Qualquer prémio está sujeito a injustiças, o que volta e meia rende boas discussões. Não sei bem por qual motivo, o Nobel possui um nível de credibilidade maior, e alguns o crêem incontestável. Discordo, pois qualquer obra submetida ao julgamento humano pode gerar erros e injustiças. Só isso seria suficiente para nos fazer desconfiar de qualquer prêmio. No que se refere ao Nobel, duas categorias são particularmente polêmicas, pela alta subjetividade, os Nobel da paz e de literatura.
Sobre o Nobel da paz deste ano, acredito que o povo colombiano se manifestou politicamente em plebiscito. Mais uma vez, privilegiou-se intenções sobre ações, um dos males da atualidade. O assunto da semana foi o outro, o Nobel de literatura conferido ao músico Bob Dylan.
Os puristas reclamaram. Como puderam? Um músico? Aí está o grande erro. O Nobel não foi dado a Dylan pela qualidade de suas músicas, mas a suas letras. A questão, portanto, precisa começar por uma questão: pode uma letra de música ser considerada literatura?
A meu ver, qualquer forma de expressão escrita pode ser considerada literatura, desde que entendamos que ela pode ser boa ou ruim. A letra de uma música, por exemplo, pode ser uma poesia __ não significa que toda letra o seja, que fique claro. Elas podem variar imensamente de qualidade; sem prejudicar a música, diga-se de passagem. Basta colocar uma letra do Lou Reed ao lado de uma de Lady Gaga para perceber a diferença. É possível até que um mau músico seja um bom letrista.
Assim sendo, dizer que um compositor não pode concorrer ao Nobel de literatura pela qualidade de suas letras parece-me um preconceito. Por que não? A questão não é o gênero literário, mas sua qualidade. Portanto, para julgar o Nobel do Dylan, deve-se discutir não sua condição de músico, mas a qualidade de suas letras. E não adianta pegar um refrão conhecido para mostrar que é ruim, é preciso analisar pelo menos uma boa amostra das composições de um autor.
O que achei do Nobel? O problema é justamente esse. Conheço algumas músicas esparsas do Dylan e nunca tive vontade de me aprofundar. Seus fãs dizem que sua força está justamente nas letras e talvez seja por isso que sua música nunca tenha me encantado, por não ter prestado atenção no que ele dizia. Ou seja, não tenho condições de analisar a decisão dos sábios do Nobel por não conhecer a obra suficientemente. Não sei se fizeram bem aos premiê-lo, apenas acho que não se pode condenar a premiação, como tenho visto, pelo fato de ser um músico popular. Mostrem que suas letras são ruins, ou que não possui nada de extraordinário, e terão um argumento. Mostrem que há melhores, terão outro. Mas, por favor, pelo menos leiam seu trabalho!
De minha parte, é o que farei. Nos próximos dias vou estudar algumas de suas composições para formar meu juízo. Mortimer Adler ensinava que temos primeiro que entender, para só então julgar. Acredito nisso.