As redes sociais e a radicalização

Os algoritmos utilizados nas redes sociais estão contribuindo para radicalização das pessoas. Cada vez mais estamos sendo separados em bolhas de ressonância, em que os conteúdos disponíveis na rede são separados baseados nas nossas preferências e gostos. O resultado é que falamos cada vez mais com aquelas pessoas que pensam da mesma forma que nós e o contraditório se torna cada vez mais raro. Na prática, esses algoritmos estão impedindo que as pessoas que possuem visões de mundo diferentes uma das outras possam interagir e buscar se entenderem. O resultado só pode ser a radicalização do discurso pois as pessoas tornam-se cada vez mais convictas de que estão do lado certo, que conhecem a verdade.

É fácil perceber isso. Uma segmentação que as redes sociais não vão conseguir fazer é da família, cuja ligação não se dá por afinidade de pensamento e sim por laços sanguíneos. Dessa forma, interagimos com os nossos parentes independente de nossas concordâncias e visões pessoais. Tenho reparado muitos amigos comentando um fenômeno semelhante de discussão política com seus familiares. Eles não conseguem compreender como aquele irmão, primo ou tio consegue estar tão errado em algo que parece ser tão claro. Será que ele não está lendo, não está vendo o que está acontecendo? Está tudo tão óbvio!

Essa é a grande questão da bolha de ressonância. Nossos parentes não estão tendo acesso às mesmas informações e as mesmas opiniões que nós estamos. Essa é uma obra dos algoritmos das redes sociais e da própria internet, que quer nos disponibilizar conteúdo que gostamos, aquilo que curtimos, aquilo que mostramos ser o mais interessante para nós. Aquele parente que pensa radicalmente diferente de você está numa bolha diferente da sua. Vocês não seguem o mesmo jornalista, o mesmo pensador, mesmo influenciador, os mesmos jornais, as mesmas matérias, os mesmos artigos, os mesmos ensaios. O mundo de vocês é cada vez mais diferente e desconectados.

Portanto, as redes sociais, através seus algoritmos, estão contribuindo para nos afastar cada vez mais e tornar nossas posições mais radicais. Esse radicalismo é em grande parte fruto da percepção de que a nossa verdade está tão clara, tão óbvia, que não é possível que a outra pessoa não pense igual a gente. Isso se dá justamente pela nossa incapacidade de ver o outro lado, até porque estamos cada vez mais isolados, sem ter oportunidade de entender a visão de mundo daqueles que não concordo com a gente. É com os parentes, ou colegas de trabalho, aqueles que convivemos por uma força maior do que afinidade, que esses mundos acabam se colidindo. O resultado é o radicalismo, a incompreensão, e até a agressão. Não sei bem qual é a saída para tudo isso, visto que não há menor sinal que os algoritmos mudarão, tendo em vista que o grande produto das redes sociais e da internet é justamente a segmentação de seus usuários para permitir a comercialização de produtos e serviços. Vivemos a era da fragmentação e essa era se reflete nas redes sociais através da segmentação do público pelo que temos em comum. O grande problema é a segmentação em torno de ideias, o que sempre foi, e sempre será, uma grande fonte de radicalismo.

Afinal, Hitler era de direita ou de esquerda?

Uma grande bobagem. Na verdade, a maioria das pessoas está discutindo lugares comuns, tomando as coisas pelo sentimento que despertam e não por sua substância. Há mais coisas entre o céu e a terra do que direita e esquerda!

Hitler se tornou uma espécie de símbolo do mal absoluto e por isso ninguém quer ser associado a ele e o nazismo. Além disso, querem associar seus adversários ideológicos a este mal para afetar superioridade moral. Essa divisão  da humanidade entre duas categorias absolutas é uma das simplificações mais grosseiras que já fizeram. Deveríamos usar menos tempo em nos definirmos por rótulos do que em pensar realmente sobre as coisas que acreditamos.

Podemos sim dizer que há duas atitudes humanas básicas: conservar e mudar. Em si elas não são boas ou más, dependem do que estamos tratando. Temos que conservar o que é bom e mudar o que não é. Parece simples, mas a dificuldade está justamente em saber o que funciona e o que não funciona. Uma pessoa sadia terá, ao mesmo tempo, os dois impulsos. Será conservadora em alguns aspectos e renovadora em outros. Vai acertar ou errar constantemente, mas tentando fazer o certo.

O problema é que existem muitas pessoas que não conseguem conviver com a tensão entre os dois impulsos e terminam querendo conservar tudo ou mudar tudo, independente do mérito. A ideologia é um pouco disso.

Hitler não queria conservar as tradições e a cultura alemã. Queria mudá-la radicalmente, queria fazer o homem novo alemão. Assim como queria Stalin e Lenin na Rússia. Eram, acima de tudo, revolucionários. Uma coisa eu existe em comum entre eles era o desejo de estabelecer uma nova sociedade a partir de um poder central representado por eles mesmos. Eram totalitários não porque queriam impor a vontade deles à força, mas porque queriam que as pessoas pensassem como eles. Há uma diferença entre totalitarismo e autoritarismo. A fato deles terem tido as duas coisas ao mesmo tempo acaba por confundir. É perfeitamente possível ser totalitário sem ser autoritário e vice-versa, mas essa é outra discussão.

Hitler era de esquerda? Bem, uma coisa ele realmente era, um socialista. Também era nacionalista, aliás, como Stalin. Trotsky, por outro lado, era socialista e não era nacionalista. Mas nada disso importa se o que está em jogo é rotular uns aos outros. Não querem saber, de fato, o que era Hitler e sim usá-lo como ofensa para pessoas ou grupos discordantes. Isso é uma atitude totalitária. A coisa mais prudente a fazer nessa discussão ridícula é se manter afastado pois, no fundo, trata-se de uma disputa de força ideológica. Uma grande bobagem.

O curso do Olavo de Carvalho

 

Pelo menos em tese, mais importante que um curso em si é o aprendizado. Todas as técnicas, formalidades, meios, perdem importância se pensarmos que o grande objetivo da educação é aprender algo. Isso é ainda mais significativo se pensarmos na filosofia, talvez a mãe de todas as disciplinas. No entanto, no nosso mundo moderno, a universidade se tornou tão especializada, e burocratizada, que essa equação se inverteu. As universidades não são mais conhecidas pelo que de fato ensinam e formam, mas por toda estrutura e rituais que utilizam para formarem seus al20151116-olavo-de-carvalhounos. O principal produto de uma universidade é, ou deveria ser, o seu formando. Quanto melhor for este produto, mais eficiente e melhor será essa  universidade. No entanto, temos pouquíssimos exemplos práticos, considerando que existam, de como medir a qualidade desse produto.

O filósofo brasileiro Olavo de Carvalho tem um curso de filosofia. Outro dia, um de seus críticos escreveu que se tratava de um esquema. Disse ele que o curso não dava diploma, era inteiramente feito por internet, não tinha prazo para conclusão e nem qualquer registo de currículo. À luz da Universidade Moderna sem dúvida uma excrescência, pois o curso do Olavo ignora todos os dogmas mencionados no primeiro parágrafo. Ele é o primeiro a dizer que a única forma de aprender a filosofar é ver um filósofo atuando. Foi assim com alguns dos maiores filósofos da história como Aristóteles, Platão, São Tomás de Aquino fizeram. Sem acompanhar um filósofo de verdade, o trabalho é muito mais complexo, pois partirá da absorção dos livros escritos por esses filósofos e um bom trabalho de imaginação para tentar reconstituir os passos que esses filósofos fizeram para produzir essas obras.

No entanto, se pegarmos o currículo de qualquer curso universitário de filosofia, praticamente só se estuda a história da filosofia e questões abstratas, ou seja, a filosofia pronta de diversos filósofos. No máximo, defende Olavo, chega-se a ter algum rudimento de cultura filosófica, o que é muito diferente de aprender realmente a filosofar. Não passa pela cabeça daquele crítico que o aluno do Olavo de Carvalho não esteja interessado em um diploma ou seguir um currículo, coisa que pode fazer muito bem nas melhores universidades brasileiras; não é tão difícil entrar para um curso de filosofia de uma universidade pública. Mas o aluno do Olavo está interessado em algo diferente, está interessado em aprender. Portanto, dizer que o curso de Olavo de Carvalho não atende aos cânones de universidade é algo que o próprio concordaria integralmente. Olavo é muito claro ao dizer que o seu curso não só não dará um diploma como não será aceito por nenhuma instituição brasileira. Portanto, para dizer seu curso é bom, a única forma é analisar o seu resultado, ou seja, o que seus alunos andam fazendo.

Poucos sabem que alguns dos seus mais aplicados alunos estão ocupando espaços na combalida vida intelectual deste país. Seja escrevendo em blogs ou livros, proferindo palestras ou cursos, alguns nomes passam a ser conhecidos no debate, tendo como reconhecidas suas capacidades de expressão oral e escrita, clareza de pensamento e, sobretudo, pelo acerto das suas previsões quando comparadas com a mídia tradicional. Esses alunos têm demonstrado uma capacidade de análise e entendimento da realidade que superam os tradicionais formadores de opinião. Não vou dizer seus nomes para manter um certo suspense e evitar os estereótipos, mas comecem a reparar a quantidade de livros bem fundamentados, com ampla pesquisa histórica, apoiados em uma filosofia clássica e numa continuidade com que melhor temos em nossa tradição.

Além disso, uma quantidade até algum tempo impensável de livros de autores até pouco tempo praticamente desconhecidos passaram a circular por diversas editoras. Esses autores passaram a ser conhecidos no país a partir de aulas e palestras proferidas pelo professor Olavo, embora alguns editores vão negar até a morte que a dica que receberam partiu dessa figura tão marginalizado da vida intelectual brasileira. O formador de opinião pública, também conhecido como intelectual porém idiota (IYI), vai se referir ao Olavo de Carvalho em tom pejorativo, ridicularizando-o, como uma espécie de guru que comanda uma seita a partir de uma pequena cidade do leste dos Estados Unidos. O que não vai conseguir explicar é como esse mesmo guru conseguiu formar uma geração de escritores e palestrantes que tratam com crescente intimidade nomes como os de Voegelin, Louis Lavelle, Roger Scrutton, Padre Sertillanges, Mortimer Adler, Northrop Frye e tantos outros. Também não vai conseguir explicar como seus alunos conseguem escrever livros tão bons e superar a retórica vazia e cansativa dos melhores professores universitários brasileiros. Nesse aspecto, Olavo de Carvalho é realmente um fenômeno.

Sim, o curso de Olavo não atende o rigoroso padrão estabelecido pelas universidades modernas. Pode-se até dizer mais, que ele é tudo aquilo que o seu professor universitário vai dizer que não é científico e nem rigoroso.  No entanto, paradoxalmente, ele vai trazer resultados muito superiores ao que uma universidade tradicional, mesmo das melhores, é capaz de fazer. Pelo menos seus alunos aprendem logo de cara que não devem criticar o que não conhecem profundamente; já o intelectual porém idiota vai se dar o trabalho de escrever artigo ridicularizando um curso  que não conhece, não sabe como funciona e nem quer saber. Esse intelectual provavelmente é dono de um respeitável currículo universitário, mas não tem  inteligência para entender que está dando razão ao Olavo de Carvalho.  Já estão sendo superados não pelo Olavo, mas por seus alunos, e nem entenderam ainda o que só começou a acontecer. 

Sobre intelectuais direitistas, liberais e conservadores

Depois de décadas de domínio completo das esquerdas, finalmente abriu-se espaço para que intelectuais não-esquerdistas possam ocupar o debate de idéias neste país. Como deveria ser esperado, tem de tudo, inclusive muita gente sem preparo suficiente para tal empreitada. O espaço foi aberto, na base do facão, por aquele que boa parte dos beneficiados de hoje gostam de ridicularizar. Mas essa é outra estória. O fato é que hoje existe espaço para intelectuais independentes dos dogmas esquerdistas poderem expor e defender outras idéias.

O problema é que muitos desses nomes estão se comportando como meninos e meninas mimados. Não admitem serem contrariados e se comportam como donos da verdade. Até ai, nada de novo em relação ao que a esquerda já fazia. O problema é a pessoa fazer isso em nome do conservadorismo, pois está na essência do pensamento conservador a dialética de Platão e Aristóteles, que não deve ser confundida com a dialética hegeliana/marxista. Enquanto os alemães entenderam a dialética como uma praxis, uma marcha histórica, os antigos a entendiam como método de investigação. É preciso confrontar idéias para que a verdade termine sendo revelada. Basta ler Chesterton _ já que somos incapazes de ler São Tomás de Aquino. Era impressionante como o genial pensador inglês era capaz de resumir as teses que não concordava melhor do que seus defensores, de forma até carinhosa, para poder questionar seus pressupostos e consequências, mostrando onde estavam os erros. Não por acaso, seus maiores adversários intelectuais eram seus amigos.

Fico triste de ver gente boa caindo nas armadilhas do próprio ego. Esta semana temos o espetáculo deprimente do Carlos Andreazza, que tem feito um trabalho excepcional na Record, com os Bolsonaros. Não dá nem para dizer quem tem razão porque a coisa tomou a dimensão de discussão de meninos no colégio de ginásio. Para piorar, o editor agora está batendo boca com leitor de twitter. “Ah, mas ele está mostrando a virulência do seguidor do Bolsonaro!”. Não diga? Em qualquer área de comentários, sobre qualquer assunto, vamos encontrar boçalidades. Pinçar um ou dois idiotas como exemplo não é coisa que se faça. Querer generalizar a partir de alguns exemplos e tratar todos que discordam como se fossem iguais e, no limite, responsabilizar o adversário pelo comportamento de meia dúzia de imbecis é indigno de um bom pensador. Foi o mesmo padrão da discussão alguns meses atrás entre a Madame Brazyl e o Bené Barbosa.

É possível ser diferente? Alexandre Borges mostrou que sim. Diante de ataques gratuitos por um dos Bolsonaros, por ter ido a um evento com João Dória, fez o correto; ignorou solenemente a situação. Não dá para ser um intelectual sério, querer ser respeitado, entrando em qualquer discussão. O Alexandre não foge ao bom debate, mas para isso é preciso ter algo para debater. Ficar chamando um ao outro de feio só depõe contra quem participa desse tipo de confronto gratuito _ não dá nem para chamar de discussão.

No caso Andreazza e Bolsonaros, a coisa começou, até onde sei, por ataques no twitter pelo voto dos Bolsonaros pela admissão do processo contra Temer. Andreazza poderia ter analisado o cálculo político do voto do clã, mostrado que tratava-se de um voto mirando 2018, ou mesmo pedindo explicações. Ao invés disso, preferiu partir para ridicularizações e associação com o petismo. Ficou feio, pois ficou parecendo coisa de histérico. Em uma discussão, perder o tom é fatal.

Uma pena que esse tipo de comportamento esteja se alastrando pela rede. Quero crer que trata-se apenas de um primeiro momento, fruto da inexperiência de poder, enfim, defender publicamente idéias diferentes da vulgata marxista. Enquanto isso, se fosse amigo dos envolvidos, que inclusive admiro, aconselharia a ler “Hereges”, do Chesterton. É quase um manual didático de como desmistificar mentiras que aparentam ser verdades. Evita muita discussão inútil e formação gratuita de inimizades.