Outro dia, em um almoço, uma conhecida, dentista, comentou com minha esposa que seu faturamento tinha subido este ano em relação ao anterior. Fiquei intrigado pois um outro conhecido, também dentista, que possui uma clínica, teve seu movimento reduzido para mais da metade, além de ter ficado fechado por algumas semanas. Como seria isso possível? Qual a diferença?
Lembrei que as duas clínicas tinham um perfil bastante distinto. A primeira, da conhecida, fica no Gama e é voltada principalmente para a população de baixa renda. A segunda clínica, em Sobradinho, atende mais o perfil de classe média alta. Pode ser um indicador que as pessoas de baixa renda tocaram normalmente suas vidas durante a pandemia, enquanto que as de melhor condição, como era de se esperar, tomaram seus cuidados e se isolaram em casa, evitando sair mesmo que para o dentista.
Uma questão então me ocorreu. Há uma animosidade de parte da população em relação aqueles que estão desrespeitando as orientações das autoridades sanitárias, especialmente nos municípios, de distanciamento social. Mas quem exatamente está reclamando e quem está desrespeitando? Por este caso que acabei de narrar, os brasileiros irresponsáveis seriam justamente os mais pobres, para horror da classe média alta. Será?
É curioso que justamente as pessoas que mais aproveitavam as maravilhas da vida moderna, restaurantes, bares, viagens, sejam justamente os que mais se privaram destas delícias. Não estou aqui discutindo se com ou sem razão, se deveríamos ficar em casa ou não, mas que parece claro que foram elas que mais obedeceram estas recomendações. Nada de ir ao shopping, restaurantes ou aquela sonhada viagem de férias, especialmente para o exterior. Já seria o suficiente para deixá-las de mal humor.
Mas eis que passam a ver pelo noticiário que as pessoas mais humildes estão fazendo tudo que elas se privaram. Os bares da periferia estão cheios, shoppings lotados, comércio na 25 de março bombando e agora, pasmem, aeroportos lotados. O que esta gente pensa que é? Como ousam? Enquanto tomo meu vinho Catena em casa fazendo selfie, tem gente irresponsável tomando Brahma em buteco e comendo torresminho!
Estarei exagerando em pensar que parte, eu digo parte, da revolta dos virtuosos é pura inveja de quem não quis fazer o mesmo sacrifício que eles fizeram? Quem tem um fundo de esnobismo nessa revolta toda? Não vou firmar posição aqui, mas fico, sinceramente, com esta sensação.
