Uma amiga começou a ler 1984, um excelente livro, sem dúvidas. Parece que a pandemia marcou uma crescente procura por ele, o que também me parece bem coerente. Mas aproveito a oportunidade para algumas pequenas reflexões e trago para a conversa uma outra distopia, não tão lida como 1984, mas que considero em outra prateleira em relação ao livro de Orwell, até mesmo ontologicamente.
1984 é uma distopia baseada em algo que Orwell estava vendo em sua época, não sem muita dor. Socialista, foi um daqueles que se desencantou com a União Soviética, especialmente depois do que viu na guerra civil espanhola. Sua distopia é um exercício imaginativo a partir de algo que já estava presente quando escreveu o livro, o estado totalitário policial.
Já Admirável Mundo Novo é de outra estirpe. Muito mais sutil, Aldous Huxley percebe os germes que estão presentes na ideologia progressista, que o próprio Orwell aderia junto com muitos socialistas decepcionados. Em sua distopia não havia estado policialesco, mas um que promovia a felicidade constante, inclusive com uso de drogas. A base do sistema era seleção genética e um sistema educacional que preparava desde o nascimento a criança para ficar feliz com o papel que desempenharia na sociedade (trabalhador braça, chefe, intelectual, médico, etc). A única coisa que era realmente combatida era a noção de valores morais. Família, casamento, Deus, história, nada disso era permitido. As orgias eram incentivadas para que não se houvesse laços entre homens e mulheres, os idosos eram afastados para que não houve contemplação da morte. O que Huxley descrevia era seu exercício imaginativo sobre o fim inevitável do progressismo. Um mundo em que todos são felizes, mas um mundo desumano.
Tenho muito mais medo da visão de Huxley do que de Orwell, porque esta continua presente hoje na visão das elites ocidentais por todo mundo. Deixemos os valores de lado e seremos todos felizes em um admirável mundo novo.