Mini Crônica: Dança da Chuva

Não sei se ainda existe seção da tarde, mas esta estória me foi contada quando ainda se ficava à toa, sem rede social para distrair, vendo filme dublado na globo, após o almoço. Uma época que para trocar o canal da televisão tinha que levantar da poltrona e apertar o botão diretamente no aparelho; ou seja, na época em que os dinossauros andavam entre nós.

Conta que uma jovem menina, que deveria ter uns 14 anos, aproveitando suas férias, assistia um filme de faroeste na televisão junto com a vó, que tricotava pacientemente. A cena mostrava um grupo de índios (hoje o correto é falar indígenas) dançavam ao redor de uma fogueira, repetindo cantos e movimentos, invocando os deuses para que fizesse chover. Foi então que a menina, que acompanhava tudo meio distraída, meio preguiçosa, se ajeitou no sofá e disse uma frase que espantou sua avó.

__ Vó, eu sou igual estes índios!

__ Como assim, minha filha? O que tem você a ver com eles?

__ Eles estão repetindo um ritual e é isso que faço o ano todo. Repito um ciclo. Acordo, tomo café, vou para escola, volto, estudo de tarde, janto, vejo televisão, vou dormir. No dia seguinte acordo, tomo café, vou para escola, volto, estudo, janto, televisão, durmo de novo. Todos os dias. Também estou fazendo um ritual, a diferença é que eles fazem para os deuses deles, para fazer chover. E eu? Para quem faço este ritual todo? Pelo menos eles têm um propósito!

Acho que foi a primeira fez que aquela avó ficou sem ter o que dizer. Tricotou por mais alguns minutos, mas já não conseguia se concentrar. Pela primeira vez em muito tempo pensou em sua própria vida.

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