Esqueçam os temas dos debates, é irrelevante. Não se trata de discutir um assunto, tentar clareá-lo. Não sejamos ingênuos.
Os debatedores brasileiros, em geral, só tem um propósito: defender seus egos. É só isso, mesmo.
O debate é para provar que se está com a razão, ou sendo mais preciso, que se aparenta ter a razão. Nada a mais do que isso.
Isso aqui é uma várzea só.
Antes de discutir qualquer coisa, o Brasil precisava passar por um saneamento cultural. Os idiotas precisam ser reconhecidos como idiotas e ignorados. Enquanto isso não acontecer, ficamos com esta miséria aí.
Estou relendo o diálogo Protágoras, de Platão. Trata-se de uma reflexão sobre o sofista, uma espécie de profissional que existia nos tempos de Sócrates que ganhava dinheiro ensinando jovens a ganharem discussões públicas, independente da tese que defendessem.
Ou seja, o sofista não tinha compromisso com a veracidade do que ensinava e sim em ensinar o vocabulário para que o aluno apresentasse sua tese como verdadeira e ganhasse um debate.
Não sei porque, mas lembrei da universidade moderna. Até que pontos os professores, principalmente nos curso de pós-graduação, são sofistas?
Olhai se esta passagem não poderia ser um alerta a um jovem estudante que entra para uma universidade?
Mas se não estás, toma cuidado, venturoso amigo, para não por em risco o que te é mais caro numa jogada de dados. Asseguro-te que há um perigo muito mais sério na compra de ensinamento do que naquela de produtos comestíveis. (…) É obrigado, uma vez acertado e efetuado o pagamento, a absorver o ensinamento na tua própria alma, aprendendo-o. E então partirás, prejudicado ou beneficiado.
Este conto faz parte do livro Memórias de um Caçador. Na verdade, o narrador anônimo faz mais do caçar animais silvestres, ele caça estórias da gente humilde da Rússia agrária.
Neste conto, ele conhece Biriuk, um guarda florestal admirado pela retidão e competência. Abrigando-se da chuva, o narrador descobre que ele vive pobremente, com a filha e um bebê que foi abandonado na frente de sua casa.
Durante a chuva, ele captura um camponês que cortava ilegalmente uma árvore e demonstra que por trás dos gestos rudes e fama de implacável, existe uma humanidade verdadeira.
Ainda vou escrever um texto decente sobre este assunto, mas há uma enorme confusão entre alegoria e simbolismo.
A alegoria ocorre na literatura quando se cria uma estória para representar uma determinada realidade. O crônica mais famosa de Nárnia, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-roupas, é uma alegoria da vida de Cristo. A Revolução dos Bichos uma alegoria à revolução russa.
Já o simbolismo é de outro patamar. Algo é simbólico quando remete a uma realidade, mas por uma força do próprio ente ou acontecimento. A água, por exemplo, entre outras coisas, representa a renovação. O fogo representa o espírito e assim por diante.
Infelizmente, na modernidade, o homem perdeu o sentido simbólico das coisas e quando muito consegue enxergar uma alegoria, o que empobrece a sua compreensão das grandes obras do espírito.
Vejamos o caso de O Senhor dos Anéis. Um pensador alegórico vai enxergar no livro de Tolkien uma alegoria ao nazismo, com os hobbits no papel do ingleses e Sauron de Hitler. Faz sentido, mas é muito pouco.
Pois o simbolismo que Tolkien desenvolve é de muito mais profundidade. O anel é um símbolo das idéias circulares, pequenas, mas que aprisionam a mente de quem a possui. Uma pessoa poderosa com um anel é um perigo para todo mundo, pois ele possui meios de ação para impor a idéia representada pelo anel. Por isso ele tem que ser destruído. Os muitos anéis da obra são ideologias, que corrompem até mesmo o mais inocente que o utiliza. Frodo, Aragorn e Gandalf simbolizam juntos o Cristo, através de seus três papéis: servo sofredor, rei e profeta. Toda a saga é o simbolismo da luta da matéria para derrotar o espírito, que sempre termina em fracasso, mas nem sem grande sofrimento.
Praticamente todo teatro de Shakespeare tem este sentido de revolta da Terra contra o Céu, mas somos incapazes de perceber porque perdemos a capacidade simbólica.
Muito do que estudo é justamente para adquirir esta capacidade de enxergar estes símbolos. Depois que você começa a conseguir, um mundo infinito se abre para você.
Terminei atordoado de ler o longo ensaio de Voegelin, escrito no fim de sua vida, que praticamente faz um resumo sobre seu entendimento da estrutura da realidade e do caminho do filósofo para entendê-la. Trata-se de Sabedoria e Magia do Extremo: uma Meditação.
Como sempre, ele parte de um problema real: o sonho utópico das ideologias. Como é possível tamanha deformação da realidade? Ainda mais por pensadores de primeira grandeza como Hegel?
A quantidade de iluminações que Voegelin apresenta, página depois de página, é para atordoar qualquer um e terminei a última frase sabendo que vou ler este ensaio até o fim da vida.
Como alguém pode se impressionar com Kant depois de ler Voegelin? Com Hegel? Marx nem falo porque é filósofo de terceira categoria.
Nem vou resumir este artigo aqui porque ainda não estou em condições para tal. Primeiro vou ler As Leis, do Platão, depois reler o ensaio com toda atenção para ser capaz de ter um entendimento que me permita fazer uma resenha digna.
Eis minha lista semanal de 5 coisas interessantes que andei fazendo (inspirado pelo Tim Ferris 5-bullets friday)
1. Um filme que assisti: Mais ou Menos Grávida (For Keeps, 1988)
Título horroroso em português (nota mental: escrever um artigo sobre esses títulos que distorcem o entendimento do filme), mas uma bela estória sobre a forma como nos conectado e superamos as dificuldades que a vida nos impõe. Eu sou eu e minhas circunstâncias, já dizia Ortega Y Gasset.
2. Um disco que ando escutando: Once Upon a Time (Simple Minds, 1985)
Um dos melhores discos de rock dos anos 80. Gosto de tudo que a banda fez nesta década, especialmente do clima das músicas, as linhas de baixo, os vocais de Kerr e a guitarra delicada de Burchil.
3. Um livro que estou lendo: As Viagens de Gulliver
O livro é muito conhecido e pouco lido. Muita gente acha que trata-se apenas de uma viagem, em que Gulliver encontra humanos em miniatura e se torna gigante. Em realidade são várias viagens em que se troca constantemente o ponto de vista, em uma sátira maravilhosa da sociedade do início do século XVIII, sob influência já do iluminismo.
4. Um ensaio que estou lendo: A Sabedoria e a Magia do Extremo: uma meditação
Em um de seus últimos escritos, Eric Voegelin discute o sonho da utopia e a operação mágica que é realizada para que este sonho apareça como uma possibilidade real. Com direito à análise de um soneto de Shakespeare.
5. Uma frase que ando refletindo
Tudo isso o mundo sabe bem, mas ninguém sabe bem
Evitar o céu que leva aos homens para este inferno
Nos anos 80, os filmes de John Hughes consolidaram um gênero de cinema que ficou conhecido “coming age”, muito mal traduzido para “filmes de adolescente”. Na verdade, trata-se de maturação, da difícil passagem da adolescência para a idade adulta.
For Keeps não é um filme de John Hughes, mas tem essa pegada, até por ter como protagonista uma das atrizes reveladas por Hughes, Molly Hingwald.
A tradução do título em português é mais uma das aberrações que se faz por aqui, pois distorce o próprio sentido do filme. Não se trata de um filme sobre gravidez, muito menos uma semi-gravidez, mas sobre a manutenção dos compromissos assumidos nos momentos de dificuldade.
Esse é o grande desafio de Stan e Darcy, fugirem do exemplo do pai de Darcy que abandonou sua mãe quando esta ficou grávida. Mais que isso, tanto a mãe dela, quanto os pais de Stan, os abandonaram quando o jovem casal resolveu não seguir o que eles tinham decidido por eles.
É um filme bem interessante sobre carácter. Mesmo em uma situação imprevista, e com toda imaturidade envolvida, no fundo é na virtude que possuem, e no amor que sentem um pelo outro, que devem superar as dificuldades e evitar as soluções fáceis que são colocadas no caminho que escolheram.
Depois de passar uma semana internado em Agosto por conta do covid, eis que me encontrei esta semana novamente hospitalizado.
No domingo, meia noite, acordei com forte dores abdominais. Achei tinha sido um milho mais ou menos passado que tinha comido depois de um churrasco. Fui na emergência, tomei buscopan na veia, mas não melhorou.
Retornei ao hospital e fiz coleta de sangue, mas nenhum sinal que indicava algo mais grave. Quando estava no estacionamento, o médico me alcançou. Ele começou a suspeitar que poderia ser um processo inicial de apendicite e resolveu pedir uma tomografia.
Bem, errou o apêndice, mas acertou a vesícula. Foi internado à noite e na terça de manhã removi a dita cuja. Aproveitei para resolver uma hérnia umbilical que estava enrolando a meses.
Cirurgia foi tudo bem, já estou em casa, em home office por 15 dias.
O Evangelho de hoje conta a parábola do reino de Deus como uma festa de casamento onde muitos são os convidados e poucos os escolhidos.
Um dos pontos centrais desta parábola é quando o rei interpela um homem que não usava as vestes da festa e manda açoitá-lo e amarrar seus pés. Por que o rei fez isso?
As vestes da festa simbolizam as graças que Deus nos envia ao longo de nossas vidas. Temos sempre o livre arbítrio para recusá-las, o que fazemos freqüentemente, para nossa desgraça. Ela não aparece tão claramente quanto muitos imaginam, na maioria das vezes é bastante sutil e revestida de um aspecto tão humano que custa-nos acreditar em sua origem transcendente.
Não conheço melhor estudo da graça (e de nossa recusa) na literatura do que os contos de Flannery O’Connor. Já no cinema, principalmente em seus contos morais, é Eric Rohmer que nos dá uma boa perspectiva.
Ambos nos ensinam a prestar atenção nas pequenas coisas, pois nelas pode estar escondidas as graças que Deus nos envia.
Eu posso não ser o mais cuidadoso em épocas covideanas, mas também procuro me resguardar. Uso sempre máscara quando saio, procuro lavar as mãos, hábito que não tinha, fiquei meses sem pedir sushi (alimento cru manipulado), nada de clubes.
Tive covid, passei algum aperto, curei-me. Mesmo assim, procuro agir como agia antes, com todos os cuidados básicos.
Hoje, pela primeira vez desde que tudo isso começou, dei um mergulho. Não foi numa piscina, mas no lago Paranoá, em passeio de lancha com um casal amigo. As meninas adoraram e aproveitei a oportunidade para tirar do corpo toda energia negativa que acabamos recebendo ao longo do ano.
Não sei como será daqui para a frente, falam da tal segunda onda. Também não sei se existe re-infecção (a última vez que me falaram disso parece que eram 11 registros em 30 milhões de casos), mas aproveitei meu momento.
Será que viveremos em um mundo que ocasiões como esta serão raras? É o tal novo normal? Teremos sanidade mental para aguentar viver constantemente entre relaxamentos e endurecimento de medidas de confinamento?