Os Bancos

Houve um tempo em que as praças tinham bancos; mas veio a pandemia e foram arrancados. Retiraram as placas de pedra, que formam o assento, e ficaram apenas os pés. Tudo para evitar que as pessoas fiquem sentadas na praça. Aparentemente não há problema em sentarmos no ônibus ou no avião; mas na praça? Proibido.

__ Estamos em pandemia, ninguém deve ficar à toa em uma praça pública _ me diz um destes fiscais amadores do covid.

__ Mas e no ônibus?

__ Neste caso, a necessidade justifica pois a pessoa precisa trabalhar…

O problema, parece-me, não é exatamente sentar ou não, mas ocupar um espaço público sem motivos. A cruzada está voltada para estas coisas prosaicas que fazemos sem aparente utilidade nenhuma, como sentar numa praça e contemplar o horizonte.

Talvez a pandemia tenha dado um motivo para que o Estado conseguisse banir do convívio estas pessoas perigosas que cometem este intolerável crime de dedicar-se à uma atividade contemplativa. Vivemos no mundo em qualquer coisa que fazemos tem que ter um fim considerado útil. Assim, não podemos caminhar despreocupadamente pelas calçadas; temos que realizar caminhadas, o que é bem diferente. Caminhar pode significar andar a esmo, talvez refletindo sobre estas coisas grandiosas mas consideradas inúteis, como nosso papel no universo. Já realizar uma caminhada significa vigiar o relógio gps para ver se atingimos a frequência cardíaco de trabalho. Temos que focar as metas, sejam elas em calorias ou minutos. De preferência com um fone de ouvido para aproveitar e escutar um podcast. Precisamos, insistem, aproveitar o tempo _ seja lá o que esta expressão signifique.

Quanto lembro do romance Admirável Mundo Novo, recordo que tudo era feito para as pessoas não pensarem. Foi uma das coisas mais assustadoras que li no livro. Não pensar, viver de sensações. Pensar é um expediente muito perigoso se queremos um mundo onde todas as pessoas sejam felizes. Carpe diem é a regra, mas não no sentido original, mas no sentido de aproveitar a vida como se não houvesse amanhã. Não pense, aja.

Por efeito de uma cirurgia, nada muito complicada, não estou podendo fazer caminhadas, apenas caminhar. Sem máscara, pois entendo que alguma rebeldia é necessária para manter a sanidade. Na pequena praça ao lado do prédio que moro, termino estes passeios (fazia tempo que não me dedicava a esta esquecida atividade!) com meus exercícios respiratório, herança de um covid que já foi. Olho para os pés dos bancos, sem os assentos, e penso na incompletude do que vejo. Se simplesmente tirassem os bancos por inteiro, talvez não pensasse muito. Mas do jeito que está, resta um certo desconforto, de algo que está faltando, de um mundo em que partes foram retiradas para atender uma certa histeria sanitária e tentar mostrar que estão fazendo algo, mesmo que este algo não funcione para nada.

__ Você tem que entender __ diz o sanitarista amador __ que não dava pra tirar o banco inteiro.

__ Talvez por isso __ retruquei __ não se devesse ter tirado nada.

No fundo, talvez seja como me sinto em relação a este ano tão terrível para todos. Sem poder resolver o problema, optou-se por tentar demonstrar que pelo menos se tentou, mesmo que o único efeito seja acalmar os mais apavorados. Não que não tenhamos motivos para recear esta doença maldita, mas aprendi anos atrás, escalando uma montanha, com minhas pernas tremendo, que o mais importante é como lidamos com o medo e não o que fazemos para evitá-lo. O mundo não suporta a inação, muito menos a resposta “não sei”. É preciso fazer algo, nem que seja o inútil.

O mundo se tornou um imensidão de bancos sem assentos. Bases sem nenhuma utilidade além de nos lembrar que alguém está cuidando de nós. O problema é que cada dia fica mais claro que este alguém não tem a menor idéia do que está fazendo. Sob aplausos dos sanitaristas amadores que tomaram o globo.

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