Hitler e os alemães: um livro atual

Eric Voegelin escreveu Hitler e os Alemães para mostrar o resultado de sua investigação sobre uma questão que lhe incomodava profundamente: como os povo alemão aceitou Hitler e o nazismo? Como ele diz no livro, o homem teve votos. Houve apoio não só popular, mas na cúpula do judiciário, exército, igrejas. Como isso foi possível?

Como aceitaram que uma parte da população fosse segregada, marcada e perseguida. Todos acreditavam estar promovendo o bem comum, que aquelas medidas duras eram necessárias para o chamado bem público.

Mas em algum momento a coisa ficou evidente, não é? Ficar evidente não é sinal que se vai mudar de idéia. Há relatos de pessoas que nunca aceitaram que aquilo foi errado. Parece que existe um fenômeno que quanto maior for a evidência da própria estupidez, maior é a reação a se aceitar a verdade. Como pude ser tão cego? Não se trata de um processo consciente e por isso mesmo é tão poderoso.

Na década de 30 as pessoas foram aceitando aos poucos a perda das liberdades, o controle estatal, a marcação de pessoas perigosas, segregação e, por fim, seu extermínio.

Olhem para estes dois anos! Esse é o caminho que vamos seguir?

Como escreveu Voegelin, é preciso dominar o passado para se ter um futuro. Justamente as nações que geraram o inferno na terra são as primeiras a repetirem os mesmos erros. E o resto do mundo faz a mesma coisa que fez na época: assiste inerte, não sem certa simpatia.

Uma lição em Agamenon

Na peça Agamenon, do Ésquilo, tem uma lição muito atual. Quando o grande rei retorna de Tróia, é recebido pela esposa Clitenmestra com tapete vermelho e mil elogios. Horas depois é assassinado por ela na banheira, sem chance nenhuma de se defender. Ela vingava a morte da filha, sacrificada por Agamenon em um ritual para acalmar os ventos da Trácia. Ela já reinava com um amante, Egisto, que também vingava a morte do pai e dos irmãos pelo pai de Agamenon.

Cuidado com quem te elogia e trata bem. Muitas vezes é só a preparação para a punhalada. Como consequêcia do crime, eles passam a reinar no lugar de Agamenon, o que nos leva à seguinte dúvida: será que foi por vingança ou interesse? Seria a vingança uma justificativa para um desejo muito mais mesquinho e material?

Olhem para nossa política. Não faltam Agamenon, Clitenmestra e Egisto. Só procurar.

Doenças raras

De vez em quando certas expressões surgem em nosso vocabulário por necessidade. Que existiam portadores de necessidades especiais, já chamados no passado de deficientes físicos, já sabia e até convivo desde minha infância, mas que havia um campo de doenças raras, que não implicam necessariamente em uma condição de PNE, foi uma novidade recente, em função de uma pessoa muito próxima.

O curioso disso tudo é que como geralmente acontece, ficamos mais atentos a uma realidade que desconhecíamos, e só esta semana me deparei com 2 pessoas que enfrentam esta tipo de doença; uma dela inclusive nasceu sem as orelhas, o que lhe implicou uma condição de total surdez. O que faz esta pessoa? Aos 60 anos é servidor público e palestrante de relações humanas. Aprendi algo muito sério com ele: não devemos ver as coisas da vida como dificuldades, que implica em obstáculos, mas como desafios, que implica em movimento de superação. O grande desafio atual dele é começar a ler os olhos das pessoas, já que a leitura labial ficou comprometida pelas máscaras do covid.

Voltando ao tema das doenças raras, algumas delas causam dores crônicas, que muitas vezes não são detectadas em exames comuns, o que leva a desconfiar do próprio paciente e fazer tentativas a esmo para diminuir a dor. Por isso a importância de ter um diagnóstico correto, o que por vezes acontece por pura sorte. No caso próximo, foi ter, entre vários profissionais, consultado um médico cuja esposa, também médica, era portadora da doença. O resultado é que a médica agora é quem cuida do caso. Uma das características das doenças raras é que são desconhecidas para grande parte dos próprios médicos, o que dificulta o diagnóstico.

Enfim, a vida é uma excelente escola e nos ensina a cada dia. Como já dizia o Mestre, que os que tem olhos para ver vejam e os que possuem ouvidos para escutar que escutem.

Dramas humanos

Gosto de brincar com minha esposa e filha que meu maior desejo é me tornar um flaneur. A palavra é francesa, mas entrei em contato com ela em um dos livros do Nassim Taleb e significa algo como um observador, uma pessoa que anda pela ruas em atitude desinteressada, mas atenta ao que acontece. Elas logo acham que estou de vagabundagem, mas não se trata disso. O que me interessa realmente é a natureza humana e seus dramas.

Nestes dias tenho reparado em quantas pessoas conhecidos que estão enfrentando situações pesadas. Em algum lugar li uma frase que me fez pensar: trate bem todas as pessoas que encontrar, você não sabe o peso que estão carregando. É por aí. Por maior que seja o sucesso de uma pessoa, nada indica que por trás daquela imagem não tenha uma realidade de sofrimento e angústia.

A pandemia só acrescentou mais um fator, o da ansiedade pela possibilidade de adquirir uma doença que pode matar em dias e, principalmente, o das perdas. Todo mundo perdeu um amigo ou parente nestes quase dois anos; todo mundo teve que lidar com a perda. Para uma mente reflexiva, é muita coisa para se pensar. É o tipo de coisa que me interessa, como lidamos com a dor? Como vencemos esta sensação de impotência misturada com injustiça? A cada caso, mais perguntas me faço, mais penso.

Não se trata de uma vã curiosidade ou alguma forma de morbidez, mas do desejo sincero de entender quem nós somos, pois a natureza humana é fascinante, tanto nos seus dias ruins quanto nos dias bons. Infelizmente estamos em uma época de sofrimento (e muita loucura). Como se diz por aí: dias melhores virão.