Thomas Hobbes entrou para a história como o primeiro teórico do estado moderno e a defesa do poder absoluto como forma de governo.
O que o levou à esta posição?
Dois fatos históricos o impactaram profundamente.
O primeiro foi o pavor de sua mãe com a aproximação da invencível armada de Felipe II. Entrou em trabalho de parto antes da hora e deu a luz prematuramente ao pequeno Thomas. Ao longo de sua vida, por causa deste episódio, ele costumava dizer que o medo era seu irmão gêmeo.
O outro fato histórico foi a guerra civil inglesa, que o mostrou o efeito da carnificina de uma sociedade em desordem social.
Sua filosofia política foi direcionada principalmente para impedir um acontecimento deste, que considerava o estado da natureza do homem, que entregue a si mesmo promoveria uma guerra de todos contra todos pela preservação da própria vida. A única forma de evitar esse fim seria abrir mão das próprias liberdades em favor de uma autoridade absoluta, que não estaria sujeita á nenhuma lei, humana ou divina. Só desta forma a autoridade teria força suficiente para impedir as guerras e manter a paz.
O que Hobbes não viu é que um mundo com algumas autoridades absoluta geraria um outro tipo de estado da natureza, entre as próprias nações. Foi o que se viu na II Guerra Mundial em que estados totalitários guerrearam com as demais nações, e entre si, para conquistar uma pretensa paz. Estes estados até tinham uma grande ordem social, mas a custas de muito sangue.
Talvez um pouco de desordem social seja um bom remédio para evitar que uma nação se torne uma ameaça para as outras.
Já há os que defendem que o princípio de Hobbes seja estendido ao concerto entre as nações, promovendo uma autoridade mundial sobre todos os países. É o grande sonho globalista. Nada garante que este poder não vai se voltar para dentro de si mesmo e aniquilar qualquer um que seja julgado uma ameaça a um sonho tão grandioso como a paz mundial.
Terminei esta semana de reler Treze Contos, do Tchekhov. É daqueles livros para ler e reler durante toda a vida, pois é tão rico que sempre terá algo a mais a apreender a cada leitura, principalmente com a maturidade.
O que me impressiona neste escritor é sua capacidade de nos conectar com seus personagens com poucas linhas. Ele não precisa de mais do que alguns parágrafos para despertar em nós a simpatia, antipatia, raiva, alegria. De alguma forma, aquelas pessoas se tornam conhecidas nossas, torcemos por eles. Talvez porque no fundo eles nos sejam familiares porque são tipos humanos que conhecemos em nossas próprias vidas.
O pequeno livro fecha com chave de ouro com O Duelo, um conto que coloca face a face dois tipos comuns do século XIX, que se tornaram dominantes no século XX.
Lacvsky, o anti-herói, é o homem decaído do ocidente. Tão acostumado aos confortos da vida moderna que apenas se iniciava que vai abandonando os valores tradicionais um a um, contanto mentiras para si mesmo para se enganar o tempo todo. Admite sua fraqueza para não ter que lidar com ela. Quer ser livre de qualquer compromisso e viver sem limites. No entanto, sua constante perturbação indica que suas consciência está lá em algum lugar, tentando chamá-lo à razão. É o homem conformado que não quer lutar por nada.
De outro, Von Koren, o intelectual, darwinista social, que não respeita a sabedoria tradicional, é intolerante com os decadentes, quer moldar o mundo à sua visão. Não por acaso é acusado o tempo todo por Samoilenko de ter sido estragado “pelos alemães”. É um fruto da ideologia alemã que se espalhava pela europa, o protótipo do revolucionário, que tanto sangue espalhará pelo mundo.
Há outros tipos como o diácono que deseja mais as pompas do cargo de bispo do que uma vida espiritual, a dividida Nadezha que de certa forma representa a própria Rússia dividida, o bom Smoilenko, que tenta a tudo conciliar, mas que é dominado por ambas as partes.
No fim, uma mensagem de redenção. Não há homem tão caído que não possa se redimir, não há pecado que não possa ser perdoado. Deus age de muitas formas, até através de nossos erros.
Comecei a ver futebol no mundialito de 1981. Encantei-me com aquela seleção do Telê e virei rubro-negro por causa do Zico. No meio daquele ano, minha família mudou para os Estados Unidos e só fui assistir futebol novamente no ano seguinte, na Copa. Perdi, por pouco, a epopéia de dezembro de 81. Voltamos ao Brasil em outubro de 82, ainda a tempo de assistir as finais do carioca, com o título do Vasco. Inclusive, foi a primeira vez que fui no Maracanã, no jogo Vasco 1 x 0 América, início do triangular decisivo.
O primeiro campeonato que acompanhei mesmo, do início ao fim, foi o Brasileiro de 83. O épico 5 x 1 no Corinthians, as quartas contra o Vasco, com Zico socando a bandeirinha de escanteio, o sofrimento do jogo contra o Athletico em Curitiba e a grande final contra o Santos, que acompanhei pela rádio Globo (naquele tempo não passava jogo para a praça onde ele se realizava).
Vi, portanto, o final da era Zico, os últimos títulos. Depois vivi os anos difíceis, especialmente depois de 1992. Alguns títulos esporádicos, como as copas do Brasil e o brasileiro de 2009 nos davam alento, fazíamos sonhar com dias melhores.
Agora o sentimento é diferente. Vemos um título conquistado com superioridade, mesmo com um jogo final que ganhamos no detalhe, mesmo não jogando bem. Mas é o normal em final de jogo único (que eu adoro), jogo tenso, muitos erros e detalhes decidindo. A diferença foi que o River deixou para errar no fim, quando não dava tempo de reação.
Enfim, ganhamos a América.
Com sofrimento, com tensão, mas mesmo no fim do jogo, quando perdíamos, ainda acreditava na virada. O pessimismo deixou, definitivamente, a Gávea.
Ficamos confiantes como há décadas não ficávamos.
O Flamengo pode estar começando um grande capítulo de títulos.
Terminei o conto O Duelo, do Tchekhov, uma absoluta obra-prima. Um fio de esperança em um mundo decadente, que mostra que a salvação está dentro de cada um de nós e pode ser desperta nas situações mais difíceis.
O homem precisa encarar sua realidade e aceitá-la. Nunca sabemos em que momento essa compreensão pode despertar em nosso espírito e que temos um imenso poder de nos perdoar por nossos pecados.
Outro dia um amigo me provocou em uma discussão de whatsapp: como eu explicava o Flamengo ter se tornado o time mais popular do Brasil? Segundo ele, quando o Flamengo ganhou seu primeiro título Brasileiro, em 1980, já era popular. Como eu explicava isso considerando que até a era Zico o time nunca tinha ganho nada de expressão que justificasse ter se tornado um time nacional, com torcida em todos os lugares do país. Para ele, o Flamengo era uma criação da rede globo durante o governo militar, provavelmente para ser o tal “ópio do povo” porque, claro, a globo é flamenguista.
Aí já tem coisa que não faz sentido. Se o Flamengo não era o time mais popular do Brasil em 1964, quando a Globo começou a se tornar hegemônica, porque ela teria escolhido justamente o Flamengo para ser o mais popular e porque ela faria isso? Não faz o menor sentido. Mas confesso que fiquei intrigado pela pergunta. O Botafogo dominou a década de 50, o Santos a de 60. E realmente, o Flamengo nunca tinha conquistado um título nacional até 1980. Como se formou a nação?
Provocado, fui tratar de pesquisar. A primeira resposta que encontrei é surpreendente. Para começo de conversa, achei um artigo no Jornal dos Sports, de 1971, em que Mario Filho levantava os motivos do Flamengo ser o time mais querido do país. Em 1971! A televisão não tinha penetração assim para em 2 ou 3 anos a Globo ter provocado este fenômeno. Continuei pesquisando e encontrei uma tese de doutorado em história, na UFF, do historiador Renato Soares Coutinho, que explica justamente esse fenômeno e pasmem, não tem nada a ver com a Globo e muito menos com a televisão. O período chave foram 5 anos na década de 30! E justamente em um período que o Flamengo não ganhou nada. O maior jejum de títulos cariocas do clube foi justamente nesta época. Foi a única vez que o Flamengo ficou 10 anos ser ganhar um título. Como aconteceu?
Aconteceu porque neste período, especialmente de 1933 a 1937, o Flamengo teve um presidente que fez uma gestão voltada não para ganhar títulos, mas para tornar o Flamengo o primeiro clube nacional do Brasil, vencendo as fronteiras regionais. A história é fascinante. Na década de 30, Vargas tinha chegado ao poder e a classe urbana trabalhadora tomava o protagonismo na sociedade brasileira. Até então, o futebol era uma prática elitista, voltada principalmente para os sócios dos clubes. A década de 30 foi quando as arquibancadas passaram a ser frequentadas por populares e não apenas sócios, formando a primeira profissionalização do futebol. Os clubes torceram o nariz para o que estava acontecendo, especialmente o Fluminense, que já disputava grandes jogos com o Flamengo. O Vasco construir naquela época sua aliança com os imigrantes portugueses, criando o símbolo de time dos lusitanos.
Foi em 1933 que José Bastos Padilha assume a presidência do clube. Padilha pode ser considerado um pai do marketing esportivo. Ele tinha uma visão que o governo Vargas tinha despertado nas classes populares urbanas o nacionalismo e acreditava que se o Flamengo se associasse a símbolos nacionais ele se tornaria o primeiro clube nacional do país e teria seu futuro assegurado. Os títulos seriam consequência deste fenômeno e ele se dedica intensamente em cinco anos a praticamente refundar o Flamengo. De um clube de regasta elitista da zona sul do Rio de Janeiro, a fenômeno popular de carácter nacional.
Um exemplo. Nos primeiros anos de governo, Vargas fez várias leis que “não pegaram” como ele mesmo dizia. Uma delas era cantar o hino nacional nas competições esportivas. Os clubes se recusaram e ignoraram. Deve-se lembrar que o governo ainda não era uma ditadura. Padilha percebeu como uma oportunidade de mostrar que o Flamengo estava ligado ao Brasil e levou uma banda para tocar o hino nacional em cada jogo, inclusive nas Laranjeiras. Criou uma série de slogans associando Flamengo e pátria como “Flamengo é o Brasil”, “Uma vez Flamengo, sempre…. tudo pelo Brasil”, “Flamengo o time da pátria” e assim por diante. Padilha apostou também com a interação com a torcida, criando diversos concursos para estabelecer símbolos e slogans para o Flamengo.
Em 1936, o Jornal dos Sports já usava termos como “massa” e “multidões” para se referir ao público do Flamengo. Os clubes torceram o nariz e começaram, como hoje acontece, a ridicularizar o carácter popular do clube, o que, como hoje, contribuiu para popularizar ainda mais o Flamengo. O Vasco foi o primeiro clube a aceitar negros como sócios, mas na década de 30 nenhum time do Brasil tinha tantos negros quanto o Flamengo, a começar pelo maior deles, Leônidas da Silva.
Padilha não viu o Flamengo ser campeão em sua presidência. Renunciou ao cargo em 1937, pouco antes do golpe que instalou o estado-novo no Brasil. Apesar de ser a favor do nacionalismo, não concordava com o fim das liberdades e em 1945 fez campanha contra Dutra. Nos anos seguintes à sua renúncia, o espírito continuava o mesmo. O Flamengo se dedicava em fazer o clube popular.
Para terminar, o rádio teve um aspecto importante neste processo. Na década de 30 começaram a transmissão de jogos de futebol. Ary Barroso e Mario Filho eram escutados no interior do país, pois a transmissão para Norte, Nordeste e Centro-oeste era a do Rio de Janeiro, então capital. O que estes brasileiros escutavam? Um clube fazendo questão de criar cada vez mais símbolos de cunho nacionalista. O tricampeonato carioca de 42-43-44 só veio sedimentar e impulsionar esta associação.
Em resumo: o Flamengo montou na década de 30 um projeto para se tornar popular e o implementou. Pode-se dizer que enquanto os outros clubes se dedicavam a ganhar títulos, o Flamengo queria ser popular. Todos conseguiram o que queriam. E não, a globo não tem nada a ver com isso.
Há uma narrativa que os protestos na América Latina estão sendo gerados pelo Foro de São Paulo, em reação ao avanço conservador nos últimos anos. Considerando que o primeiro efeito prático foi a renúncia de Evo Morales e a reconquista, pelo voto, do segundo mais importante país do continente sugere que não é bem assim. Há protestos de ambos os lados do espectro ideológicos.
Pouco se falou sobre o que Eric Voegelin considerava o problema central da democracia, a representatividade. Para que um regime democrático funcione, é preciso que a representatividade funcione.
Não se deve confundir, alertava ele, representatividade com voto e aparato eleitoral. Essa é só a parte mais visível e até em Cuba tem eleições. A grande questão, a meu ver, é se existem canais democráticos, tanto na estrutura do estado como fora dele (exemplo: a imprensa), para que a voz das pessoas seja ouvida.
Quando a pessoa comum percebe que nenhum partido a representa, que a mídia pensa o oposto dela, que não há instituições que possa brigar por ela, fica sem opções. A rua passa a ser sua plataforma.
Neste sentido, temo pelo que pode acontecer se o cerceamento da liberdade de expressão nas redes sociais continuarem. Estarão fechando um importante canal para que as pessoas se manifestem livremente, e que tem dado resultado (como a campanha pela reforma de previdência). A internet é uma importante válvula de escape para que vozes sejam ouvidas, mas tudo pode mudar se ele continuar no rumo de só permitir opiniões politicamente corretas, alinhadas ao estamento cultural corrompido que temos no Brasil.
Terminei de reler os 12 contos de A Sabedoria do Padre Brown, segundo livro que Chesterton escreveu sobre seu simpático padre-detetive. No fundo, o que ele faz é ligar o céu e a terra através da ligação entre os mistérios divinos e humanos.
Divido com o leitor alguns trechos:
O homem que escreveu este bilhete conhecia todos os fatos. Não poderia tê-los confundido sem conhecê-los. É preciso conhecer muitas coisas para se errar em tudo… como o demônio.
O senhor sempre se esquece de que a máquina de confiança tem sempre de ser operada por uma máquina que não é digna de confiança. (…) Refiro-e ao homem, a máquina menos digna de confiança que conheço.
__ Então __ rosnou o detetive __ esse grande numismata e colecionador de moedas não passava de um avarento vulgar.__ E há tão grande diferença entre as duas coisas? __ perguntou o padre Brown, no mesmo tom estranho e indulgente.
__ Quais são os defeitos de um avarento que não se encontram frequentemente num colecionador? Pouca coisa a não ser… ” não farás para ti qualquer imagem; não te curvarás diante delas nem as servirás poi Eu…” bem, precisamos ir ver como estão passando os jovens.
Conheço seu nome, chama-se Satanás. O verdadeiro Deus se fez carne e habitou entre nós. E lhe assegura, onde quer que encontre homens dominados inteiramente pelo mistério é da iniquidade. Se o demônio lhe diz que uma coisa é horrorosa demais de se ver, olhe para ela. Se diz que alguma coisa é horrível de se ouvir, ouça-a. Se diz que alguma coisa é insuportável, suporte-a.
Pois nós, seres humanos, nos acostumamos com coisas irregulares; acostumamo-nos com o estardalhaço do inconveniente; é uma melodia com que adormecemos. Se acontece uma coisa apropriada, ela nos desperta como o retino agudo de um acorde perfeito.