Barroso e o Homem que Não Vendeu sua Alma

Quando se abrem mãos de princípios para se conseguir o que deseja, mesmo que o objetivo seja nobre, abre-se o caminho para toda sorte de arbitrariedades. Não vou entrar no mérito de nenhuma decisão específica do atual STF, mas cada vez mais se acredita que a constituição pode ser interpretada da maneira que a corte bem entender se o motivo for “justo”. O movimento não é novo, só ganhou força bem maior com a pandemia. Lembro, por exemplo, lá trás quando o STF mudou todo o rito do impeachment, beneficiando a presidente que passou a ter uma comissão de ética favorável pois o supremo entender que eleger os membros da comissão era a mesma coisa que escolher uma única chapa indicada pelas lideranças dos partidos, uma interpretação no mínimo soviética das coisas.

Sempre que se fala em torcer as leis para condenar alguém, lembro do soberbo filme O Homem que não vendeu sua alma (A Man for All Seasons), que conta a estória de Thomas More, que se tornaria o santo protetor dos políticos. Em uma cena, um certo William pede que o chanceler More prenda um corrupto, mesmo que contrariando as leis. O diálogo que se segue é de uma atualidade impressionante.

“William Roper: “So, now you give the Devil the benefit of law!”

Sir Thomas More: “Yes! What would you do? Cut a great road through the law to get after the Devil?”

William Roper: “Yes, I’d cut down every law in England to do that!”

Sir Thomas More: “Oh? And when the last law was down, and the Devil turned ’round on you, where would you hide, Roper, the laws all being flat? This country is planted thick with laws, from coast to coast, Man’s laws, not God’s! And if you cut them down, and you’re just the man to do it, do you really think you could stand upright in the winds that would blow then? Yes, I’d give the Devil benefit of law, for my own safety’s sake!”

Pandemia e A Montanha dos Sete Abutres

Neste clássico do Billy Wilder, de 1951, o jornalista Chuck Tatum (Kirk Douglas) está preso na pequena cidade de Albuquerque, no Novo México, sonhando com uma oportunidade de voltar aos grandes jornais, depois de ser despedido várias vezes por seu mal comportamento.

Um dia, um desabamento em uma mina abandonada, deixa um homem preso nos escombros. Chuck percebe que é sua oportunidade. Com exclusividade, ele vai narrar o drama desta pessoa. Só que para isso ele precisa que o resgate demore alguns dias. Ele consegue persuadir a autoridade local, o xerife, preocupado com sua re-eleição, a utilizar uma escavadeira no alto da mina, que levaria 7 dias, ao invés do escoramento das paredes, que resgataria o homem em menos de 24 horas.

Para Chuck, apenas a má notícia é notícia. Para manter o interesse do público, ele interfere nos acontecimentos e convence o xerife elogiando-o nas matérias. A esposa do homem também passa a ganhar um bom dinheiro explorando o acesso do público ao local. É um esquema perfeito, em que todos ganham.

O que é a pandemia se não uma versão desta corrupção? O jornalismo boicota qualquer tipo de tratamento que possa levar ao fim do circo que ela se formou. Conta para isso com as autoridades, que são elogiadas constantemente nos jornais como abnegados interessados em salvar vidas. A esposa infiel, como parte dos grandes empresários, especialmente na área farmacêutica, explora toda a situação economicamente. Só quem se importa realmente com aquele homem preso são seus pais, vistos quase como malucos, e o editor do jornal, que defende a estranha tese de que o jornalista deve “dizer a verdade”. Não por acaso é tratado como alguém ultrapassado, sem lugar no mundo moderno.

Uma cena curiosa é quando aparece um homem sensato, que já trabalhou em minas, dizendo em uma entrevista da rádio que o melhor a fazer seria chegar no homem escorando as paredes, de forma bem mais rápida, que já tinha feito isso antes. Sentindo o perigo Chuck pergunta se ele conseguiu salvar a vítima. O homem responde que infelizmente não conseguiram chegar a tempo. É o suficiente para destruir sua reputação. Como acontece com os médicos que acreditam no tratamento do covid desde o início dos sintomas.

Um filme perfeito para os dias atuais.

Os ditadores de araque, abençoados pelo jornalismo criminoso brasileiro

Cada vez estou mais convencido que lockdown não funciona, especialmente em países em desenvolvimento. As grandes cidades do Brasil estão fechadas e os números só sobem. Países que adotaram lockdown não mostraram ainda nenhuma evidência que funcione, podem olhar nos casos na América do Sul e na Europa.

O que a maioria dos governadores e prefeitos estão fazendo é manter o lockdown até que os casos caiam para que possam dizer que foram eles que venceram o covid. Não importa se durar 30, 60, 90 dias. Quando caírem as mortes, e um dia vão cair, os méritos vão para estes corajosos políticos que fizeram o sacrifício (dos outros, claro) para “salvarem vidas”.

Se eles abrirem qualquer coisa e depois caírem os números, toda retórica cai por terra. Não vai acontecer. Seria admitir a inutilidade do que fizeram.

Infelizmente eles vão gerar uma tragédia ainda maior para poderem dizer que estavam certos o tempo todo e vamos pagar a conta, todos nós, por gerações.

Infelizmente falta jornalismo para cobrar destes ditadores de araque suas responsabilidades. Ao contrário, sobram aplausos. Boa parte financiada com dinheiro dos pagadores de impostos.

Tudo é vaidade, já dizia o Eclesiastes.

Canção de Bernadette (1943)

O filme de Henry King é um dos clássicos do cinema. Venceu 4 oscars, incluindo o de melhor atriz para Jennifer Jones.

Assisti neste domingo, para terminar a semana santa com chave de ouro. Conta a estória da jovem Bernadette, que por vários dias viu Nossa Senhora em uma gruta da cidade de Lourdes.

A fidelidade dela é o grande tema do filme. Sofre todo tipo de pressão, desde as autoridades civis, policiais e até da própria Igreja, mas mantém sua firmeza. Ela viu a senhora, como diz. Ela não clama que a aparição seja Nossa Senhora. Somente na penúltima aparição esta se declara como sendo “a imaculada concepção”.

Fico me perguntando se a hollywood de hoje daria espaço para um filme desses.

Conto de Domingo: Terremoto no Chile (Von Kleist)

O terremoto que aconteceu no Chile em 1647 é cenário do drama do casal Josephe e Jeronimo, e depois de Don Fernando, no conto de Von Kleist. Uma grande tragédia revela o que a humanidade tem de melhor e pior, mais ou menos o que está acontecendo nos dias de hoje.

Mostra também o poder destruidor de uma turba histérica, descontrolada e desejosa de encontrar um bode expiatório, alguém que receba a culpa por algo que não tem culpa humana nenhuma, como é o caso de um terremoto.

Possivelmente este comportamento tenha sua raiz numa expectativa criada pela modernidade que o homem tem a natureza sob seu comando, que ele tem o controle de sua própria existência. Reconhecer uma força da natureza seria admitir que a qualquer momento sua vida pode ser tirada por um grande acaso, um pensamento terrível para um materialista que considera a vida na terra como tudo que existe.

De certa forma, o conto antecipa muito do que estamos vendo hoje. A resistência dos personagens principais da estória é a resistência de alguns que se agarram ao senso comum diante de uma turba conduzida pela mídia e políticos inescrupulosos. Aliás, penso agora que a turba dentro da catedral é a própria mídia hegemônica que deseja matar os que resistem, o que inclui o bebê que carregam no colo. A força do estado se omite neste momento e permite que a multidão promova o justiçamento, sem garantir nenhum dos direitos legais que os acusados possuem. Parece familiar?

A visão de Kleist sobre a condição humana é bem pessimista. É triste constatar, na tragédia do covid 19, o quanto estava certo.

Silêncio sobre o Chile

Há um silêncio sobre o que está acontecendo no Chile. Mais da 50% da população já foi vacinada, mas ao contrário do que aconteceu nos EUA e Inglaterra, os números de mortes (e contaminações) por covid só aumentam. A diferença essencial é que a vacina que está sendo aplicada é uma bem conhecida nossa, a coronavac.

Ao mesmo tempo, pelo menos dois médicos paulistas, que já tinham sido imunizado com a segunda dose da vacina, morreram de covid na última semana. Uma fonte me diz que é bem mais e que não pode ser divulgado.

Impressão minha ou um certo governador anda bem quieto na última semana? Por que a mídia não está questionando nada disso? Que silêncio é este?

Estou sinceramente preocupado com a eficácia desta vacina. E não, não torço contra, até porque meus pais foram vacinados com ela.

Mas se ela não for eficaz, mesmo que tenhamos vacinas melhores nos próximos meses, o mal estará feito. Quem vacinou com a coronavac não vai poder vacinar com outra. Teremos a situação trágica de ter os idosos e grupo de risco vacinados com a pior das vacinas.

A pressão da mídia genocida que temos impediu que agíssemos com cautela. Sempre achei os dados apresentados por aquele país “amigo” de grupos poderosos de interesse no Brasil no mínimo suspeitos.

Torço realmente para estar muito errado, me preocupando à toa.

Mas o Chile despertou meu sinal amarelo.

Dica de filme para hoje: Risen

Está disponível para alugar no youtube e no google play.

Ressurreição (Risen, 2016) mostra Joseph Fiennes como um tribuno romano que recebe a missão de proteger o corpo de Jesus pois há a preocupação que seus discípulos podem roubá-lo para forçar o cumprimento da profecia da ressurreição.

Quando o corpo desaparece, ele chefia a investigação para descobrir onde ele está e recuperá-lo.

Um excelente filme que mostra a ressurreição pela perspectiva de um pagão romano.

Clavius (Joseph Fiennes) and Lucius (Tom Felton) search through exhumed corpses in Columbia Pictures’ RISEN.

Sábado Santo e o mundo de hoje

Sábado Santo: dia do sepultamento de Deus; não é isso, de maneira impressionante, o nosso dia? O nosso século não começa a ser um grande Sábado Santo, dia da ausência de Deus, na qual até os discípulos têm um vazio congelante no coração, que aumenta cada vez mais, e por isso se preparam, cheios de vergonha e angústia, para voltar para casa, e se dirigem taciturnos e destroçados, em seu desespero, para Emaús, sem se dar conta em hipótese alguma que aquele que acreditavam morto está entre eles? Deus morreu e nós o matamos: será que nós percebemos mesmo que essa frase é tomada quase ao pé da letra pela tradição cristã, e que nós muitas vezes em nossas viae crucis já repetirmos algo semelhante sem nos darmos conta da gravidade tremenda do que dizíamos? Nós o matamos, encerrando-o no invólucro rançoso dos pensamentos habituais, exilando-o numa forma de piedade sem conteúdo de realidade e perdida entre fases feitas ou preciosidades arqueológicas; nós o matamos por meio da ambiguidade de nossa vida, que estendeu um véu de escuridão também sobre ele: de fato, o que mais poderia ter tornado Deus problemático neste mundo, senão a problematização da fé e do amor daqueles que creem nele?

Bento XVI