Na seção de debates da Folha de hoje há um artigo de um professor aposentado da USP sobre Tocqueville, Obama e o que chama de “ilusão americana”.
Fala do teórico da democracia americana e o paradoxo segundo o qual a ampla democratização torna banal a participação democrática e leva ao desinteresse pela democracia. Confesso que não sei bem o que quis dizer com isso. Mostra a forte abstenção americano como uma prova do “pessimismo tocquevilliano”. Será que defende que seria melhor menos democracia para ter… mais democracia? Ou será que esse desinteresse não tem nada a ver com o próprio processo democrático? O homem moderno, ou o homem-massa, caracteriza-se pelo desinteresse pelo que está fora de sua existência pessoal. Está mais preocupado com sua própria vida, nos seus interesses imediatos, do que em política.
Em seguida o autor mostra o que seria o vilão da estória: para variar o capitalismo. Acusa um seqüestro da política pela economia, tornando inútil a escolha do presidente americano, o que importa mesmo é o presidente do BIRD. É a redução da vida à uma de suas dimensões, a econômica, e base do pensamento de Marx. É a confusão do processo pela realidade. Para estudar a sociedade de sua época, o alemão separou o componente econômico e destrinchou-o. O problema é que depois considerou o processo como a realidade: a vida seria a própria economia. A velha estória que o homem é definido pelo que produz, o que considero o principal erro de base do marxismo.
No parágrafo de conclusão deixa mais claro seu pensamento ideológico, torce para Obama, mas que ele “suspenda imediatamente o odioso embargo contra Cuba (…) retire as tropas do Iraque, terminando de vez com este desastre anunciado (…) inaugure uma linha próxima do New Deal rooseveltiano “.
São mais ou menos lugares comuns do esquerdista brasileiro. Primeiro deixa nas entrelinhas que o fracasso cubano deve-se ao embargo americano. Nada mais falso. O embargo existe, embora não seja tão radical quanto se pensa, mas não é um bloqueio. Cuba pode negociar com o mundo inteiro. A decisão de se fechar para o comércio internacional é único e exclusivo de seu regime, e por tal decisão deve historicamente ser responsabilizado.
Sobre a retirada do Iraque, os EUA devem fazê-lo sim, mas somente depois de terem resolvido o conflito resolveram intervir. Ao contrário do que se imaginava, o aumento das forças no Iraque estão diminuindo os índices de violência mostrando que o grande erro de Bush foi mesmo o apontado por Ali Kamel, a ocupação com tropas reduzidas. Uma retirada pura e simples só levaria ao caos e à Guerra Civil. Muita gente aposta neste cenário para evidenciar o fracasso americano. O ódio por eles é maior do que as vidas que se perderiam na carnificina que se transformaria o país.
Sobre o New Deal, gente com Paul Johnson colocam em seus fundamentos o prolongamento da crise de 1929. Na verdade Roosevelt apenas se apropriou das medidas que o próprio Hoover já havia tomado contra as recomendações de sua equipe econômica que defendia que deixasse que as forças do mercado se auto-ajustassem. De qualquer forma, suas teses foram descartadas a partir do governo Reagan levando os Estados Unidos a vencer a estagnação dos anos 70.
Existe muita mistificação nos discursos repetidos no Brasil, este artigo está repleto deles. Ainda fala no final sobre a crescente desigualdade social nos Estados Unidos. Será? Vejo falar disso a todo instante mas ainda não vi nada que o demonstre.
Ah, conclui dizendo que Hilary e Obama são tão diferentes quanto o PSDB e o PT. Acho que não dá para deixar mais claro qual a posição ideológica do articulista. Ou dá?
Também não entendi o raciocínio da figura sobre a democracia, mas achei um artigo interessante sobre o pq do desinteresse da população americana no processo eleitoral:
http://crawlingfromtheusa.blogspot.com/2007/09/canada-and-us-politics-part-one.html
Na verdade o artigo compara o sistema canadense com o americano e tem uns pontos interessantes. Não concordo que o NDP consiga elejer algum primeiro ministro em um futuro proximo mas o resto até que está mais ou menos correto.
A tradição americana é o republicanismo, e não o democratismo. Daí o desinteresse, de fato, na “participação democrática”: a um governo desinteressado em participar da vida de seus cidadãos correspondem cidadãos desinteressados no governo. Vê-se, por exemplo, a forte “participação democrática” ao redor de Obama e em suas políticas intervencionistas. Mas apresente um candidato favorável ao Estado mínimo guardião senão das leis e a tradição americana estará lá em peso, como no caso de Ron Paul, que só não foi viável por se aproximar pouco da tal tradição, sendo atraente mais por desespero, como no caso dos eleitores de Alckmin aqui no Brasil.
Sobre desigualdade social, se o autor quer dizer a diferença entre ricos e pobres, é claro que aumentou junto com o crescimento das riquezas. Acontece que os pobres também se tornaram mais ricos. Recomendo uma análise econômica sobre ricos e pobres nos EUA do início do país até o fim da década de 90 no livro “Myths of Rich & Poor” de W. Michael Cox e Richard Alm.
Tal desigualdade é imensamente maior nos EUA do que em Cuba, a diferença é que um pobre Americano vive imensamente melhor que um pobre Cubano; na verdade, os dois nem se encaixam numa mesma faixa de renda, num mesmo padrão de vida.