Jesus de Nazaré: tentações de Cristo

Prosseguindo no projeto de releitura de Jesus de Nazaré, do Papa Bento XVI, o capítulo 2 trata das tentações de Cristo, que na verdade referem-se às tentações que todos nós enfrentamos ao longo da vida.

Bento XVI lembra que as tentações são também uma introdução ao tema do sentido da vida humana. O fundamento comum entre as três é colocar Deus como uma questão secundária, para não dizer supérflua ou mesmo incômoda, diante das urgências do mundo. É entender que as realidades políticas e materiais são as que realmente importam e que a ligação com Deus é quase um luxo.

A primeira tentação, transformar pedra em pão, representa por um lado uma obrigação de Cristo e sua Igreja apresentarem provas materiais de sua divindade e por outro a colocação da necessidade material como pré-condição para adoração do Senhor. O marxismo foi um exemplo da explícita defesa deste princípio e no fim gerou sofrimento e destruição pois inverteu a correta hierarquia dos bens. O próprio ocidente desenvolvido comete o mesmo erro ao acreditar que a ajuda humanitária tem que ser apenas técnica e material, o que termina por perpetuar o chamado terceiro mundo. Na multiplicação dos pães, Jesus realiza o que nega ao diabo no deserto, pois naquele episódio o contexto está correto: o povo buscou o senhor em adoração, pediu o pão e o recebeu. Deus tem que vir sempre em primeiro lugar e não com pré-condições.

A segunda tentação é a mais difícil de entender, a de se atirar do pináculo do templo para ser seguro pelos anjos, conforme um salmo citado pelo tentador. Significa que as escrituras podem ser usadas por satanás como um arma, que muitas vezes se apresenta como um grande teólogo. Está presente ao longo da história com as discussões teológicas sobre a correta imagem de Deus, que por muitos deveriam ter um poder mais visível sobre a terra. Só que o poder do Cristo é de outra natureza. Jesus não se atira do pináculo para ser salvo por anjos, mas aceita descer ao nível dos homens, passar por seu martírio e ressuscitar, confiando sempre no Pai. O diabo nunca propõe diretamente o mal, sempre o reveste de uma aparência racional e lógica.

Por fim, a terceira tentação, a maior de todas, é de reinar sobre este mundo pelo poder humano. É a tentação de usar o poder como instrumento para impor a fé, o que termina sempre com a subordinação da fé aos poderes terrenos. A Igreja não pode identificar-se com nenhuma figura política e aqui cabe uma pequena reflexão sobre a figura de Barrabás.

Ele representa a escolha do povo de Deus entre duas figuras messiânicas. Jesus propunha o amor como instrumento para criação de um reino além deste mundo, o que significa em boa parte a aceitação do sofrimento da nossa existência. Barrabás, que não era simplesmente um assassino, mas um líder revolucionário, propunha a ação política concreta para promover a justiça no mundo. O que está subtendido na proposta de Barrabás é que Deus se coloca como questão secundária por uma solução que aparente ser racional e efetiva. Será que o homem de hoje escolheria diferente?

A nova forma desta tentação é o cristianismo assumir como missão promover o progresso, bem-estar e um mundo melhor, esquecendo que nenhum reino deste mundo é o reino prometido por Deus. Mas se Jesus não veio trazer estas soluções, qual seria seu papel como redentor?

Jesus veio trazer Deus como resposta. A verdadeira face do Senhor. Fé, esperança e amor como nossas armas para enfrentar todas as dificuldades. O poder de satanás e um poder da aparências, pois distorce a ordem correta dos bens na alma dos homens e gera sempre injustiça. Vencer as tentações do diabo é afirmar o poder de Deus como central em todas as questões humanas, por mais urgentes e relevantes que elas aparentam ser.

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