Conto da Semana: A View of the Woods (Flannery O´Connor)

Flannery por vezes nos apresenta contos que são verdadeiros murros no estômago.

Em A View of the Woods ela nos presenteia com a queda de um homem honesto, mas orgulhoso, que não tem medida nas suas ações. O conto é profundamente simbólico.

Fortune, um senhor de quase 70 anos, só ama uma coisa na vida: sua neta Mary, de 9. Despreza a filha, genro e todos os outros 6 netos que vivem com ele. Todo ideal de família e ligação com a terra (tradição) é colocado de lado e simbolizado pela venda de pequenos lotes para permitir o “progresso”.

A venda do lote em frente à sua propriedade é retratada como um pacto com o diabo, simbolizado por Tilman, um homem com jeito de uma serpente. Mary, de maneira quase irracional, pela primeira vez se coloca contra o avô, de forma feroz. Ela não dará este passo com ele.

O final é arrebatador e nos lembra que na queda perdemos a nossa virtude e abraçamos a morte.

 “You been whipped,” it said, “by me” and then it added, bearing down on each word, “and I’m PURE Pitts.”

Ao usar “it” ao invés de “she”, Flannery mostra como a amada neta deixou de ser humana para Fortune. Um conto realmente perturbador.

Ciência = opinião que me convém

Aparentemente, a Ciência, essa deusa esquecida, retornou em nosso tempo e definiu que estávamos á beira do apocalipse e deu a solução: todos em casa!

Existem estudos para todos os lados, mas o conjunto que atende a meus interesses, este sim é a Ciência.

O tal estudo do Imperial College não fica mais em pé nem com reza braba. Políticos do mundo inteiro tomaram decisões baseado em seu prognóstico, fruto de uma modelagem mal feita sobre dados insuficientes, e assustados com o caos em uma região específica da Itália, um país de elevada faixa etária, resolveram ligar o botão de histeria.

E assim, de uma hora para outra, os líderes do ocidente resolveram criar o maior desastre humano desde a II Guerra Mundial. E diante das evidências do equívoco, para não atestarem tamanha burrice, dobram a aposta a cada dia. É aquele caso de que foram longe demais para reconhecer o erro.

Então você se apega à deusa Ciência e vai até o fim. Custe o que custar.

5 Notas da Semana: Jethru Tull, Rohmer, C S Lewis, Hazony e Pessoa

Olá pessoal!

Eis minha lista semanal de 5 coisas interessantes que andei fazendo (inspirado pelo Tim Ferris 5-bullets friday)

Um disco que estou escutando

Depois da preciosidade que é Aqualung, o Jethru Tull lança Thick As a Brick (1972), que pode ser traduzido como “burro como uma porta”. Ian Anderson nunca aceitou o rótulo de conceitual para Aqualung e fez este disco maravilhoso, que na verdade é apenas uma única música. Uma ironia aos críticos, como que dizendo: conceitual? Isso é conceitual!

Uma série que terminei

Vivemos a febre das séries no streaming, mas no cinema existem diversas. Na década de 80, Eric Rohmer filmou Comédidas e Provérbios, uma sequência de 6 filmes que meditam sobre os dilemas amorosos de jovens franceses na modernidade. Seis filmes deliciosos que mostram a insuficiência da vida sem compromissos, baseado apenas na realização dos desejos.

Um livro que estou lendo

O israelense Yuran Hazony escreveu A Virtude do Nacionalismo, onde faz a defesa do nacionalismo diante de sua contraparte, o imperialismo. Ele rejeita a noção que as guerras do século XX foram produtos dos estados-nacionais e sem consequência da ação do imperialismo, a crença de um organismo que congregue nações do mundo inteiro em torno de um projeto único para a humanidade. Bem interessante.

Uma discussão que assisti

Enquanto tem gente perdendo tempo com live da Anitta, eu usei o meu para assistir uma excelente discussão no canal Instituto Dom Literário, no instagram, sobre As Crônicas de Nárnia. A alegria de Lewis (e Chesterton) é terapia para os dias que vivemos.

Um pensamento que andei meditando

Os deuses vendem quando dão

Compra-se a glória com desgraça

Fernando Pessoa

Comédias e Provérbios: a chave

Por acaso, li hoje em Razão e Fé, encíclica de João Paulo II.

Na interpretação niilista, a existência é somente uma oportunidade para sensações e experiências em que o efêmero detém o primado. O niilismo está na origem duma mentalidade difusa, segundo a qual não se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo é fugaz e provisório.

Eis um ponto de partido para entender a obra dos anos 80 do Eric Rohmer, que de forma nenhuma é menor que Os Contos Morais ou Os Contos das Quatro Estações.

Solidão

Um tema que aparece nestes dias de quarentena é o da solidão. Estamos com a imagem das famílias reunidas em casa, sem poder sair, mas e o outro lado? E as pessoas que vivem sozinhas?

A solidão em si, não é um problema como mostra o interessante livro The Loner´s Manifesto, de Anneli Rufus, que li anos atrás (dica do J P Coutinho), afinal, defende ela, todos temos necessidade de nossos momentos solitários. O problema é a incapacidade de lidar com a solidão, um mal real para muitas pessoas.

A modernidade, principalmente quando nos deixamos levar pelo niilismo, pela ausência de um norte moral para nos guiar nos momentos de dificuldade, ampliou esta incapacidade, principalmente nos grandes centros urbanos. Eric Rohmer nos mostra o sofrimento causado pela solidão através da personagem Delphine (Marie Riviére) no filme O Raio Verde.

Solidão não é estar sozinha. Delphine sente solidão mesmo em companhia de outras pessoas, mesmo com as amigas. Ela chora constantemente no meio de conversas, de momentos que deveria estar se divertindo. Seja em Paris, na praia, nos alpes. As cenas da praia em Biarritz é emblemática: uma praia lotada, digna de Copacabana num domingo de sol, e ela lá, solitária e sofrendo.

No fim, quase em um ato de desespero, resolve dar uma chance para a graça e busca um sinal de esperança. Quero quer que foi o que viu no raio verde, o último raio do sol poente. Que seu último choro tenha sido de alívio e não de desespero.

Pascale Ogier: como partistes sem que eu nem soubesse de ti?

Assisti Noites de Lua Cheia, o quarto filme da série Comédias e Provérbios, do Eric Rohmer. Antes de comentar o filme, que o farei em outro texto, uma palavra sobre a atriz principal Pascale Ogier.

Impossível não se apaixonar por ela dançando música pop na primeira festa do filme. Tão segura de si e, ao mesmo tempo, tão frágil. Vontade imensa de abraçá-la, protegê-la. Fui pesquisar no google para saber mais sobre esta atriz. Que outros filmes fez? Como estaria hoje? Envelhecera bem?

Para minha surpresa, descobri que ela morreu no ano seguinte, aos 26 anos. Ataque cardíaco. Parece que tinha uma séria deficiência e usou drogas, uma combinação fatal. Senti uma imensa tristeza que não consigo explicar. O tempo e seus mistérios. Ela deixou este mundo há mais de 30 anos, mas não é esta a impressão que tenho, pois só hoje soube de seu passamento. A imagem em minha mente é de seu sorriso fascinante, seu cabelo frondoso, com penteados incríveis e um senso de estilo único. Em entrevista que acompanha o DVD, Rohmer conta que deixou ela mesmo decorar os cenários dos dois apartamentos do filme, dando um realismo incrível ao filme. Como ela partiu dessa forma, sem que pudesse dar meu adeus?

Queria e bela Pascale, onde estiver, que esteja em paz. Você sempre será nossa bela Louise dançando nas baladas de Paris da década de 80 e viverá no coração dos poucos, mas fiéis, admiradores deste monstro que foi Eric Rohmer.

Estou de luto por alguém que morreu há 35 anos. É a vida.

Conto da Semana: A Marquesa de O (Heinrich Von Kleist)

O que pensar de um conto que começa com um anúncio de jornal de que uma jovem viúva, sem saber como, encontrava-se grávida e caso o pai da criança, que ela não sabia quem era, se apresentasse em sua casa estaria disposta a contrair matrimônio.

Desta forma, despertando a curiosidade do leitor desde o início, Von Kleist prende nossa atenção da primeira à última palavra, numa narrativa de tirar o fôlego, sem pausas para qualquer reflexão sobre o que está acontecendo. É daqueles contos para colocar numa categoria especial, com os maiores já produzidos pela literatura mundial.

Sensacional.