Cosi Fan Tutte: Elas são assim?

cosi-fan-tutte-1344848973-view-0Cosi Fan Tutte foi a penúltima ópera de Mozart, que morreria no ano seguinte. Seu argumento é simples: um velho solteirão, tido como filósofo, diz a dois amigos que as respectivas namoradas seriam capaz de trai-los em um dia. Eles duvidam; apostam. Don Alfonso faz as moças acreditarem que os namorados tiveram que se apresentar para a guerra e eles retornam disfarçados de dois nobres albaneses. Sob orientação de Don Alfonso, cada um tenta seduzir a namorada do outro, o que acaba acontecendo. Pior, elas, em um único dia, terminam casando-se, em cerimônia falsa, com os dois pretendentes. No fim, revela-se a farsa e o filósofo prova que estava certo: todas as mulheres são assim. Todos se perdoam e retornam aos relacionamentos originais.

Como seria recebida está ópera nos dias de hoje? Talvez fosse mais rejeitada do que em 1790 (ficou esquecida por quase dois séculos, até ser resgatada por Richard Strauss). Afinal, vivemos uma época de alta sensibilidade e a mera sugestão de que todas as mulheres são infiéis e cometerão traição seria suficiente para uma daquelas campanhas de boicote, com abaixo assinado e etc. Mozart se transformaria rapidamente em um machista e fascista.

O que Mozart queria realmente mostrar com a ópera? Eu ainda não sei, mas acho que dois idiotas que apostam na virtude das próprias namoradas e as submetem a um jogo de sedução merecem o chifre que tomaram.

Não sei se as mulheres são assim, mas desde sempre se ensinou que excesso da auto confiança é um caminho para o desastre.

 

Don Alfonso
And I swear by this world,
My friends, I’m not jesting;
I’d only like to know
What kind of creatures
Are these beauties of yours,
if they’re flesh and blood and bone like us,
If they eat like us, and wear skirts,
If, in fact, they’re goddesses or women …

Ferrando and Guglielmo
They’re women,
but the like of them …

Don Alfonso
And in woman you expect
To find fidelity?
How I love such simplicity!

Notas de Sexta: Guerra Civil, Camões, Brasil e o Tempo Perdido

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Uma música que estou obcecado

Time Stand Still, do Rush. Quando escutava essa música no início dos anos 90, sentiam-me incomodado com o refrão, especialmente pelo teclado. Ainda bem que isso é passado e hoje considero-a uma das melhores músicas da banda. Nunca tinha reparado na maravilhosa letra do Peart, tratando do tempo que não volta mais, que perdemos por não estarmos prestando atenção (um tema que muito me fascina).

Um livro que terminei

Por que o Brasil é um País Atrasado?, do Príncipe Luiz Philippe de Orleáns e Bragança. Uma aula sobre a estrutura política do Brasil.

Um Filme que assisti

Capitão América, Guerra Civil. Um daqueles filmes que o vilão consegue tudo que desejava. E como o ódio e o desejo de vingança destrói a alma.

Um poema

Redondilhas de Babel e Sião, do Camões. Sensacional como coloca a tradição e a modernidade em imagens tão impressionantes e reais.

Uns versos

“Eu vi que todos os danos

Se causavam das mudanças,

e as mudanças dos anos;”

(Camões)

 

Bonus: Assisti também a ópera Cosi Fan Tutte. Se o Mozart se atrevesse a lançar esta ópera nos dias de hoje, seria trucidado pelas pessoas que só desejam o bem da humanidade.

Educação Moral e Cívica?

Fui aluno de EMC na escola, lá nos longínquos anos 80. Sinceramente? Sempre achei uma matéria chata, pedante e sem sentido. Não acho que tenha me contribuído em nada; só roubou tempo que eu poderia estar dedicando a coisas mais importantes, como jogar bolinha de gude ou lendo Agatha Christie.

Já disse que concordo com a maioria das idéias do Bolsonaro, e discordo em algumas menos importantes. Esta é uma delas. Sou bem chestertoniano nesse aspecto de misturar escola com moral; tenho calafrios. Acho que lugar de ensinamento moral é em casa e na Igreja. A escola já ajudaria muito se não atrapalhasse.

Sim, aprendi algumas coisas sobre símbolos nacionais, mas é muito pouco para justificar uma disciplina. Acho sim que a escola pode participar do ensinamento do civismo, mas basta inserir nas aulas de história, português. Não vejo símbolo mais poderoso para uma nação do que a língua, e olhe como é maltratada, especialmente pelas escolas.

A maioria dos meus amigos são a favor da EMC nas escolas, como nos “nossos tempos”. Pois em favor dos “nossos tempos” me permito discordar. Se estamos falando de desagregação moral, precisamos de uma mudança de cultura, e isso é muito mais complicado. EMC com a cultura que temos? Acho que só piora. Afinal, a maioria de nossos professores acredita que é perfeitamente moral assassinar uma criança no ventre da mãe e que não é nada demais ter um presidiário governando um país. Vou dar mais palco para essa gente?

Precisamos de uma mudança de cultura, e de um resgate de coisas preciosas que perdemos, não tudo, pois não sou reacionário. Como dizia Chesterton, é uma falácia dizer que não se pode recuar os ponteiros do relógio. Podemos sim, é equipamento mecânico, criado por nós. Qualquer criança que já brincou com um relógio cuco já o fez, para ver o cuco cantar novamente. Podemos e devemos resgatar coisas perdidas ou esquecidas que foram preciosas para a humanidade.

Eu preferia voltar ao latim do que EMC. Ou uma disciplina voltada exclusivamente para a lógica. Ou jogar bolinha de gude no recreio. Nosso desafio maior hoje é ensinar nossas crianças a entender um texto; só isso já seria mais importante para uma educação moral do que tentar ensiná-la diretamente.

Precisamos de uma mudança cultural, que tem que começar, necessariamente pela alta cultura. Enquanto chamarmos Karnal ou Cortela de filósofos, estamos perdidos. Enquanto dermos palco para uma Marilena Chauí, nada avançaremos. Precisamos de filósofos, historiadores, escritores, pintores, artistas de primeira; coisa que quase não temos.

Precisamos entender que cultura não é show business, como dizia Bruno Tolentino (um poeta que pouco brasileiro tem condições de entender). Cultura é a forma de viver de um povo. Há mais cultura em uma cantiga de roda do que na maioria das peças teatrais encenadas no Brasil. Há mais cultura em uma pequena biblioteca escolar do que em toda TV Cultura.

A mudança efetiva do Brasil começa pelo resgate da alta cultura, não com vitória em eleições. A alta cultura é necessária para termos a cultura popular e vice-versa. Ambas se alimentam.

Precisamos da vitória do Bolsonaro hoje não para resolver os problemas mais profundos do país, mas para estancar a hemorragia. Dar uma parada na degradação cultural e moral que temos há pelo menos 50 anos. Segurar as pontas para ganharmos tempo.

Bolsonaro é um remédio para enfrentar os sintomas.

A doença só se curará com a produção de uma geração de pensadores comprometidos com a realidade e capazes de iniciar um processo de resgate cultural e moral do país.

E isso, só uma pessoa no Brasil, fala. Para muitos, um extremista radical. Em certo sentido, ele é. Pois sua tese é radical no sentido de sua profundidade. Ela realmente é uma proposta de mudança real.

E tudo que vejo me aponta que ele tem razão.

Time Stand Still – Rush

Eu ando meio obcecado pela música Time Stand Still, do Rush. Lançada em 1987, do disco Hold Your Fire, um dos que mais dividiram opinião nos fãs da banda.

A música faz uma crítica à rapidez da modernidade, que faz com que não tenhamos tempo para contemplar e aproveitar o presente. Quando percebemos, o tempo passou e temos saudades de um passado que não aproveitamos como deveria. É o mesmo tema da peça Our Town, do Thorton Wilder (livro que mais me impressionou este ano).

Fiquem com a letra da música e façamos todos um esforço de valorizar o que temos no presente; não é garantido que o teremos no futuro.

Time Stand Still

Rush

I turn my back to the wind

To catch my breath,

Before I start off again

Driven on,

Without a moment to spend

To pass an evening

With a drink and a friend

I let my skin get too thin

I’d like to pause,

No matter what I pretend

Like some pilgrim

Who learns to transcend

Learns to live

As if each step was the end

Time stand still

I’m not looking back

But I want to look around me now

Time stands still

See more of the people

And the places that surround me now

Time stands still

Freeze this moment

A little bit longer

Make each sensation

A little bit stronger

Experience slips away

Experience slips away

Time stands still

I turn my face to the sun

Close my eyes,

Let my defenses down

All those wounds

That I can’t get unwound

I let my past go too fast

No time to pause

If I…

Notas de sexta: Falstaff, Presto, Camões e o Brasil no divã

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Falstaff e seu pagem (Shcrodler)

 

Um disco

Esta semana escutei bem Presto (1989), 13º disco do Rush. Depois de quase uma década fazendo pop anos 80, com a melhor qualidade, a banda toma novo direcionamento a partir do Preto, com uma pegada mais para o hard rock. A guitarra do Alex Liefson ganha peso e os teclados vão perdendo lugar.

Uma peça que li

Henrique IV, Parte 2. Impressionante o que Shakespeare faz aqui. Um príncipe irresponsável, que vive em más companhias, cometendo até pequenos crimes, resolve assumir sua responsabilidade como herdeiro e novo rei. A transição da influência de Falstaff (o caos) para o Lorde Juiz (a ordem), da juventude para a vida adulta. Falstaff é sem dúvida uma das grandes criações do bardo.

Youtube

Ontem assisti uma série de três vídeos do Professor Rodrigo Gurgel sobre leitura e declamação de poesias. O roteiro de interpretação que ele apresenta no vídeo 2 é o diamante da série.

Um livro que estou lendo

Por que o Brasil é um país Atrasado?, do Luiz Philippe de Orleáns e Bragança. Recomendo a todos. Uma aula sobre instituições e estrutura de poder no Brasil. E a constatação do tamanho do nosso desafio.

Versos

“Eu vi que todos os danos

Se causavam das mudanças,

E as mudanças dos anos;”

Camões, Redondilhas de Babel e Sião

Notas sobre Henrique IV – Parte 2

Terminei ontem de ler Henrique IV, parte 2. Algumas notas:

  1. Juntamente com a parte I, a peça trata da transição do Príncipe Hal, que vive cercado de má influências, a começar por seu tutor Falstaff, em um dos grandes reis da Inglaterra, o famoso Henrique V.
  2. A parte 2 vai concluir esta jornada. Hal vai substituir como figura paternal o anárquico Falstaff pelo ponderado lorde juiz, um dos principais conselheiros de seu pai.
  3. Trata-se de uma aceitação de seu destino, que Hal vê claramente como um fardo que terá que carregar (a cena com a coroa é marcante).
  4. Muitos acham que ser de uma família real é ser um privilegiado. Hal comete todas as loucuras da juventude justamente porque sabe que um dia chegará ao fim e terá que viver um papel para o resto de sua vida. O próprio Henrique IV, em seu leito de morte, confessa ao filho que não foi feliz com a coroa.
  5. Henrique IV tornou-se rei de forma ilegítima. Por isso teve que lutar a vida inteira para manter a coroa e se desgastou até a morte.
  6. Quem trai um, trai outro.
  7. Falstaff é uma figura dionísica. Anárquico, com uma lei moral própria, mestre das trapaças, mas ao mesmo tempo generoso e capaz de realmente ter afeto. Em contraste, o Lorde Juiz é uma figura apolínia. Correto e ponderado, chegou a prender o príncipe Hal por desordem. Fiel a princípios, não muda de atitude com o novo rei. O predomínio do impulso dionísico faz parte da juventude, mas o homem maduro necessita de Apolo, ainda mais se tiver grandes responsabilidades.
  8. O afastamento, no fim, de Falstaffé necessário, mas nem por isso menos tocante.
  9. O Príncipe João é uma deformação do apolínio. Se o Lorde Juiz tem a reta razão como guia, João tem sua própria fonte de moral, como demonstra a forma como lidou com a rebelião. Eficiente e pragmático, evitou uma guerra, mas não se pode dizer que foi honesto.
  10. Henrique IV passou os últimos anos querendo conquistar Jerusalém sem saber que já a tinha em seu próprio palácio.
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Falstaff e o Lorde Juiz: Dionísio e Apolo

O Titanic

O Titanic fez sua viagem inaugural sob festa. Era uma das grandes realizações humanas, o maior transatlântico já construído; a prova que o homem estava superando a natureza por força da razão e do seu engenho. Parecia indestrutível em sua forma colossal.

Uma das cenas que não esqueço do filme do Cameron foi após a colisão com o iceberg. A maioria das pessoas não sentiram. O navio prosseguia normalmente em aparente normalidade. O engenheiro chefe avaliou o estrago e constatou: o navio vai afundar.

O capitão e dono do navio ficaram pasmos. Como iria afundar? Estava navegando normalmente, o choque nem tinha sido tão forte!

Este Titanic é um símbolo perfeito para muitas coisas construídas pelo homem que parecem indestrutíveis. No fundo, a política da fé, como dizia Oakeshott, a crença que o homem e a sociedade podem se tornar perfeitas pela ação política. É uma crença que une socialistas, globalistas, progressistas, politicamente corretos, todos reunidos em um projeto de sociedade controlada pelo estado, que por sua vez é submisso a forças globais. O estado do bem estar social.

Pois este Titanic atingiu o iceberg. Parece que o projeto continua forte e indestrutível, e o baile continua, com muitas festa e champagne. Mas as comportas estão enchendo e logo o afundamento se tornará visível, e ganhará velocidade.

As forças da apostasia perderam. Em toda mitologia sempre houve uma constante: o homem não pode derrotar os deuses.

A ilusão da política da fé já gerou mal demais. Deus resolveu dar um basta.

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A superioridade das coisas invisíveis sobre a matéria

Quiet rebellion leads to open war

(Red Tide, Rush)

Dois de meus ensaios favoritos do maravilhoso livro Tremendas Trivialidades, do Chesterton, trata da relação do espírito com a matéria, ou do invisível com o visível.

Em “O Vento e as Árvores” ele faz uma interessante analogia. Uma criança pequena ao avistar os galhos de uma árvore balançando freneticamente em um vendaval pede ao narrador que faça elas pararem. Na cabeça do pequeno, eram as árvores que abanavam gerando o vento.

O homem moderno é como esta criança, que ao ver os galhos (a matéria) acredita que ela gera o vento (o espírito). A revolução francesa não foi a causa dos pensamentos revolucionários, mas o contrário. Antes da revolução, existe a filosofia e o pensamento. Ninguém jamais viu uma revolução, diz Chesterton, apenas seu final.

O invisível é a teologia, a filosofia, o pensamento. A matéria são as civilizações e as cidades. Tudo que conseguimos enxergar são os últimos e por isso achamos que são os mais importantes, que tudo explicam.

No segundo ensaio, “O Mundo às avessas”, Chesterton aprofunda o tema e chama atenção para a inversão que a humanidade faz, colocando a matéria como critério para o espírito. Assim, discute-se se dois empregados de um loja deveriam casar-se, ou seja, se o casamento dos empregados é conveniente para os negócios, quando o certo seria discutir se a loja é um local adequado para um casal trabalhar. Afinal, o casamento é uma das coisas espirituais da vida; os negócios, não.

Muitos cientistas sociais cometem este erro. Consideram a materialidade como explicação e causa de tudo. Daí o erro fundamental do marxismo, por exemplo. O homem não é governado pela economia, mas criador desta.

Mas o contraste preto-e-branco entre o visível e invisível, o sentido profundo de que a única crença essencial é a crença no invisível em oposição ao visível, reapareceu súbita e sensacionalmente na minha mente.