Por Otávio Cabral e Diego Escosteguy (Revista Veja):
O que levou o presidente Lula a ceder tão gentilmente aos controladores de vôo amotinados nos aeroportos do país no dia 30 de março, concordando em dar-lhes
compensações salariais e revogando-lhes uma ordem de prisão dada pela cúpula da Aeronáutica? O que levou o presidente Lula, dias depois, a chamar os controladores de irresponsáveis e traidores, cancelando correções salariais e autorizando prisões em caso de nova rebelião? Em sua explicação pública para tamanha guinada, Lula saiu-se com justificativas contraditórias. Primeiro, disse que, ao saber do motim dos sargentos, estava a bordo do Aerolula rumo aos Estados Unidos e não recebera um “quadro completo” da situação. Depois, encarregou seus assessores de espalhar que o recuo se explicava porque, no auge da crise, não tinha alternativa além de ceder aos controladores, sob pena de manter os aeroportos do país paralisados. Por fim, em reunião com aliados no Palácio do Planalto, disse que se sentia “traído” pela categoria. “Fui apunhalado pelas costas. Esperaram eu sair do país.” O que Lula não disse é que o principal motivo de ter mudado tão radicalmente de posição foi outro: os militares peitaram o presidente – e ganharam a parada.Assim que teve sua ordem de prender os controladores de vôo cancelada por Lula, o comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Juniti Saito, reuniu-se com um grupo de oficiais, assessores jurídicos e dois representantes do Superior Tribunal Militar (STM). A reunião aconteceu no 9º andar do prédio da Aeronáutica, na Esplanada dos Ministérios. Na discussão, ponderou-se que a decisão de Lula poderia resultar numa acusação por crime de responsabilidade. Afinal, no artigo 7º da lei que define crime de responsabilidade prevê-se punição para a autoridade que venha a “incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina”. Com essa poderosa ameaça na manga, o brigadeiro convocou outra reunião, para a manhã seguinte, com os nove brigadeiros que compõem o alto-comando. Nesse encontro, discutiram como ampliar o arsenal para enfrentar Lula. A primeira decisão foi que o Ministério Público Militar, afinado com a cúpula da Aeronáutica, processaria os rebelados, a despeito das promessas do presidente de que não haveria punição. “A punição dos grevistas sempre foi questão de honra. Não voltaremos atrás nem com ordem do papa”, disse a VEJA um integrante do alto-comando.
Na mesma reunião, os brigadeiros decidiram ainda resistir a outra reivindicação dos sargentos amotinados que Lula mandara atender: a desmilitarização do controle de tráfego aéreo. Atualmente, os controladores de vôo e os responsáveis pela defesa aérea compartilham uma parte dos equipamentos. Os militares decidiram, ali, que os equipamentos passariam a ser usados somente pela defesa aérea. Também decidiram suspender o treinamento de novos controladores, uma tarefa hoje exclusiva da Aeronáutica, e listaram os benefícios que mandariam cortar dos rebelados: moradia funcional, transporte de casa para o trabalho, assistência médica e alimentação – tudo, hoje, cedido pela Aeronáutica. Por fim, Saito disse que, se Lula mantivesse a decisão de ceder tudo aos amotinados, ele entregaria o cargo. Os demais presentes – com uma só divergência, a do brigadeiro José Américo dos Santos – também disseram que entregariam o cargo ao presidente. “Olha só a situação em que eu cheguei”, comentou o brigadeiro Saito. “Posso ser o comandante da Aeronáutica com a permanência mais curta da história.”
A Aeronáutica salvou o governo no festival de bobagens feitas nos últimos 6 meses, que culminou na atitude desastrada de sexta-feira. É claro que o presidente está agora tentando pegar carona nesta onda, faz parte da política. Mas quem tem um mínimo de espírito crítico sabe que ele fez bobagem e se não fosse a atitude firme da Força (Armada, não sindical) teríamos uma crise institucional grave. O resto fica para história.