O caso da menina de dez anos abusada por um tio e que terminou em aborto foi muito triste e sobre este assunto não entro em qualquer discussão pública. No entanto, chamou-me atenção que um amigo comentou num grupo privado de whatsapp que seria uma discussão que transcenderia a religião. Não acho que ele entende o alcance de sua observação, mas se é religião, já é transcendente por natureza. Nada neste mundo que vivemos transcende a religião pois é justamente ela que nos liga ao que está além.
É uma confusão muito comum na cultura progressista dominante acreditar que a religião é um assunto de foro íntimo que deve ser excluída de qualquer discussão racional. Não pode. Se somos sérios com nossa religião, que é muito mais do que pertencer a uma instituição religiosa, temos que saber que ela refere-se a nossas crenças mais profundas, justamente aquelas que tratam de nossa origem e nosso destino. Nossa visão política, cultura e a té espirital derivam dessas crenças e nos moldam a ser o que somos.
Isso não significa, obviamente, que tenho qualquer direito de impor minhas crenças a você, mas significa que se quiser realmente me compreender terás que entender estas crenças e como elas se articulam no meu modo de pensar. Interditar esse aspecto é não querer entender e evitar uma discussão que tenha verdadeira substância.
Estas crenças não são necessariamente irracionais. Elas podem estar em escrituras sagradas, através de revelações, mas elas, ou muitas delas, tem suporte na razão. Não vejo porque não de possa discutir a racionalidade dessas crenças somente porque estarem na esfera proibida da religião. Ignorá-las não te deixará mais perto da verdade, apenas afastará visões que não quer discutir.
Portanto, independente da gravidade do caso da menina, a discussão pública pode ser impossível no ambiente intoxicante que vivemos, mas de maneira nenhuma transcende a religião. Pode ser debatido sem argumentos religiosos perfeitamente, mas não significa que a questão ficará mais clara por causa disso. A verdade tem um poder iluminativo próprio e ofuscar sua luz apenas nos afunda no reino a opinião e da confusão mental.