Praia: por que não?

O Brasil real

Temos o primeiro feriado numa segunda-feira depois que os estados começaram a flexibilizar as medidas pouco efetivas de lockdown. Digo pouco efetivas porque é muito diferente aplicar estas medidas na Europa Ocidental e em cidades do terceiro mundo superpopulosas e que metade da população não tem acesso à saneamento básico. Nosso jornalista pretende ignorar que a grande parte de nosso povo não tem condições de ficar em casa, mesmo com ajuda governamental. Simplesmente não temos reservas para tanto, até porque não passamos do estágio de ter a infraestrutura resolvida, como acontece com Itália, Espanha e França. Somos um país de necessidades urgentes, o que nos torna bem diferente.

Desde o início, os mais entusiastas de um lockdown rigoroso foram justamente aqueles que podiam ficar em casa sem comprometer suas rendas. Não se trata apenas de funcionários públicos, mas também de prestadores de serviços que conseguiram, com maior ou menos facilidade, continuar trabalhando com um computador e internet. Outro exemplo emblemático: a quantidade de comentaristas e apresentadores de tv que estão trabalhando de casa. Só que esta não é a realidade da maior parte do nosso povo, não é?

Pois a mídia, espécie de porta voz da turma da histeria, empenhada em uma cruzada moral como nunca vi, percebeu nas praias lotadas no feriadão, especialmente no Rio de Janeiro, a nova panaceia para sua pregação militante. Estão vendo? O brasileiro é irresponsável! Acha que a pandemia acabou, que pode ir à praia como se estivéssemos em 2019! Não entenderam que agora é o “novo normal”, seja lá o que for esta invenção.

Devolvo a pergunta para os moralistas de pandemia: por que não deveriam ir à praia? A maioria destas pessoas estão trabalhando normalmente, enfrentando os riscos do covid sem terem opção. Os hospitais precisam das equipes de limpeza, dos técnicos de enfermagem e laboratório, das equipes de apoio. Da mesma forma, precisam trabalhar garçons, atendentes, funcionários do metrô, motoristas em geral. As pessoas continuam pegando o transporte lotado chegarem no trabalho, muitos para que a turma que critica possa continuar em casa fazendo seu home office. Afinal, como chega a comida em seu prato? Quem vai resolver o problema da net quando a conexão fica ruim? Como vai chegar a encomenda feita na amazon? Pois estas pessoas que trabalham normalmente, enfrentando toda dificuldade das grandes cidades, não podem ir à praia? É isso mesmo? Como ousam! Já os deixamos trabalhar e passar horas sacudindo nos trens e ônibus da vida, e ainda querem ir à praia? Que mal agradecidos!

Fico pensando apenas nestas pessoas que estão em casa. Quantas serão que não estão indo à praia durante a semana, aproveitando sua flexibilidade de horário. Percebem a hipocrisia? O mesmo repórter que com voz grave denuncia o povo irresponsável, se duvidar, curte sua praia durante a semana, mas com responsabilidade, claro!

Aliás, a turma do fique em casa também não está mais aguentando. Cada vez mais temos fotos e vídeos de famosos que emprestaram suas vozes para a cruzada moralista, participando de festas, passeios de barco, viagens. Eles podem. Quem não pode é aquele que está mais exposto à pandemia e não se pode dar o luxo de ficar em casa fazendo post de garrafa de vinho aberta no instagram.

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