O terremoto que aconteceu no Chile em 1647 é cenário do drama do casal Josephe e Jeronimo, e depois de Don Fernando, no conto de Von Kleist. Uma grande tragédia revela o que a humanidade tem de melhor e pior, mais ou menos o que está acontecendo nos dias de hoje.
Mostra também o poder destruidor de uma turba histérica, descontrolada e desejosa de encontrar um bode expiatório, alguém que receba a culpa por algo que não tem culpa humana nenhuma, como é o caso de um terremoto.
Possivelmente este comportamento tenha sua raiz numa expectativa criada pela modernidade que o homem tem a natureza sob seu comando, que ele tem o controle de sua própria existência. Reconhecer uma força da natureza seria admitir que a qualquer momento sua vida pode ser tirada por um grande acaso, um pensamento terrível para um materialista que considera a vida na terra como tudo que existe.
De certa forma, o conto antecipa muito do que estamos vendo hoje. A resistência dos personagens principais da estória é a resistência de alguns que se agarram ao senso comum diante de uma turba conduzida pela mídia e políticos inescrupulosos. Aliás, penso agora que a turba dentro da catedral é a própria mídia hegemônica que deseja matar os que resistem, o que inclui o bebê que carregam no colo. A força do estado se omite neste momento e permite que a multidão promova o justiçamento, sem garantir nenhum dos direitos legais que os acusados possuem. Parece familiar?
A visão de Kleist sobre a condição humana é bem pessimista. É triste constatar, na tragédia do covid 19, o quanto estava certo.