A Técnica e o mundo humano

O Capítulo 4 de Fundamentos de Antropologia, do Stork e Echevarria, trata da relação do homem com a natureza, incluindo os instrumentos que fabricamos, ou seja, da relação do homem com a matéria que constitui seu habitat.

Quando o homem se relaciona com a Terra, ela se torna um mundo. Para sobreviver, ele precisa modificá-la e é o caráter equilibrado desta relação homem-natureza que deve buscado a todo tempo. Quando ela se distorce, pela falta de consideração do homem com este mundo, há um prejuízo ecológico, que não deve ser visto a partir do ponto de vista ideológico de uma natureza intocada, mas de uma relação saudável.

Para lidar com a natureza o homem desenvolve a técnica, que também deve usá-la na justa medida sob pena de se tornar escravo do próprio instrumento que cria. É comum na modernidade, por exemplo, que o homem ajuste seus horários em função das máquinas e não o contrário.

Um aspecto interessante do mundo humano é o lugar especial em que exerce sua intimidade, que de certa forma o protege do mundo exterior, é o lar. Mais que um simples local, é onde guarda o que é seu, que pode viver sua vida interior e desenvolver sua personalidade, assim como vive sua família. A violação do lar é um ato de indignidade para o homem.

Não sem certa polêmica, os autores condenam tanto o machismo quanto o feminismo, duas atitudes que buscam emancipar de um lado o homem e do outro a mulher de suas obrigações e responsabilidades pelo lar, sacrificando suas próprias famílias. Todos que habitam o lar possuem responsabilidades; não existe o direito de se fazer o que bem entende independente de sua própria casa. Não é por acaso que existe uma necessidade no homem de retorno ao lar, tantas vezes objeto da literatura.

A relação correta do homem com a natureza se expressa pelo termo benevolência, que se entende como o respeito à realidade das coisas. O homem é benevolente à medida que colabora para que o outro e a natureza realizem suas essências, que implica no reconhecimento ao real.

Hora de voltar para casa

O dia amanheceu bonito aqui em São Paulo. Hora de fazer os últimos ajustes na mala e voltar para casa. Estou desde domingo viajando a trabalho, mas finalmente chegou o momento de retornar.

Tem gente que curte tirar férias da família. Não consigo nem entender um conceito deste. Qualquer ideal de férias que eu tenha é com família; no máximo deixamos os filhos de vez em quando, mas sozinho? Qual a graça?

Enfim, hoje almoço em Brasília. Finalmente!

A tecnocracia em seu ápice

Há muita gente que defende que o governo deve ser feito por técnicos. Se existe um fato histórico que enterrou em mim qualquer chance de pensar assim, foi esta pandemia. Foi o triunfo da tecnocracia, onde políticos seguiram cegamente as recomendações (e histeria) dos técnicos de plantão. Não vejo muita diferença de tecnocracia para totalitarismo pois os técnicos, em geral, tem o perigoso hábito de acharem que sabem mais sobre como uma pessoa deve viver do que ela própria. A liberdade de escolha é algo perigoso, que deve ser controlado.

Vai muito além da questão ideológica, pois tecnocratas existem em todas as matizes. Técnicos são muito bons para estudarem problemas e proporem soluções, mas péssimos na previsão das externalidades e na consideração de fatores humanos. Eles possuem extrema dificuldade de lidar com a condição humana e costumam enxergar a sociedade como um sistema, onde cada parte tem um papel a desempenhar. Qualquer dissonância é vista como uma anomalia, que deve ser concertada. Desta forma, a sociedade está sempre doente e precisa de tratamento.

Esta analogia da sociedade com um corpo humano é uma das principais premissas equivocadas da modernidade. Não somos um sistema, somos uma comunidade. E uma comunidade que envolve todas as pessoas que estão vivas, as que já foram e as que virão. O verdadeiro pacto social, se é que existe, é entre as gerações do passado, presente e futuro, mas isto é tema para outra conversa.

A política, por sua vez, falhou miseravelmente em ser a voz da moderação da sociedade. Em tempos de redes sociais preferiu se alinhar com os histéricos e o bom senso foi executado na primeira semana de batalha. Depois, nas batalhas seguintes, perdemos a dignidade, decoro, prudência. O mundo inteiro ficou de joelhos para os especialistas esquecendo que faltam a eles justamente o sentido do geral, que deveria ser a principal virtude dos políticos. Para piorar, os políticos começaram a se ver como especialistas.

Vivemos o triunfo da tecnocracia. E ela fede.

The Who By Numbers

Lançado em 1975, depois dos ambiciosos Tommy e Quadrophenia, trata-se talvez do mais introspectivo dos trabalhos do Who. O guitarrista e compositor Pete Townshend despeja um conjunto de canções pessoais resultando em um album um pouco diferente dos demais, mais obscuro e praticamente não inserido nos show, com exceção da maravilhosa Dreaming From The Waist.

Roger Daltrey brilha com sua voz poderosa, e John Entwistle no baixo e Keith Moon na bateria são a cozinha do rock por excelência.

Pete trata do seus problemas com alcoolismo de forma tão pessoal em However Much I Booze que Daltrey se recusou a cantá-la e o próprio guitarrista canta versos como “Then the night comes down like a cell door closing“.
Em Imagine a Man e Slip Kid ele mostra a angústia da indústria do rock e de se ver envelhecendo no processo e se tornando uma paródia de si mesmo.

Até que ponto as amizades são verdadeiras é a questão na linda How Many Faces: “How many friends have I really got? That love me, that want me, that’ll take me as I am?“.

Squeezy Box foi uma brincadeira de Pete com acordeão e acabou no disco contra sua vontade. Para surpreza geral chegou a número 16 na Billboard e permaneceu na lista dos 100 melhores singles por 16 semanas estabelecendo o recorde da banda.

O clima pessoal e intimista do album só é quebrado pelo poderoso rock Success Story de John Entwistle, onde faz uma crítica da própria história da banda e cai como uma luva na temática do disco.

Um album diferente que mostra porque considero Pete Townshend o melhor compositor que o rock já teve. Apesar de um disco menor quando comprado a tantas obras fantásticas do Who, ainda é muito melhor que média.

Pandemia: teatro do absurdo

Eu sempre tive curiosidade de saber como os alemães, na década de 30, abriram mão de suas liberdades para seguir uma ideologia assassina. A pandemia nos deu a resposta: pelo medo. O grande problema é que sem liberdade, o homem perde também sua dignidade e se torna um instrumento para aplicação de políticas e experimentos sociais. Uma baita aula em escala real.

A CPI do covid também é um pastiche dos tribunais revolucionários na França. Quem entrava ali sabia que já estava condenado. Por infringir alguma lei? Não, para satisfazer a sanha de um bando que tinha gosto por sangue humano. O que as pessoas tinham a falar importava nada. O que eles queriam era humilhação da vítima antes de condená-las.

Fico profundamente revoltado com a forma como médicos que acreditam realmente no tratamento inicial do covid, como acontece em qualquer doença, conhecia ou não, estão sendo tratados naquela CPI, o que só é possível pela forma como a maior parte da imprensa está cobrindo tudo isso. Já falei antes aqui, se tem alguma coisa realmente genocida no Brasil é nossa imprensa. Eles demonizaram qualquer chance de tratamento, o que afetou principalmente os mais pobres. Por causa da campanha que conduziram, o tratamento dentro do SUS se tornou muito difícil, além de ajudarem a criar uma casta de médicos que se recusam a tratar seus pacientes por razões ideológicas.

Acusar Bolsonaro te tudo isso é procurar um bode expiatório. Os grandes culpados estão nas redações, promovendo uma revolução que só existe na cabeça deles, mas que deixam milhares de mortos pelo caminho. Um verdadeiro teatro macabro do absurdo.

Só espero que como a revolução francesa, terminem na guilhotina que ajudaram a construir.

Cultura

Li em Fundamentos de Antropologia: chama-se cultura a ação da pessoa dentro da sociedade. Achei bem interessante esta definição.

Vejam que a cultura, neste entendimento, não se restringe a obras de arte ou algo específico dos artistas. A cultura fazemos todos nós o tempo todo. O que grandes artistas fazem, eventualmente, é registrar esta cultura.

Aqui cabe também a grande crítica ao artista ideologizado. Este não registra a cultura real, mas a que existe em sua cabeça, ou seja, uma cultura imaginada. Ele é mais um sintoma de uma doença espiritual do que um artista de verdade.

Todos temos cultura. Mesmo que seja um lixo.

O Homem como Pessoa

O Capítulo 3 de Fundamentos de Antropologia (livro que estou relendo todos os sábados) trata do centro da dignidade humana, o fato de se tratar de uma pessoa. É sua caracterização como uma pessoa que lhe confere dignidade, base de sua inviolabilidade. Quando se viola a pessoa humana há uma manifestação de grave desordem.

Para Stork e Echevarría, a pessoa tem 5 marcas características.

  1. Intimidade: temos um interior acessível apenas a nós mesmos
  2. comunicação da intimidade: somos capazes de comunicar nossa intimidade
  3. liberdade: somos livres para manifestar nossa intimidade
  4. capacidade de ar: em sua expressão mais radical, o amor
  5. diálogo com outras intimidades: somos um ser que necessita de diálogo

O capítulo trata também da natureza humana, um fundo em comum que todas as pessoas possuem. Para os autores, a orientação para fins determinados, em sua última expressão a verdade e o bem. O homem é livre para escolher os meios e os fins intermediários, mas possui um destino para a perfeição. Um homem desordenado luta contra esta natureza.

Interessante também a visão sobre as questões do aborto e da eutanásia. Um feto não possui capacidade de agir, seria uma pessoa? O mesmo para uma pessoa incapacitada, teria deixado de ser uma pessoa? O equívoco está em acreditar que apenas quando agimos somos uma pessoa quando na verdade a capacidade de agir, seja ela no passado ou no futuro, já nos faz pessoas. Assim, o feto tem capacidade para se desenvolver e agir; o incapacitado já a teve. Em ambos os casos é uma pessoa e possui uma dignidade que não pode ser violada.

O homem é um ser perfectível e constrói sua história no desenvolvimento de sua própria história, movido por sua própria natureza. A forma como age ao longo de sua vida caracteriza sua ética pessoal, que é justamente a capacidade de agir de acordo com a sua natureza humana, ou seja, de perseguir a verdade e o bem.

Sancho Pança e o homem massa

O filósofo espanhol Ortega y Gasset definia o homem massa como aquele que não cultua nenhum valor e tem a ignorância como uma espécie de direito, que pode e deve impor ao próximo. Antes de seu surgimento, as pessoas tinham uma certa vergonha de sua própria ignorância e se recolhiam a um silêncio respeitoso, evitando opinar sobre o que desconheciam.

Tudo mudou na modernidade. O homem bate no peito, exalta sua ignorância e tem uma opinião sobre tudo. Não se trata de classe social, não é por ser pobre que se torne um homem massa; erro ainda pior, é achar que por ser rico está a salvo deste mal. Também não tem a ver com estudo. Há pessoas inteligentíssimas, doutores universitários, que são autênticos homens massa. Basta ver o que os chamados especialistas andam falando (especialmente os jornalistas).

Cervantes nos traz uma personificação maravilhosa do homem massa com Sancho Pança, o fiel escudeiro de Dom Quixote (este sim um homem autêntico e por isso mesmo incompreendido na modernidade). Sancho se vê como um pragmático e realista, mas no fundo é um idiota incapaz de se colocar limites. Culmina com a pretenção de ser um governante, tornando-se governador de uma ínsula, que por sua vez representa o Estado Nacional Moderno. 

Aliás, uma das características da modernidade é justamente o governo pelos homens massa. Quando vejo a foto dos líderes do G7 vejo um conjunto de Sancho Panças. Ignorantes que se vêem como capazes de lidar com temas complexos, como esta pandemia maldita. O mesmo acontece nas redações, universidades e burocracias estatais. 

E quando aparece uma pessoa pública com valores, o que não elimina suas imperfeições, é visto da mesma  maneira que Dom Quixote pela corte do Duque. Com desdém e afetação de superioridade.

Cervantes foi um gênio.