Nós, o povo

Demétrio Magnoli abordou hoje no Globo a questão das cotas, particularmente a decisão da Suprema Corte americana.

Magnoli questiona “ações governamentais que dividem o povo por meio da raça“, pois serviriam como promotores da noções de inferioridade racial e levariam a “uma escalada de hostilidade racial e conflito“.

Segundo ele, a decisão americana restaura o princípio de igualdade política de Martin Luther King e já provoca reação principalmente na Fundação Ford, nos EUA e no Brasil, que “traduzem a decisão como uma reação conservadora“. Estes estariam interessados em esconder os argumentos dos juízes sob “uma pilha de chavões vazios“.

O presidente da Corte, John Roberts, escreveu que “o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é a acabar com a discriminação baseada na raça“. As acões afirmativas apenas invertem o sinal da discriminação, consagrando a raça no domínio da política e da lei, destruindo o princípio da soberania.

O preâmbulo da Carta americana diz “Nós, o povo dos Estados Unidos…“, e foi a primeira na história que fundava-se “sobre o alicerce de um contrato político entre cidadãos iguais“. Magnoli defende que este alicerce se perde se “direitos comuns se convertem em privilégios distribuídos segundo critérios raciais“.

Reconhece que o “povo” não existiu plenamente nos Estados Unidos enquanto vigorou a escravidão e perdurou nas leis o princípio do “separados, mas iguais“, fronteira esta que foi suprimida na década de 60 com o movimento pelos direitos civis.

A decisão atual seria a correção de quase três décadas de equívocos, pois a política de cotas teria sido estabelecida na década de 70 quando se calava o movimento pelos direitos civis por pressão da Fundação Ford e de uma legião de ONGs. “A nação que nem sequer usufruíra os frutos do banimento da raça, foi aprisionada pela velha maldição, vestida nos trajes das cotas raciais“.

O Brasil estaria importando “produtos usados, que fracassaram no país de origem“.

Conclui com o voto em separado do juiz Anthony Kennedy que inicialmente protestou: “Quem exatamente é branco e quem exatamente é não-branco? Ser forçado a viver sob um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos indivíduos na nossa sociedade. E é um rótulo que o indivíduo é impotente para mudar!“. Defendeu, no entanto, a legalidade de iniciativas para seleção de áreas racialmente segregadas para prioridade em investimentos públicos. Segundo Magnoli, não seria “difícil de adaptar essas propostas às condições do Brasil, onde a segregação ocorre decorre mais da renda que da cor da pele“. A dificuldade seria vencer os fanáticos da raça, “cujo imperativo categórico é a divisão da nação em blocos raciais“.

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