de fazer aquilo;
8) Quando divulguei em minha página do Facebook os desenhos do coronel Danzig Baldaiev (1925-2005), integrante da polícia política soviética de 1947 até meados da década de 80, dos gulags soviéticos, um “amigo” me escreveu para me “aconselhar” a “tomar cuidado”, porque “poderiam me pegar em Vitória”;
9) Em um mesmo dia, fui publicamente censurado TRÊS vezes por um colega (doutor, ex-jesuíta) por usar um crucifixo no peito;
10) Participei de uma banca de doutorado. Em sua tese, o candidato fez uma crítica (em nota de rodapé!) a Jacques Le Goff (1924-2014). Aborrecido, um doutor da banca LEU o currículo do historiador francês (sim, é inacreditável, mas aconteceu) para afirmar que o rapaz não poderia ter feito aquilo.
Mas, caríssimos, digo isso para afirmar que, MESMO ASSIM, fiz tudo o que quis: pesquisei o que quis, fiz minha carreira APESAR disso tudo (e muito mais, pois coleciono histórias absolutamente inacreditáveis). Por isso, CORAGEM, cidadão! Não se acovarde!
Nunca tinha escutado falar deste filósofo, mas ele colocou uma questão interessante no twitter.
Welcome to the welfare state.
The first generation got security.
The second generation got paralyzed.
The third generation gets tyranny.
O problema, parece ser, que para conseguir o primeiro ponto, a segurança para todos, os governos empenham recursos que não possuem, inclusive sacrificando as futuras gerações. É o famoso fazer caridade com o dinheiro dos outros.
A geração seguinte enfrenta a paralisação pois os custos de manter estes gastos sociais crescentes impede que se continue criando riquezas. Passa-se a trabalhar para sustentar um status quo que não tem como se sustentar.
Por fim, a desordem, que é o prato cheio para os tiranos.
Se Molyneux estiver certo, o estado do bem-estar, aka social-democracia, é um dos maiores atos de egoísmo do homem em todos os tempos. Ele toma para si não as riquezas do mundo, mas as que ainda serão produzidas.
Talvez isso explique que tantas pessoas e casais sem filhos sejam tão fascinadas pelas teses da social-democracia. Ao mesmo tempo que tem o conforto espiritual de estarem ajudando os necessitados, não precisam se preocupar com o que virá. Afinal, como dizia Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos.
Acho que a França está passando do estágio 2 para o 3.
A pergunta que me faço é se tem como interromper esta sequência ou mudar a conclusão. E se o filósofo está considerando a figura do tirano como necessariamente mal.
Porque me parece claro que para sair da social democracia e do bem-estar exige-se algo grau de sacrifício de toda a sociedade.