A tragédia da Chapecoense

A tragédia da Chapecoense

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Sei que o título do post não é o melhor; haviam mais pessoas a bordo, como os 20 jornalistas que iam cobrir o grande jogo da Chapecoense com o Atlético Nacional. Mas é a partir da Chapecoense que essa tragédia entrou para nossa história. Não só pelo acidente em si, mas pelas condições que o cercaram. Era o primeiro grande título a ser decidido pela equipe catarinense, que nasceu no mesmo ano que eu. Uma versão futebolística da Cinderela, o time que veio de baixo para conquistar um título continental. E no momento de maior triunfo, veio o destino e ceifou praticamente todo time. Uma triste tragédia, que chocou o país.

É difícil entender essas grandes tragédias; pelo menos o seu sentido. As grandes religiões, o cristianismo em particular, tem que lidar com essa incômoda questão: como pode um Deus soberanamente perfeito e bom permitir tamanho sofrimento? Há respostas, mas não cabem aqui. O fato é que acontecimentos como estes nos deixam de coração pequeno, comovidos com o sofrimento das famílias, colegas e amigos. Somos ligados  pela humanidade e por isso sentimos um pouco essa dor. Essa capacidade para a empatia é uma das características que nos faz humanos.

As manifestações do clube colombiano foram de cortar o coração. Ofereceram o título à Chapecoense, convocou seus torcedores para, de branco, irem para o estádio rezar pelo adversário que não poderá comparecer à disputa. Os times brasileiros também surpreenderam e divulgaram uma nota conjunta prometendo ajudar o clube com jogadores e um salvo conduto para permanecer na série A por três anos, o tempo da Chapecoense se reconstruir. São iniciativas positivas que mostram que somos capazes de colocar nosso interesse pessoal de lado no intuito de ajudar e homenagear.

Uma tragédia dessa lembra também como a vida é efêmera, como pode se extinguir em um instante. Esse ano tive uma conversa que me impressionou muito, com um colega que tinha sobrevivido a um infarto. Ele me disse que as coisas que lhe pareciam importantes antes daquele dia eram menores, na verdade muito menos importante do que julgava. E o que importa realmente não estava em sua mente. A experiência de quase morte (sua chance na mesa de operação era de 10%) o fizeram colocar em relevo as suas prioridades. Acho que estamos todos mais ou menos nessa condição, dando importância a coisas que não merecem tanto, colocando 90% do nosso esforço pessoal no lugar errado. Vida estranha essa em que nos dedicamos ao que nos incomoda não ao que nos importa de fato.

Que Deus receba essas almas que nos deixaram prematuramente e que nos ilumine para que tiremos dessa tragédia nossas lições pessoais. Talvez seja isso o que Ele nos quer dizer o tempo todo, não sei. O que sei é que o meu tempo está passando e sinto que não estou fazendo um bom proveito dele.

Que Deus tenha misericórdia de todos nós.

 

 

Carta aberta a um amigo esquerdista

Prezado amigo,

Sei que você não está entendendo muito bem o que está acontecendo. Afinal, você não encontra mais ninguém para discutir. Você tem aquela sensação que está do lado da justiça, que ganhou a guerra cultural. No entanto, a esquerda está levando surras históricas em eleições e referendos. De onde estão saindo esses votos?

Em primeiro lugar, não acredite tanto na divisão entre esquerda e direita. Ela tem a grande desvantagem de rotular por igual diferentes tribos. Não dá para classificar no mesmo grupo um conservador cristão, um liberal clássico, um libertário, um fascista ou mesmo um nazista. O fato de serem de alguma forma anti-socialistas não significam que sejam de direita. É até defensável que os nacional-socialistas e fascistas sejam de esquerda. Você definir o que é esquerda e classificar tudo o mais como direita é muito egocentrismo, não achas?

Em segundo lugar, a verdade é que cansamos de discutir com vocês, não tem futuro. O histerismo é muito grande. Ninguém gosta de ser ofendido quando tenta argumentar uma tese. O esquema é sempre o mesmo: vocês dizem A. Nos falamos B e vocês nos acusam de sermos a encarnação do mal na terra. “Olha, eu acho que salário mínimo alto gera desemprego para os piores capacitados”; “Que horror! Você quer que o trabalhador ganhe uma miséria, você é a favor da exploração!”. “Olha, eu acho que enquanto essas moças não tiverem melhor opção, é complicado impedi-las de trabalhar como empregadas domésticas”; “Que horror! Você defende a escravidão!”. “Olha, eu acho que essa questão de cotas é complicada”; “Racista! “. “Eu acho que tenho direito de expressar minha livre opinião.”;”Crime de ódio! Crime de Ódio!”

Sim, parei de conversar de política contigo. Não é porque estou sem argumentos, mas porque desisti e estou te tratando como criança, evitando despertar seu histerismo. Conversamos sobre o tempo e outras banalidades, escuto em silêncio suas provocações e outras asneiras, sorrimos e depois voto contra você. Não se trata de voto envergonhado como andam dizendo, mas voto de quem cansou de tentar argumentar porque você não quer me ouvir. Na prática, você tampa os ouvidos e sai correndo pela sala gritando “não estou ouvindo, não estou ouvindo!”

Não adianta ficar colocando indireta no facebook, compartilhando artigo de jornalista militante, discurso da Lady Gaga. Não mordo mais a isca. Não tenho interesse em discutir na base de palavras de ordem, slogans vazios, abstrações que só existem na sua imaginação. Sabe porquê? Porque se você realmente acreditasse no que prega sua vida seria completamente diferente. No fundo, você gosta de todo o conforto que essa amaldiçoada tradição ocidental cristã te legou e se sente culpado porque tem gente que não tem nada disso. Sua revolta é vazia pois é apoiada em um castelo de cartas, na ilusão que é sempre culpa de alguém a infelicidade de outro. Isso só se sustenta na sua mente.

Seu problema não é de ordem coginitiva ou psicológica. Pensadores como Eric Voegelin, Robert Musil e Karl Klaus identificaram muito bem, seu problema é de ordem espiritual. Você tem uma pneumopatologia que nenhuma discussão política vai resolver. Sua cura passa pelo auto-conhecimento, por sua iluminação interior. Mas você não vai fazer isso, não é? Está muito preocupado salvando o mundo para entender que o que importa é salvar a própria alma. E que esta é a melhor contribuição que você pode fazer para esse mundo que tanto diz amar.

A hipocrisia da velha mídia

Volta e meia a velha mídia resolve abrir espaço para os dissonantes, o que eles chamam de direita, mas que poderiam ser chamados simplesmente de pessoas com alguma capacidade de enxergar além das aparências, gostemos ou não do que têm a dizer.  Fico até imaginando aquele jornalistão progressista pensando “como sou magnâmico, vou dar uma coluna para esse maluco e deixar ele se enforcar sozinho”. 

O que eles nunca esperam é que o maluco vai ser ouvido, como aconteceu como o Olavo nos anos 2000, que falou do Foro de São Paulo insistentemente no Globo, e mais recentemente na Veja (Hasserlman e Constantino) e na Jovem Pan (Tognoli). Não significa que sejam de direita ou que estejam certos, mas cometem o crime de falar o que os donos das redações não gostam de escutar e, pior, encontram platéia. A coisa é tão surreal que esses considerados malucos são vítimas do próprio sucesso. Sendo ainda mais claro: eles recebem espaço para fracassarem e não para darem certo. É espantoso! 

Quando eu vi a Hasserlman entrevistando o Olavo de Carvalho na TVeja, tive o sentimento que a loira não duraria muito. Curiosamente Tognoli perde o emprego logo após colocar o Delcídio no ar, falando de toda sujeira do poder. Raquel Sheherazade só sobreviveu porque se calou, até mesmo no twitter. Só é permitido o sucesso se replicar a ideologia esquerdo-progressista, essa é a lição.

Essa é a noção de liberdade da velha mídia, a liberdade de concordar comigo. Quer falar diferente? Até pode, mas desde que ninguém escute ou que seja ridicularizado. O que não pode é ser levado a sério.

Raça de hipócritas.

O 15 de novembro

O 15 de novembro

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Há um número pequeno, mas crescente, de pessoas que lamentam o 15 de novembro. Será uma simples insatisfação com o momento atual? Não sei, desconfio de respostas simples. Só sei que quando vejo a imagem de D. Pedro II, vejo uma imagem trágica, de um homem de bem que foi vítima de seus próprios erros e acertos.
 
Nossa cultura é tão doente que até hoje não fomos capazes de produzir um livro ou filme que romanceie os acontecimentos que levaram à República, o que impede a formação de um imaginário sobre o que aconteceu. Sem imaginário, não há reflexão e ficamos presos aos lugares comuns, sem ter a menor idéia do que significou a data. Comparem com a quantidade de filmes de Hollywood sobre o 4 de julho, Dia D ou a Guerra Civil.

Desconfio que estamos presos a mentiras criadas pela própria República para se justificar. Sei que há pencas de livros de história, mas sem ficção eles são quase inúteis, versões para escolher a sua. Não acredito em ciência social que não comece pela literatura ficcional. Primeiro temos que ter o sentimento das possibilidades, tentar entender o espírito da época. Depois vamos aos livros de história. É muito mais fácil entender os livros sobre a revolução industrial depois de ler Dickens (e entender que Marx foi um charlatão).

A República foi um erro? Não tenho a menor idéia, faltam esses conhecimentos básicos que me permite refletir sobre esse acontecimento. Na base da opinião, acho que foi nosso grande erro histórico e civilizacional. Mas trata-se apenas de uma opinião sem fundamento, um puro achismo. Vale quase nada. E é assim que temos que tratar as opiniões sem fundamento, um mero palpite. Para começar a refletir com seriedade é preciso levantar a opinião dos sábios. O que dá um trabalho danado.

 

A crise no Rio de Janeiro

A crise no Rio de Janeiro

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É um lugar comum na economia que quanto mais se adiar medidas para controlar o orçamento, maior será o sacrifício a ser feito. Sabemos disso por experiência comum. Quando se perde parte da renda familiar, é preciso fazer ajustes ao novo orçamento. Quem continua a gastar como antes, termina endividado no cheque especial e cartão de crédito. Ao invés de deixar de comprar uma nova televisão, a tanto tempo planejada, terá de abandonar um curso universitário ou tirar o filho de uma escola. Possivelmente o sujeito ainda vai reclamar da injustiça da vida.

Quando foi feita a nova partilha do petróleo, o Rio de Janeiro já tinha que ter colocado o pé no freio. Não fez, continuou gastando como se o futuro fosse o verão de suas praias famosas. O segundo alerta veio com a lava-jato. Não era muito difícil adivinhar que a Petrobrás teria sérios problemas. Novamente ignorado. Tudo era o Rio 2016. Agora veio o tsunami.

Não sei dizer se as medidas anunciadas são acertadas ou não, mas um fato que deve ser aceito o quanto antes é que o estado está realmente falido. Se fosse uma empresa, estariam todos na rua. Como não é, ainda se preservam os empregos, mas a conta tem que ser paga. Aumentar impostos é inútil porque já está no limite da curva de Laffer que diz que não se pode aumentar a arrecadação indefinidamente com o aumento dos impostos. Há um ponto onde a atividade econômica começa a diminuir, ou ir para a clandestinidade, e a arrecadação cai junto com o aumento dos  impostos. Nós, brasileiros, já passamos desse ponto.

O que fazer? Se a solução não está nas receitas, só pode estar nas despesas. Antes, uma consideração.

O Rio poderia ter sim mais receitas. Seu potencial turístico é enorme, muito mais do que é explorado hoje. Mas a falta de estrutura, preparação das pessoas e, também, a violência urbana, impede que esse potencial se realize. Como qualquer coisa na vida, para ganhar é preciso sacrificar, para ter mais receitas é preciso investir. A educação é sofrível, a formação de recursos humanos para o turismo insuficiente e deficiente, a violência, bem, essa nem precisa dizer, apesar de muitos cariocas conviverem muito bem com a violência, desde que não atrapalhe a praia.

Enfim, para melhorar as receitas é preciso investimento no lugar certo. Para isso, é preciso estancar a sangria. É preciso diminuir o gasto público. O lado bom é que tem muitas áreas onde o dinheiro é colocado sem eficiência, com retorno altamente questionável. O lado ruim é que essas áreas são vacas sagradas, onde tirar qualquer real significa enfrentar sindicatos, jornalistas, artistas e todo o happy people que votou 50 nas últimas eleições. Infelizmente não há liderança capaz de explicar à população que certos gastos são na verdade desperdícios. A opção é sangrar todo mundo, a começar pelos funcionários do estado.

Em tempos difíceis é que se necessita mais de uma liderança autêntica, justamente o que o Rio não tem. Por isso vamos todos sangrar, literalmente e metaforicamente.

O debate público, no Brasil, é impossível. E o problema começa na linguagem.

O debate público, no Brasil, é impossível. E o problema começa na linguagem.

De uns tempos para cá tenho me evitado a tentação de debater publicamente certos assuntos. O principal motivo para essa posição é a impossibilidade de discutir a maioria dos temas que se colocam. Por que isso acontece? Para entender o problema temos que recorrer ao entendimento dos símbolos.

O símbolo é a forma de compreender a realidade. Nós pensamos por símbolos, e o mais básico deles é símbolo linguístico. Um pouco de teoria mostra que o símbolo tem duas partes, o significante e o significado. O significante é o termo que usamos para designar o símbolo. Por exemplo, a palavra “mesa”. O significado é a que o significante está remetendo. Ou seja, o objeto ou conceito real do símbolo. No caso da palavra mesa, o objeto especial que entendemos quando se usa esse termo. A figura abaixo ilustra o conceito de signo.

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O que tudo isso tem a ver com o debate público? Tudo. Para que se possa discutir uma assunto, é preciso que ambas as partes tenham a mesma compreensão do signo, ou seja, entendam o mesmo significado para cada significante. Lewis Carroll colocou o problema da discussão moderna no diálogo entre Alice e Humpty Dumpty:

Quando eu uso uma palavra, _ Humpty Dumpty disse em um tom um tanto superior _ significa justamente o que quero que signifique, nem mais, nem menos.

Alice ainda retruca dizendo que a questão é  se podemos usar a mesma palavra para significar  coisas diferentes. Humpty responde dizendo que a questão é qual deve ser o mestre, e isso é tudo. Ou seja, sem concordância do significado dos termos, a discussão nada mais é que uma disputa de força que não tem nada a ver com o assunto em questão. Isso tudo não é novo, Aristóteles já dizia que a discussão só era possível entre spoudaios, os homens maduros.

O que temos hoje no Brasil é uma disputa de poder entre pessoas que não têm a menor concordância sobre os conceitos que estão usando. Para agravar, temos um outro problema de significantes sem significados, ou seja, os símbolos ocos que Voegelin tanta falava. Qualquer discussão séria em um ambiente desses é impossível. E não tenho a menor intenção de ficar disputando poder com quem quer que seja.

Por isso que estou me controlando e evitando entrar nesse espiral de loucura. Só quando encontro pessoas sinceramente dispostas a entender o que está acontecendo é possível discutir alguma coisa. A discussão pública no Brasil é um grande teatro onde sobram palhaços e mágicos.

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