Editorial da Folha

A DECLARAÇÃO, pelo Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança (nº 11.105), que autoriza o uso de células-tronco de embriões humanos para pesquisa, significa antes de mais nada a vitória da lógica e da razão prática sobre especulações de inspiração religiosa.

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O ministro Carlos Alberto Direito, que em março interrompera o julgamento com pedido de vista, tentou conciliar sua visão ultracatólica com a necessidade de avançar nas pesquisas. Mas o resultado, um voto pela parcial inconstitucionalidade, lembra um pouco a omelete sem ovos: as pesquisas são válidas, desde que não impliquem destruição de embriões.

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A confirmação da validade constitucional da Lei de Biossegurança representa um ato de solidariedade intertemporal com as gerações que poderão beneficiar-se de novas terapêuticas. Significa, também, uma vitória da liberdade de pesquisa e do Estado laico sobre uma ética privada, a religiosa, a qual, embora merecedora de todo respeito, não pode ser imposta ao conjunto dos cidadãos.

Comento:

A Folha é evidentemente um jornal progressista, tanto quanto, por exemplo, o NYT. É claro que se colocou a favor da pesquisa com células-tronco embrionárias, e não há nada de errado nisso.

Novamente bato no mesmo ponto, a decisão do STF (acabou ficando 6 x 5, demonstrando a dificuldade da questão) está sendo comemorado como uma vitória da ciência e da razão. Isso, ao meu ver, é o principal problema da discussão que teve efeito ontem.

O Editorial afirma que uma ética particular, no caso a religiosa, não pode ser imposta na sociedade. Existe uma ética universal? Eu desconheço. Pensadores ao longo do tempo buscaram estabelecer uma ética deste tipo mas encontraram dificuldades insuperáveis pois tudo depende do entendimento que se tem do mundo; estamos muito longe de ter um entendimento do universo que seja comum a todas as pessoas do planeta.

Qualquer tipo de ética, neste entendimento da Folha, será uma ética particular. Existe as diversas éticas religiosas, a das diversas correntes científicas e filosóficas, e assim por diante. Se houve a vitória de algum tipo de ética ontem, foi uma particular e foi imposta a todos os cidadãos. Não vejo o que está sendo comemorado.

Não vejo como a decisão de ontem pode ser entendida como uma vitória da lógica, pois o que se discutiu está acima de sua própria capacidade. Tanto que há divergências dentro da própria ciência sobre a validade destas pesquisas e o STF entendeu isso e se dividiu na questão. Direito foi descrito pela Folha como tendo um pensamento ultracatólico, como se fosse impossível divergir da pesquisa sem ser por obscurantismo religioso. Estão redondamente errados, tanto que em seu voto e elencou uma série de cientistas contrários a este tipo de pesquisa.

A comemoração que estou vendo pelo noticiário e em blogs, em alguns até que respeito, me preocupam seriamente. Estão fazendo disso um jogo com vencedores e perdedores e não acho que se possa encarar assim um assunto tão grave. Está faltando, acima de tudo, um pouco mais de serenidade.

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