Mês: dezembro 2018
Retrospectiva 2018: 5 Livros de não ficção!
Clima de férias
O blog entrou em clima de férias junto com seu autor, que está curtindo alguns dias em Toronto.
Aproveitando para fazer uma reflexões sobre o ano que passou.
Logo um vídeo sobre a retrospectiva literária!
Aguardem!
Dicas de leitura: anotações para um ensaio
- A grande divisão da literatura é entre ficção e não-ficção. É preciso respeitar esta divisão pois a forma de leitura difere de um tipo para o outro.
- Os livros de ficção são escritos para serem lidos do início ao fim, de preferência sem muito espaçamento entre as leituras. O autor está interessado em despertar emoções e utiliza técnicas narrativas que causam determinados impactos.
- Este tipo de livro pode ser excelente para educar nossa imaginação, melhorando nosso vocabulário e, principalmente, nos proporcionando quadros possíveis para entendermos a condição humana. Ele trata não do que aconteceu, mas do que poderia ter acontecido. É um repertório de possibilidades para podermos pensar nas ações humanas possíveis em diferentes contextos.
- Estas dicas referem-se principalmente aos livros de não ficção.
- Os livros de não ficção não devem ser lidos da mesma forma. Existem livros que merecem ser bem lidos e existem livros que não merecem uma leitura mais atenta. A primeira coisa que um leitor deve descobrir é se o livro merece ser lido.
- Para isso, tem que entender o mais rapidamente possível o tema do livro. Do que a obra trata? Qual é seu assunto?
- Prestem atenção no título do livro. Ele pode nos indicar o tema, principalmente quando vem acompanhado de um subtítulo. Exemplo: “Sagração da Primavera: a Grande Guerra e o Início da Era Moderna”. O título, Sagração da Primavera, refere-se a um famoso ballet que estreou em Paris em 1913 (nem todo leitor é obrigado a saber disso). No entanto, um leitor entenderia, pelo subtítulo, que o livro trata da I Guerra Mundial e de alguma forma associa este exemplo ao início da era moderna. Se entender a referência do ballet, ficará intrigado pela associação de um espetáculo de dança com o conflito bélico. De alguma forma intuirá que o livro trata não só da guerra, mas de sua relação com a cultura.
- Outra dica importante é ler a “orelha do livro”. É nela que o editor ou um convidado tenta vender a importância do livro. Faz isso através de uma breve resenha ou a seleção de alguns trechos da obra.
- Não se trata de um livro de ficção; não devemos nos preocupar em entender o final do livro antes de começá-lo. É justamente o contrário, temos que entender do que a obra trata para aproveitar melhor a leitura.
- Particularmente só leio prefácios se forem 1) curtos e 2) escritos pelo próprio autor. O receio aqui é ser conduzido na leitura, recebendo um determinado viés antes de entender o livro. Nestes casos, prefiro deixar prefácios para ler depois.
- Identificado o assunto, trata-se de descobrir qual o argumento central do autor. O que ele quer dizer, em uma frase, no livro que escreveu? Muitas vezes identifico o argumento (ou tese central) no título, orelha ou prefácio. Outras vezes preciso investigar um pouco mais.
- Antes de ler o livro, leia o sumário. Há livros que o sumário é bem completo e nos dá uma boa idéia de como o livro está dividido e suas partes mais importantes.
- Folheie o livro. Principalmente parágrafos iniciais e finais dos capítulos. Olhe os gráficos, as figuras. Você não está tentando entender o livro, mas identificar a sua tese central. Em Sagração da Primavera, pelo que eu entendi, o autor está argumentando que a Grande Guerra foi consequência da cultura da modernidade européia, que já estava presente no espetáculo Sagração da Primavera. Todo livro é construído para mostrar como a cultura influencia as decisões e ações das pessoas.
- Só quando você for capaz de dizer 1) o tema do livro, 2) a tese central e 3) a estrutura do livro, poderá responder se vale a pena ler o livro ou não. Se você resolver desistir neste momento, já terá extraído algo dele. Sabe do que se trata.
- A questão que se coloca agora é sobre o aprofundamento. Devo ler o livro? Em todo ou parte? Com muita ou pouca atenção?
- Se quiser avançar um pouco mais, o leitor pode ler a introdução, identificando que problema o autor procurou responder. Geralmente, o autor vai explicar também da importância do tema e do problema, adiantando uma visão geral do livro e muitas vezes a conclusão que chegou. Em seguida, você pode pular o livro inteiro e ir direto para o capítulo final. Se bem escrito, terá a conclusão que o autor chegou, os problemas que enfrentou para responder a pergunta e, com sorte, as refutações ao próprio argumento central.
- Não se deve ter receio de ler o final do livro. Como dito, não se trata de um romance. Entender o problema, a solução, a importância e sua ligação com os problemas mais gerais é um excelente guia para a leitura completa do livro caso seja de interesse.
- Quer aprofundar ainda mais? Pode-se ler capítulos específicos, de interesse. Por exemplo, no livro Sagração da Primavera há um capítulo que trata das trincheiras. Um leitor interessado neste tipo de conflito, poderá ler apenas este capítulo para entender a psicologia dos soldados, a cultura que se formou, a “dança” que se estabeleceu entre ataques e contra-ataques, e etc. Já o capítulo que trata do impacto literário no pós guerra pode não interessar. Não há razão para ler o capítulo da literatura quando se está apenas interessado apenas no combate e vice-versa.
- Resumindo até aqui: o leitor fez uma leitura inspecional, leu introdução e conclusão e alguns capítulos. É mais do que a maioria dos livros merece. Neste ponto ele já pode falar do livro com desenvoltura e até mesmo discuti-lo. O que faltaria?
- Existem alguns livros que merecem uma leitura completa. É o ponto que o leitor não está interessado apenas em informação, ele quer formação. Ele quer conhecer o livro no detalhe, entender a estruturação do raciocínio, os argumentos, os exemplos. Quer ser capaz de um dia fazer algo semelhante. Ele sente que este livro tem o poder de transformar sua vida, de impactá-lo a ponto de mudar muitas de suas ideias. Neste ponto, fará o compromisso final com o livro e vai lê-lo por inteiro.
- Se o livro for difícil de entender por sua profundidade, poderá ser recomendável ler duas vezes. Uma primeira, rápida, sem parar, sem se preocupar com o que não está conseguindo entender. O objetivo é fazer uma primeira aproximação, se familiar com o material, ter a visão do todo para iniciar uma segunda leitura.
- A segunda leitura, depois de ter a noção do todo, será a mais cuidadosa de todas. É hora de anotar, pesquisar termos ou conceitos que não são familiares, identificar argumentos, exemplos, problemas, etc. Esta é a leitura que depende do grau de entendimento do material. Há parágrafos em livros como Metafísica, de Aristóteles, que pode exigir dias de meditação. Esta leitura deve levar o tempo que precisar.
- Qual o principal teste para saber se entendeu o livro? Ser capaz de elaborar em um parágrafo curto, com 2 ou 3 frases, uma descrição do livro. Não pode ser extensa. O grande teste do entendimento é a concisão. Se for capaz de elaborar este parágrafo, há grande chance de ter entendido o livro.
- Essas dicas referem-se a livros honestos e bem escritos. Infelizmente há uma enorme quantidade de livros que são muito mal escritos, de propósito ou por incompetência. Nestes livros será muito difícil identificar tema, problema, solução, argumentos, etc. Não se desespere; a culpa não é sua.
- Antes de criticar o livro, ou um capítulo, deve-se entender o argumento do autor em seus próprios termos. Durante a leitura, o leitor deve fazer uma suspensão de julgamento, procurando primeiro entender o que está lendo. Só depois de reproduzir o que o autor quis dizer, pode passar para a fase da crítica. Antes de dizer se o livro é bom ou ruim, verdadeiro ou falso, deve-se entender o que é o livro. Se o leitor encarar a tarefa de ler O Capital, deve entender a argumentação de Marx. O que ele dizia, porque ele dizia, as relações causais e etc. Depois de ser capaz de descrever a economia marxista é que o leitor pode avaliar se ela corresponde à sua percepção da realidade ou não. Se ele estiver preocupado em refutar Marx a cada linha, jamais vai entender o que está escrito.
- Concluindo, livro é como as pessoas que encontramos na vida. Algumas queremos apenas um contato breve, outras queremos amizade para toda vida. O grande teste da importância de um livro para você é quantas vezes você quer relê-lo. Há livros que você vai estabelecer uma relação para o resto da vida. Lembre-se que há um namoro envolvido, que muitas promessas podem não se cumprir, que decepções podem existir pelo caminho, mas há aqueles que farão tudo mais valer à pena.
- Por fim, não se preocupe se você não gosta de ler. Se conseguir criar o hábito, quando menos esperar terá se apaixonado. É uma jornada que vale a pena.
Sobre a vocação
Uma das grandes mentiras que nos ensinaram é que escolhemos nossa profissão por dinheiro ou por prazer.
Esqueceram de pelo menos mais uma opção: a vocação.
É um chamado que se coloca e nossa grande decisão é e aceitar ou não este chamado. Pode não nos dar dinheiro. Nem prazer.
É algo que você sente que tem que fazer. Que só você pode fazer.
Além disso, a vocação pode mudar ao longo da vida. Um novo chamado pode aparecer para te convidar a mudar tudo.
Nem sempre somos capazes de reconhecer o novo chamado.
E mais importante, nem sempre temos coragem de aceitá-lo.
Estou numa encruzilhada dessas.
Notas de Sexta: Cartagena, trivialidades, intelectuais e a última fronteira
Semana foi agitada e só deve piorar daqui por diante. Começam os preparativos para deixar Bogotá depois de um ano e mudar para o novo destino: Brasília.
Mas, vamos lá, 5 notas sobre a semana que passou!
A bela Cartagena
Um livro que terminei de reler _
Tremendas Trivialidades, do Chesterton. Trata-se de um livro que reune crônicas escritas por ele para o Dairy Mail. É um antídoto para os textos pomposos que encontramos hoje nos jornais, onde os colunistas tentam replicar a retórica pomposa dos intelectuais acadêmicos. A partir de acontecimentos simples do dia a dia, Chesterton nos conduz em caminhadas exploratórias sobre as teses que estão escondidas em diversos comportamentos e, principalmente, onde isso tudo vai nos levar. É um diagnóstico de uma sociedade que estava se tornando doente por ter abandonado o senso comum que nos deveria guiar. Livro para ler para o resto da vida.
Uma cidade que revisitei _
Cartagena das Índias, na Colômbia. Na entrada do Caribe, recebendo rios que vêm do interior do que antigamente era a Gran Colômbia, a cidade foi o principal porto comercial e militar da América espanhola. Arquitertura militar, civil e eclesiástica da época colonial e do início da República dão o tom da bela cidade amuralhada, o centro histórico de Cartagena, que ainda conserva boa parte da muralha que protegia a cidade.
Um capítulo que li _
O capítulo de conclusão de A Mente Imprudente, do Mark Lilla. Ele reflete sobre a responsabilidade dos intelectuais sobre os destinos de uma nação a partir da cumplicidade dos intelectuais de esquerda com os regimes totalitários. Não me interessei pelo miolo do livro e fiquei apenas na Introdução e Conclusão.
Um disco que restou revisitando _
The Final Frontier, do Iron Maiden. Não dei muita atenção na época. Um erro. O disco é muito bom e estou curtindo bastante.
Um pensamento que estou remoendo _
Quem tomar para si a tarefa de escrever a história intelectual honesta da Europa no século XX precisa de um estômago muito forte.
Mark Lilla
E você, o que andou fazendo? Gostaria imensamente de saber. Não se acanhe e deixe seu comentário!
Run to the Hills: memórias de Santarém
Como uma música do Iron Maiden me transporta aos meus tempos de Santarém, no Pará.
Notas sobre o artigo do Mark Lilla
Enquanto o tt do twitter discutiam uma treta no PSL, chamou-me mais atenção um artigo do Mark Lilla que trata de uma terceira via, à direita, na política francesa.
Li o artigo. Algumas notas:
- Lilla é um liberal (esquerdista). Ele pode estar à direita do liberalismo EUA, mas continua sendo um liberal.
- Significa que as idéias vem em primeiro lugar e, de certa forma, continua prisioneiro de suas categorias.
- Ele observa bem a existência de uma maioria católica silenciosa na França, que poderia ter eleito o tal Fillon, se este não tivesse se envolvido em corrupção. E mesmo assim, quase passou para o segundo turno.
- Ele considera que a posição de direita é o espantalho que o esquerdismo faz dela. Conservador nos costumes e liberal (sentido econômico) na economia. Nada de estado, anti-globalização, anti-imigração, anti-ambientalista, etc.
- Ele se surpreende que há uma nova direita surgindo na França que tem a mesma posição conservadora nos costumes, incluindo ser contra a UE, mas é contra o livre mercado, adotando posições quase marxistas (ou social-democrata).
- Esta direita seria pró-ambientalista, contra o capitalismo, a favor do Estado-nacional. Ele cita a encíclica de Francisco como sua referência.
- Lilla parece ignorar a doutrina social da Igreja, que sempre se distanciou tanto do capitalismo quanto do socialismo. Parece que ele é prisioneiro desta dicotomia, acreditando que só pode ser um ou outro, ignorando o que a Igreja afirma nos últimos cem anos, que socialismo e capitalismo tem raízes comuns, no individualismo do homem-exterior, como dizia Gustavo Corção.
- Que Bento XVI já tinha mostrado a posição da Igreja quanto ao meio ambiente em sua última encíclica, e que escreveu boa parte da encíclica de Francisco. Que conservar o meio ambiente é uma posição histórica da Igreja, o que não pode ser confundido como o alarmismo do aquecimento global.
- Lilla entende que a entrada desta direita no debate, através de jornais e criação de escolas é fazer Gramcismo. Acho que ele deveria estudar mais Gramsci.
- Há uma grande diferença entre ocupar cargos na Cultura para impedir o debate, demitir inconvenientes e obter uma hegemonia cultural e buscar um lugar para poder expressar idéias e participar do debate público. Acho que para Lilla, eu ter um blog na internet é praticar a estratégia do Gramsci. Se eu o entendi corretamente, tudo é Gramsci.
- Apesar de tudo, Lilla parece estar interessado em entender o pensamento conservador e ler seus autores de referência. Já é algo que 99,9% dos liberais se recusam a fazer. O problema é estar preso a suas próprias idéias, como achar que ter uma visão coerente que explica o mundo é algo que falta à direita tradicional quando é exatamente a estrutura da realidade. Não existe uma visão única que explique o mundo; esta é exatamente o erro que leva à ideologia.
- O mundo não se resume a uma disputa de ideologias. Há uma posição anti-ideológica, que se recusa a subordinar a realidade às idéias. Esse sempre tem que ser um ideal para quem busca a verdade, que muitas vezes é rotulado de direitista ou conservador para intelectuais como Lilla.
Em tempo: acho que entendo a admiração de certa @, do crítico que não sabe escrever, por ele. Lilla fornece as caixinhas que o crítico gosta para poder rotular tudo e poder afetar superioridade. Olavo já tinha criado uma definição para tipos como ele (e Lilla). A do intelectual gostosão.
Notas de Sexta: Pretty in Pink, Chesterton, Voegelin e uma playlist muito especial
E aí, o que andou rolando na semana?
Um filme que revi:
Pretty in Pink (1986). Disfarçado de comédia romântica, John Hughes nos apresenta um panorama da mediocridade do mundo e de como o desejo se apresenta nesta situação.
Uma playlist que revisitei
De tempos em tempos eu costumava “queimar” um CD com as músicas que eu mais escutava no momento. Estes CDs se tornaram meus diários musicais. Hoje, com o spotify, a coisa se tornou mais fácil. Conseguir resgatar minha playlist de 2001, quando morava em Santarém, no Pará. Buffalo Tom, Travis, Trapeze, Triumph, Mutantes e Warhorse foram os destaques naquele ano.
Um ensaio que li
Os Viageiros, do Chesterton. Está no livro Tremendas Trivialidades. Chesterton argumenta que o maior motivo para se viajar é retornar para casa. Só se pode chegar na Inglaterra, diz ele, se antes sair da Inglaterra. Parece estar falando sobre geografia? Não está.
Um conceito que revisitei.
Inspirado pelo chilique patético de nosso ministro do supremo, que mandou prender um passageiro do avião que ousou dizer que tinha vergonha do Supremo, retornei ao conceito de Estupidez Criminosa, que Eric Voegelin apresenta no livro Hitler e os Alemães.
Um pensamento
Ninguém está obrigado a participar da crise espiritual de uma sociedade. Ao contrário, todos estão obrigados a evitar a loucura e viver sua vida em ordem.
Eric Voegelin
O que Eric Voegelin teria a dizer sobre o chilique do Lewandoski?
No livro Hitler e os Alemães, em que analisa como o povo alemão aceitou ser governado por um tipo como o Fuher, o cientista político Eric Voegelin utiliza um símbolo criado pelo romancista Robert Musil: o estúpido.

Não se trata de um xingamento, longe disso; Voegelin sempre utilizava os termos em seus sentidos técnicos. Estúpido remonta à escolástica, do latim stultus, que Santo Tomás utilizava para se referir ao homem que é incapaz de aceitar a realidade.
Se voltarmos ainda mais, chegaremos no escravo por natureza, de Aristóteles.
Estúpido, portanto, significa não reconhecer a realidade. Há dois tipos, ensina Musil.
O estúpido honrado, que não aceita a realidade por desconhecê-la, como acontece com a maioria de nós.
E há o estúpido inteligente, que recusa a realidade por um ato consciente. O famoso “não quer aceitar a verdade”.
Voeglin acrescenta que o problema do estúpido é que sua estupidez gera consequências para os outros. Principalmente, se este estúpido for colocado em uma posição que jamais poderia ocupar, passando a ter condições de impor sua visão de mundo aos demais. Neste caso, temos o estúpido criminoso.
Em seu livro, Voegelin, analisa a degradação espiritual de parte significativa da sociedade alemã, que foi capaz de permitir que um estúpido criminoso como Hitler chegasse ao poder.
Ontem tivemos uma pequena amostra de um estúpido criminoso no poder.
Se quer saber um pouco mais sobre estupidez criminosa, tem este vídeo que gravei no youtube.