Estranho Mundo de Jack e a segunda realidade

Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas)

Jack é o rei do Halloween, mas está entediado. Tudo está tão certinho que não se sente desafiado, falta-lhe propósito. Algo como o enoui, o tédio existencial que Cervantes mostra tão bem na corte visitada por Dom Quixote, em sua terceira e derradeira expedição. Nela, o cavaleiro da triste figura encontra uma corte entediada, que sabe de suas aventuras e resolve entrar na dele, fingir que se trata realmente de um grande cavaleiro para se divertir. O mais interessante é que aos poucos passam realmente a acreditar nas mentiras que criam para impressioná-lo. Em um ensaio magistral, o cientista político Eric Voegelin mostra que se trata do mecanismo de criação de uma segunda realidade, paralela ao mundo real, mas muito mais estimulante e fascinante. A primeira realidade, o mundo como realmente é, nem sempre é atrativo para as mentes mais inquietas.

Assim como o rei daquela corte, Jack busca algo para se motivar. É neste momento que nossa alma se abre para o perigo da segunda realidade. Mesmo que se saiba que é mentira, o discurso é sedutor pois promete um mundo bem mais interessante e colorido.

Jack vê o natal e se entusiasma. Ele quer ser o novo papai noel, quer ser amado pelas pessoas. Ele emula o mundo do natal, criando renas esqueleto, se vestindo de vermelho, distribuindo presentes. Ele acredita que um novo mundo é possível. Familiar? Uma das formas mais impressionantes de segundas realidades é o fenômeno das ideologias políticas. Para Eric Voegelin, estas ideologias são formas de religiões políticas, pois utilizam a estrutura espiritual nas tradições religiosas, particularmente a católica, apenas trocando sua substância. Da mesma forma que uma ideologia como a marxista quer ser o novo cristianismo, Jack quer que o halloween se transforme no novo natal. Só que é tudo aparência e uma hora a realide se impõe. As crianças estão apavoradas com os presentes assustadores, ele termina alvejado por canhões e, ironia, cai nos braços da estátua de um anjo, percebendo então seu seu enorme equívoco. Não se pode mudar a essência das coisas, apenas o que lhe é acidental. Por mais que se esforce, Halloween jamais será natal assim como o marxismo jamais será catolicismo.

Jack termina aceitando a realidade como é. Não se trata de conformismo, pois muita coisa pode ser transformada dentro do nosso quadro existencial. O que não se pode é criar um mundo a partir de nossos devaneios, definir a realidade por nossa vontade. Por isso que São Tomás dizia que a verdade é filha do tempo. Ela termina triunfando, mesmo que a custa de muito sofrimento.

No fim, o papai noel sempre será o rei do natal e Jack terá sua parte, não como o novo Noel, mas como senhor de seu próprio reino. É tendo a humildade de entender seu papel que poderemos ter uma boa vida, como diziam os antigos. Infelizmente, fruto de nosso ego e ressentimentos, nos achamos capazes de construir nossa própria realidade, o que não passa de receita para as maiores atrocidades já feitas pelo homem. O humanismo abriu este caminho ao colocar o homem no centro da criação, o que termina em um grande processo de desumanização, abrindo caminho para o descarte dos que “não se encaixam”.

Uma sociedade dominada por uma ideologia é o verdadeiro pesadelo que antecede ao natal.

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