Existem várias formas de interpretar uma obra de arte. Infelizmente a universidade escolheu a pior forma delas, o desconstrutivismo, uma criação da Escola de Frankfurt que tem por objetivo oculto impedir o apreciador de se conectar com o significado da obra, fazendo-o se perder em fragmentos, gerando um formalismo estéril. Para piorar, esse fetiche acadêmico extrapolou para a crítica brasileira, que hoje se resume a bajulação dos que possuem a agenda considerada correta.
Há outra forma de interpretar, que busca resolver o mistério através do autor da obra. Cartas, entrevistas, o que importa é o que o autor quiz dizer e não uma interpretação pessoal de quem analisa. O grande problema é que muitas vezes o autor quer fazer uma coisa e faz outra. Um grande exemplo é o filme Tropa de Elite. José Padilha pretendeu fazer uma crítica à polícia, tendo o Capitão Nascimento como o grande vilão, e acabou realizando uma ode ao BOPE e transformou seu vilão em herói. Depois tratou de concertar a bobagem fazendo o politicamente correto Tropa II, que jogou o heroísmo para o Marcelo Freixo, quer dizer, o tal Fraga. Coisa de covarde que paga pedágio.
Existe um ensaio magistral de Eric Voegelin sobre a novela A Outra Volta do Parafuso, de Henry James, em que explica que a intenção do autor é secundária na interpretação de uma obra. Se o autor não está de acordo com o que a obra nos fala, azar o dele. O ensaio é uma senhora aula de interpretação, mostrando todas as camadas da novela e desnudando seus símbolos. Até que ponto James estava consciente do que estava fazendo é tema de interpretação, o importante é o que efetivamente realizou.
Um outro exemplo é do Bispo Robert Barron, um religioso católico que dialoga com a cultura popular em busca da presença de Deus em diversas manifestações artísticas como filmes e livros. Analisando a obra de Bob Dylan, por exemplo, ele diz que podemos apreciá-la como manifesto político, crítica social, mas defende que a mais consistente é a espiritual. Para Barron, a Bíblia é a melhor referência para entender Dylan, como exemplificam os dois casos a seguir.
Em Blowning in the Wind, o que temos? Um narrador fazendo as perguntas fundamentais da vida: quem sou? Para onde vou? O que nos torna o que somos? *And the answer my friend, is blowing in the wind*. Que vento é esse? Os ventos da mudança, da revolta política? Não, explica Barron. Na Bíblia o vento simboliza o Espírito Santo, a nossa condição espiritual, o sopro criador de Deus. A resposta não está na matéria ou na política. Está no espírito. Está em Deus.
Outro exemplo é Like a Rolling Stone. À primeira vista parece a estória de alguém que tinha muito e perdeu tudo, lamentando-se de sua má sorte. Mas se lembrarmos que a tradição cristã ensina que o poder, a riqueza, a fama, tendem a nos afastar de Deus, perder tudo pode ser uma benção. Podemos escutar Deus falando com o protagonista: como você se sente em perder tudo e ser realmente livre? Como uma pedra que rola.
Estará certo o Bispo? Não importa. O que importa, e nisso concordariam Voegelin e Barron, é o que a obra fala para você. Os críticos apresentam visões que podem te ajudar, mas no fim você sempre vai tirar algo de muito pessoal da arte, e por isso ela pode ser tão rica.
Infelizmente a destruição cultural foi tão grande no Brasil que existem pouquíssimos críticos com essa capacidade. As boas novidades estão surgindo longe da caquética mídia tradicional: na internet, nas redes sociais. É de lá que virá o saneamento do lixo cultural que a universidade criou e o fim da venda imbecilizante que ela nos colocou.
texto certeiro, Marcos. Foi crucial para apaziguar algumas inquietações minhas. Eu tenho feito algumas reflexões sobre a cultura, coisas que aprecio, e tentando enxergar os significados que elas transmitem, precisamente, no que se refere os atributos do Eterno, os valores das coisas perenes. É bom ler uma ponderação como esta tua, alertando sobre a correta forma de enxergar uma obrar, perscrutando o seu valor em si – sem se perder em pecuinhas circunstanciais. Por isso, Marcos, sem querer ser impetulante/atrevido, tu poderia migrar parte de teu conteúdo ao https://medium.com/, uma plataforma que lhe daria suporte para o estilo de seus textos/reflexões, que, invariavelmente, preza muito por pinturas, música, literatura, cinema. É possível até transferir as publicações do teu blog pra lá, mantendo-o ativo e com fluxo de visitas. Forte abraço!